Petrarca em Minas 
								Gerais
								
								
								                                                                                              
								      
								
								 
								
								
								            
								
								
								                                                          
								
								
								I
								
								
O 
								petrarquismo como fenômeno literário sempre 
								esteve atrelado à existência de uma corte. Sua 
								importação pela América portuguesa, no século 
								XVIII, foi uma contradição à própria origem e 
								razão da existência do fenômeno, pois nunca 
								houve corte no Brasil até o começo de 1808, 
								quando desembarcou no Rio de Janeiro a família 
								real, em fuga das tropas napoleônicas que 
								invadiram Portugal em novembro de 1807. 
								
								
								Isso, porém, não 
								impediu que alguns poetas exercitassem em suas 
								liras o espírito petrarquista, o que não deixava 
								de ser uma contradição. Sem corte, não havia 
								cortesão nem cortesia. Portanto, toda iniciativa 
								de poesia cortesã poderia soar falsa. Mas os 
								fatos não foram assim tão simples.
								
								É o que mostra o 
								professor Luís André Nepomuceno em A musa 
								desnuda e o poeta tímido: o petrarquismo na 
								Arcádia brasileira, resultado de sua tese de 
								doutoramento em Letras pela Universidade 
								Estadual de Campinas (Unicamp) em 2000, sob a 
								orientação da professora Suzi Frankl Sperber, e 
								que contou na banca também com os professores 
								Jorge Ruedas de la Serna, da Universidade 
								Nacional Autônoma do México, Melânia Silva de 
								Aguiar, da Pontifícia Universidade Católica, de 
								Belo Horizonte-MG, Fábio Lucas, da Universidade 
								Nacional de Brasília, e Alcides Vilaça, da 
								Universidade de São Paulo.
								
								Para Nepomeceno, é 
								razoável que o petrarquismo tenha soado falso no 
								Brasil colônia aos ouvidos de alguns, mas é esse 
								mesmo fenômeno literário revestido de tinturas 
								coloniais que vai dar formato à realidade 
								brasileira. Foi algo parecido, compara o 
								ensaísta, ao que fizeram poetas cortesãos 
								renascentistas do século XVI, que se sentiram na 
								necessidade de se libertar dos moldes da 
								vassalagem cortesã, como Ronsard e Philip 
								Sidney.
								
								
								                                               
								II
								 
								
								O autor ressalta 
								ainda que a ausência de uma corte na colônia não 
								impediu que as elites portuguesas no Brasil 
								imitassem valores cortesãos. Mas é claro que a 
								importação de uma civilização acarreta 
								modificações essenciais, “especialmente se há 
								ausência de elementos básicos por parte do país 
								colonizado”, diz o ensaista.
								
								Além disso, o 
								Brasil não foi colonizado por aristocratas e 
								homens da corte. Sem contar que, de 1580 a 1640, 
								a corte foi espanhola, permanecendo Lisboa 
								abandonada nas mãos de mercadores burgueses, 
								ávidos de emancipação econômica, mas pouco 
								interessados em boas maneiras ou na tradição 
								aristocrática. Mas, restaurada a coroa, não se 
								pode dizer que, entre os homens escolhidos para 
								governar as capitanias da América portuguesa, 
								não houvesse gente de cultura refinada, da alta 
								nobreza, que falava e lia em vários idiomas.
								
								De uma enfiada, 
								podemos lembrar aqui de D.Brás Baltasar da 
								Silveira, que tomou posse do cargo de governador 
								e capitão-general da capitania de São Paulo e 
								Minas de Ouro em agosto de 1713, na cidade de 
								São Paulo, e de seu substituto, D.Pedro Miguel 
								de Almeida e Portugal, o conde de Assumar, ambos 
								oriundos da nobreza que se destacara a partir da 
								ascensão dos Braganças ao trono.  
								
								Depois com a 
								separação de Minas, a capitania de São Paulo 
								continuou a receber governadores bem preparados 
								do ponto de vista intelectual, como Rodrigo 
								César de Meneses e Antônio da Silva Caldeira 
								Pimentel. De Pimentel, sabe-se, inclusive, que 
								chegou com a família, pois há documentos no 
								Arquivo Histórico Ultramarino, de Lisboa, que 
								registram a sua subida de Santos para São Paulo 
								com a ajuda de guias indígenas.
								
								Mas é claro que, à 
								falta de interlocutores, esses governadores 
								nunca tiveram tempo nem condições de reproduzir 
								o ambiente cortesão. De Pimentel, os grandes 
								senhores paulistas — gente rústica e mestiça, 
								que enriquecera com o trabalho de caçar e 
								escravizar indígenas — mostravam ressentimento e 
								queixavam-se de que os ofendia freqüentemente 
								com a perseguição que lhes movia, 
								inferiorizando-os “perante os visitantes e os do 
								Reino”. Por seu lado, o conde de Assumar 
								passaria para a História como um dos mais 
								despóticos dos governadores que andaram por 
								Minas, ao mandar esquartejar, sem autorização da 
								Corte, um tropeiro reinol, Felipe dos Santos, 
								nascido em Cascais.
								
								Já de Antônio 
								Manuel de Melo Castro e Mendonça, que governou 
								São Paulo de 1797 a 1802, a lembrança que ficou 
								foi a de um governador mais preocupado em 
								atravessar os negócios dos comerciantes da 
								capitania. E não se pode dizer que fosse homem 
								bronco. Pelo contrário. É autor de uma memória 
								que resgata boa parte da história da capitania 
								de São Paulo no século XVIII em que mostra seu 
								bom preparo intelectual.
								
								Criado no Palácio 
								Cunhal das Bolas, no Bairro Alto de Lisboa, onde 
								hoje funciona o Hospital São Luís (dos 
								Franceses), monumento da Renascença portuguesa, 
								Mendonça era conhecido como Pilatos, apelido que 
								herdara do pai, Diniz Gregório de Melo e Castro 
								de Mendonça, fidalgo conselheiro de Estado e 
								segundo general dos Açores, que, enriquecido, 
								comprara o célebre palácio construído por um 
								rico comerciante lisboeta conhecido como Pilatos, 
								o que levou a população lisboeta a estender a 
								alcunha aos novos proprietários. 
								
								
								                                      III
								 
								
								A uma época em que 
								tudo na América estava por fazer, não se podia 
								esperar que esses capitães-generais pudessem ter 
								muitas veleidades literárias, ainda que 
								D.Rodrigo José de Meneses, filho do famoso 
								marquês de Marialva, à época em que dirigiu a 
								capitania de Minas Gerais no começo da década de 
								1780, tenha sido uma exceção, pois, apreciador 
								das belas letras, foi incensado por poetas do 
								calibre de Cláudio Manuel da Costa, Tomás 
								Antônio Gonzaga e Alvarenga Peixoto exatamente 
								porque permitia que esses homens de cultura 
								freqüentassem o palácio do governo para sessões 
								lítero-musicais.
								
								Em seu excepcional 
								ensaio, Nepomuceno dedica a maior parte do 
								espaço ao poeta Cláudio Manuel da Costa, 
								introdutor do Neoclassicismo no Brasil e uma 
								espécie de corifeu do movimento arcádico. Embora 
								não se saiba que tenha freqüentado a corte ao 
								tempo em que estudou em Coimbra, Cláudio, ao 
								retornar ao Brasil, sentiu-se sempre um exilado 
								em sua própria terra, suspirando pelas musas do 
								Mondego. 
								
								Nunca pôde ser um 
								poeta de corte, mas sempre escreveu com os olhos 
								voltado à ética do refinamento cortesão. Só que, 
								como observa Nepomuceno, sua poesia amorosa 
								cortês vem muito mais de suas leituras eruditas 
								do que de sua experiência de vida. É ele o poeta 
								tímido, inconformado com o meio inculto e 
								selvagem em que vivia, a que se refere o título 
								do ensaio. 
								
								De fato, o 
								sentimento de deslocamento no espaço social teve 
								início com Cláudio, mas se fez presente nos 
								demais poetas do período árcade. Mais tarde, no 
								século XIX, esse comportamento seria 
								interpretado por críticos românticos e 
								exacerbados pelo nacionalismo como falta de amor 
								à terra brasileira.
								
								Nepomuceno mostra, 
								porém, que no século XVIII a sensação de 
								estrangeirismo reflete apenas uma condição 
								cultural da colônia “e o desejo de 
								sistematização de modelos de civilização, cujo 
								parâmetro era a ilustração pombalina, no campo 
								da cultura e das relações sociais, e o 
								petrarquismo neoclássico, no campo da estética”. 
								Exigir daqueles homens que tivessem tido 
								comportamento diferente seria cair no movediço 
								terreno do anacronismo.
								
								
								                                                        
								IV
								
								Luís André 
								Nepomuceno, nascido em 1968, é doutor em Teoria 
								Literária pela Unicamp e professor de Teoria da 
								literatura e Literaturas de Línguas Inglesa no 
								Centro Universitário de Patos de Minas (Unipam). 
								Ficcionsta, é autor também de A lanterna mágica 
								de Jeremias (Rio de Janeiro, Sete Letras, 2005) 
								e Antipalavra (Rio de Janeiro, Sete Letras, 
								2004). Já conquistou os prêmios Guimarães Rosa, 
								da Radio France Internationale, e Luiz Vilela, 
								da Fundação Cultural de Ituiutaba-MG.
								
								 
								
								
								___________________
								
								A MUSA DESNUDA E O 
								POETA TÍMIDO: O PETRARQUISMO NA ARCÁDIA 
								BRASILEIRA, de Luís André Nepomuceno. São Paulo: 
								Annablume. Patos de Minas-MG: Centro 
								Universitário de Patos de Minas (Unipam), 307 
								p., 2002. www.annablume.com.br
								
								
								______________________
								
								(*) Adelto 
								Gonçalves é doutor em Literatura Portuguesa pela 
								Universidade de São Paulo e autor de Gonzaga, um 
								Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova 
								Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, 
								Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher 
								Brasil, 2002) e Bocage – o Perfil Perdido 
								(Lisboa, Caminho, 2003). E-mail: adelto@unisanta.br