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            Henriqueta Lisboa 
   Assim é o medo
            
 
 Assim é o medo:
 cinza
 Verde.
 Olhos de lince.
 Voz sem timbre
 Torvo e morno
 Melindre.
 
 Da sombra espreita
 à espera de algo
 
 que o alente.
 Não age: tenta
 porém recua
 a qualquer bulha.
 
 No campo assiste
 junto ao títere
 à cruz que esparze
 vivo gazeio
 de nervosismo
 com vidro moído
 grácil granizo
 de pássaros.
 
 E que rascante
 violino brusco
 não arrepia
 ao longo o azul
 dos meus veludos
 se, a noite em meio
 cá no fundo
 quarto escuro,
 a lua arrisca
 numa oblíqua
 o olhar morteiro.
 
 Dentro da jaula
 (mundo inapto)
 do domador
 em fúria à fera
 subsinuosa-
 mente resvala.
 
 Aos frios reptos
 do ziguezague
 em choque, súbito
 relampagueio,
 
   as duas forçasse opõem dúbias
 se atraem foscas
 para a luta
 pelo avesso:
 despiste e fuga
 ouro e vermelho
 desde a entranha.
 
 As duas forças
 antagônicas:
 qual delas ganha
 acaso
 ou perde
 o medo
 frente a
 frente ao
 medo?
 
 
 Publicado: Além da Imagem (1963)
 
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