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			Jorge Lúcio de Campos 
                                         
                                            
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
              
			
			Memória da chuva, de Ruy 
			Espinheira Filho  
  
			  
			
			Haveria ainda tempo para a poesia? 
			Considerando-se apenas o imediatismo dos famigerados 'consumidores 
			de cultura', diria que não. Tal tipo de atividade (a leitura 
			fruitiva do poético) parece ter soçobrado diante de tantos apelos 
			osmóticos, hoje em dia tão atraentes - em sua maciça recorrência 
			cotidiana - para a turba incauta-inculta (pouco importando por ora 
			definir seus meios, fins e áreas de atuação), uma vez que a gula da 
			megacirculação mercadológica, aparentemente, também dela já se 
			apropriou. O socius, sob essa ótica, parece fadado a funcionar como 
			uma  máquina viciosa, sem tempo para 'luxos' como o ócio, a 
			espontaneidade ou a degustação. Tudo tenderia, segundo a mesma 
			ótica, a resumir-se à efemeridade do instante aparente, às ações de 
			curto alcance, à ciranda do manipulável e do descartável…  
			
			Em tempos assim bicudos, onde não só a 
			poesia, mas qualquer outra atividade esteticamente espontânea, antes 
			sobrevive que vive - desajeitada e obsoleta em meio à ditadura das 
			conveniências - sempre é reconfortante saber que, apesar dos 
			pesares, investimentos continuam a serem feitos no sentido da 
			consecução da belle oeuvre. Qualquer ato (ou pretensão de ato) que, 
			por mais improvável que seja, possa chamar a atenção - e aqui me 
			refiro não só aos que efetivamente se enriquecem, lendo ou 
			escrevendo, com o circuito poético - para a importância da 
			interferência (não gratuita, é claro) humana na realidade 
			circundante (e que, simultaneamente, o preenche e desafia) merece 
			ser (e muito)  saudado.  
			
			É justamente o que faz a Nova 
			Fronteira com Ruy Espinheira Filho, ao celebrá-lo como "um dos mais 
			puros representantes da tradição lírica na poesia brasileira atual". 
			De fato, o grau de maturidade poética demonstrada pelo autor ao 
			longo dos quarenta e nove títulos que compõem Memória da Chuva, sua 
			mais recente coletânea, de modo algum conspira contra tal avaliação. 
			Trata-se de um trabalho competente que se sobressai pela perícia e 
			sensibilidade. Isso pode ser constatado já a partir do próprio 
			título - uma imagem que explora muito bem a tensão entre o perene e 
			o passageiro - por sinal, adequada ao espírito intimista que a obra 
			se propõe ter, como lembra Alexei Bueno, um de seus avalistas (o 
			outro é Paulo Henriques Britto).  
			
			Contudo é justamente nessa enfática 
			opção pela verve lírica que reside, a meu ver, o que há de mais 
			frágil no livro. Quase sempre às voltas com o mesmo leque temático 
			(enxuto e exaustivamente explorado), os poemas de Memória da Chuva 
			constroem uma pequena história privada (ancorada no binômio 
			'afastamento/expectativa') que privilegia, sempre que possível,  
			sensações como a de ausência ('Exumação'), tempo ('Soneto da  
			justificação'), sonho ('Luar'), amizade ('Um sonho'), morte, além de  
			sentimentos como o amor e a melancolia ('Enquanto', 'Como um navio 
			perdido'). E ficam nisso.  
			
			Se por um lado, perturbou-me a 
			impressão de um apego excessivo ao trato formal - o que teria 
			impedido uma fluência mais desejável da própria expressão (embora 
			poemas como 'Soneto de quintal' e 'Blind Borges' indiquem a 
			habilidade de Espinheira em evitar os chamados prejuízos 'fáceis') e 
			uma dialética demasiado tímida com o concreto (que, muitas vezes, o 
			leva a insistir nas reduções de cunho pessoal, evitando, 
			curiosamente, a via mais fascinante das expansões objetivadoras), 
			pelo outro, é preciso louvar a delicadeza com que ele buscou 
			'resolver' o magma poético. 
			
			Isso não chega, é claro, a ser 
			surpreendente em se tratando de um poeta já calejado, cuja 
			competência foi criticamente aferida em trabalhos anteriores.  
			
			Espinheira se filia, sem dúvida, à 
			linhagem dos que buscam o  transcendente "no mais ínfimo 
			acontecimento" e bem consegue 'dominar' seu texto (talvez seja essa 
			a grande virtude dos bons escritores).  
			
			Porém, num momento em que a poesia 
			necessita reavaliar seu espaço, tem-se a impressão, um pouco 
			inquietante, de que um poeta de sua competência poderia ir mais além 
			e, expondo-se menos aos chavões da self adventure, abrir-se a novas 
			potencialidades.  
			
			Em síntese, quando a arte, de um modo 
			geral, luta para não ser engolida por uma sociedade caracterizada 
			pelo narcotização crescente dos meios de expressão, por 'valores' 
			tecnicistas e pragmáticos, diante dos quais a poesia parece 
			seriamente ameaçada, vozes como a sua precisariam ambicionar mais. E 
			nutrindo, quem sabe, uma concepção mais visceral do poético, mostrar 
			que - antes de servir como um veículo privilegiado da  química 
			interior - ela deverá, sobretudo, se engajar na instauração,  
			contínua e incansável, de uma outra realidade. Aguardemos o próximo 
			encontro…  
  
			  
			              
        
			
			Leia Ruy Espinheira Filho 
			  
			  
                                                                   
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
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