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            Henriqueta Lisboa 
                                         
                                            
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
              
                                                                        
          
            Drama de 
            Bárbara Heliodora  
             
             
            "Bárbara bela 
            do norte estrela  
            que o meu destino  
            sabes guiar." 
             
             
            Quem é esse que assim canta  
            como quem está chorando?  
            Suas faces encovaram,  
            seus olhos se amorteceram,  
            sobre seus cabelos negros  
            cai uma chuva de cinza.  
            Ah! e havia tanta brasa  
            em torno de seus cabelos,  
            tanto sol na sua ilharga,  
            tanto ouro nas suas minas, 
            tanto potro galopando  
            nas suas terras sem fim. 
             
             
            Grão de poeira quando o vento  
            a madrugada castiga:  
            Já não é mais Alvarenga  
            quem foi Alvarenga um dia. 
             
             
            Do galho tomba uma fruta  
            verde sobre o lago fundo.  
            A árvore guardava a seiva  
            toda nessa fruta verde.  
            A mão trêmula do poeta  
            mal sabe aquilo que escreve: 
             
             
            "Tu entre os braços  
            ternos abraços  
            da filha amada  
            podes gozar." 
             
             
            A essas horas, na distância,  
            vai pela tarde dorida  
            sob a chuva, entre salpicos  
            de lama, um caixão mortuário  
            sem enfeites nem bordados,  
            senão os que a lama asperge  
            no pano que cobre as tábuas. 
             
             
            Quando a alvura da açucena  
            se refugiava nas moitas,  
            Maria Ifigênia encontra  
            sua gruta para sempre. 
             
             
            É deveras a Princesa  
            do Brasil, essa menina  
            de madeixas escorridas, 
            de lábios esmaecidos,  
            de túnica mal vestida? 
             
             
            Essa, a mesma por quem vinham  
            da Corte os melhores mestres  
            de dança e língua estrangeira?  
            A de damascos e auréolas  
            a quem brotavam nos dedos  
            tíbios ramos de coral? 
             
             
            Linda, lendária Princesa,  
            por quem chora já sem lágrimas  
            pobre mulher desvairada  
            de olhos que olham mas não vêem. 
             
             
            Chora Bárbara Heliodora  
            Guilhermina da Silveira.  
            E em suas artérias corre  
            o sangue de Amador Bueno!  
            Chora, porém já sem lágrimas. 
             
             
            É de mármore seu rosto. 
            Seu busto cai sobre os joelhos:  
            flores que de trepadeiras  
            pendem murchas para o solo. 
             
             
            Talvez já nem saiba como 
            – para donaire da estirpe –  
            na ponta dos pés erguida  
            em hora periclitante  
            ousou admoestar o esposo:  
            "Antes a miséria, a fome,  
            a morte, do que a traição!" 
             
             
            Valem muralhas de pedra  
            para represa dos rios, 
            certas palavras eternas  
            que decidem do destino. 
             
             
            Publicado: Madrinha Lua (1952) 
  
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