| 
             
                  
                  
                  Godofredo Filho  
                                         
                                            
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
              
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            
            Lamento da perdição de Enone  
  
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            
              
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            
            Quero fugir e não posso.  
            Quero correr e me sinto  
            colado no chão da esquina.  
  
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            
             
            Se a noite ao menos pudesse  
            fazer com que me esquecesse  
            da fria luz que, no quarto,  
            sobre o teu corpo morria.  
  
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            
             
            Oh gargantilhas de espanto  
            na esconsa perdida!  
  
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            
             
            Se a noite ao menos pudesse,  
            apagar o riso insano  
            que deste para outros homens,  
            a esquimose de teu riso  
            na carne dos transeuntes.  
  
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            
             
            Taça esgalga (negra rosa!)  
            taça esbelta onde anoitece  
            o vinho que me delira,  
            tormento,  
            lunar delícia  
            de tantas bocas viciadas  
            na polpa nutriz dos mundos.  
  
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            
             
            Não dormias, que eu só sei  
            da luz verde que escorria  
            sobre os teus seios imersos  
            no mar moreno do peito.  
            Girafa que me alucina,  
            cobra, cobra,  
            cobra, cobra,  
            doida mula-sem-cabeça  
            batendo os cascos de vidro  
            no rosto do meu desejo...  
  
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            
             
            Quero gritar e não posso.  
            Quero correr e me sinto  
            colado no chão da esquina.  
  
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            
             
            Se a noite ao menos pudesse,  
            na sombra do mar do tempo,  
            perder o lume trigueiro,  
            mas tão frio, de teus olhos.  
  
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            
             
            Na relva negra do púbis,  
            de teu púbis -- horto exíguo,  
            quisera pascer cuidados,  
            ternuras, canções de lua,  
            ou bem, anseios magoados  
            do riço mau das bromélias.  
  
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            
             
            Quisera pascer cuidados...  
            ou esgueirado pelas bordas  
            do poço do mundo estéril,  
            fecundar óvulos mortos.  
  
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            
             
            Enone,  
            a aurora surgia  
            das dobras de teu silêncio.  
  
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            
             
            Vinho, aromas, luzes cruas,  
            e essas pupilas boiando  
            num charco azul de atropina.  
  
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            
             
            Enone,  
            a aurora dançava  
            na festa dos teus cabelos.  
  
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            
             
            Quero fugir e não posso.  
            Quero correr e me sinto  
            colado no chão da esquina.  
  
             |