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Um esboço de Leonardo da Vinci, página do editor

 

 

Felipe Barroso

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Alguma notícia do autor:

 

   
 
Culpa

 

William Blake, Death on a Pale Horse

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Allan R. Banks (USA) - Hanna

 

 

 

 

 

 

Carlos Normando

Diário do Nordeste, Fortaleza, Ceará, Brasil

2.12.2006

 


“A PADARIA ESPIRITUAL”
Um documentário saído do forno

 

Documentário revisita a Padaria Espiritual. Dirigido pelo professor Felipe Barroso, o DVD traz depoimentos de Ariano Suassuna, Batista de Lima, Gilmar de Carvalho, Sânzio de Azevedo, entre outros.



 

Vi “A Padaria Espiritual” (DVD/24min.) do criativo professor e documentarista Felipe Barroso em uma avant-prémière lá na Unifor e gostei muito. Aliás, trata-se da materialização, em grande estilo, de um roteiro agraciado com o IV Prêmio Ceará de Cinema e Vídeo, da Secretaria da Cultura do Estado do Ceará.

Imaginem só que receita: reservem uma boa porção de depoimentos de nomes de peso como Falcão, Ariano Suassuna, Thiago de Mello, Gilmar de Carvalho, Fausto Nilo, Batista de Lima, entre outros; misturem a uma boa pitada de humor; acrescentem uma dose generosa de teatro; e mais um pouco de elementos de época. Misturem tudo com cenários primorosos, como o interior do Instituto Histórico eBarroso, papel à mão, dirige a filmagem do documentário Antropológico do Ceará e do nosso famoso Passeio Público. Para completar a receita, uma boa música incidental, no caso, também original, composta pelo talento de Dihelson Mendonça. Agora levem tudo ao forno e aguardem alguns minutos. O resultado, não tem segredo, será este grande documentário, uma peça que mal foi lançada e já é tão importante para as histórias do cinema e literatura cearenses.

Sobre o roteiro, o próprio diretor chegou a comentar que o “oficial”, aquele que ele teve de apresentar quando se inscreveu ao prêmio, era apenas uma idéia central, uma série de anotações importantes do que deveria ser filmado. Mas ele sentia que faltava alguma coisa. Talvez porque ainda não houvesse a determinação criativa de dispositivos narrativos. Pois foi justamente no início do processo de filmagens que Felipe Barroso e o experiente Valdo Siqueira (responsável pela belíssima fotografia do vídeo) começaram a pontuar uma série de boas idéias para contar parte da história da Padaria Espiritual. A primeira delas são as “reconstituições” em forma de esquetes. Recurso que funcionou muito bem para comentar alguns dos famosos artigos do programa de instalação da agremiação literária. Enquanto os padeiros aparecem em reunião, lêem-se os artigos em letreiros estilo antigo, ao som de um fox em piano.

Os depoimentos foram feitos no estilo Cinema Direto, isto é, bem comportados, ilustrados com inserts de documentos e sem interferência da equipe de filmagem.

O humor é outro ingrediente, por sinal bastante representativo do espírito irreverente do grupo, que foi utilizado para conduzir a narrativa. Seja através de um tarimbado Falcão devidamente paramentado ou da participação autêntica de um simples transeunte levemente alcoolizado. Aquela dose de sorte para o sucesso da receita...

Pronto. Para os que conhecem ou não a história da Padaria Espiritual, fiquem de olho nas próximas exibições e sirvam-se que, garanto, a mesa é farta.

SERVIÇO: A Padaria Espiritual, documentário de Felipe Barroso, exibição hoje, às 20 horas, no Ideal Clube para convidados. O DVD estará disponível para locação em janeiro na Distrivídeo.


 

O autor é documentarista e professor universitário

 

 

 

 

Manoel de Barros

 

Augusto dos Anjos

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Winterhalter Franz Xavier, Alemanha, Florinda

 

 

 

 

 

 

 

 

Um esboço de Leonardo da Vinci

 

 

Batista de Lima

Diário do Nordeste, Fortaleza, Ceará, Brasil

17.12.2005


 

O velho escrevinhador e sua última adolescência
 

 

Cada idade possui sua adolescência. Em qualquer momento da vida tem-se a chance de quebrar o osso das convenções, de ferir os dogmas e os paradigmas que nos foram impostos. Mas o momento mais inusitado para essa puxada do tapete é na chamada melhor idade. Nesse momento de acomodação o que mais incomoda os outros é a busca dos atalhos, a fuga da estrada principal

Um exemplo é fugir de casa aos setenta anos. E foi exatamente isso que ele fez no dia do septuagésimo aniversário. Quem conta a história é Felipe Barroso em O velho que ainda escrevia cartas de amor. Publicado pela Editora 7 Letras, do Rio de Janeiro, esse autor cearense teve seu livro selecionado para publicação no II Edital de Incentivo às Artes, da Secretaria de Cultura do Estado do Ceará. Trata-se de uma coletânea de contos com alguns deles premiados anteriormente, outros publicados na revista Literapia e um deles incluído entre os escolhidos do 2º Prêmio Ideal Clube de Literatura, em 1999. Vê-se assim que o escritor não é neófito na arte da escritura nem na prática da divulgação de seus escritos.

Ao longo do seu livro Eros e Thânatos se dão as mãos e vão margeando o destino dos personagens. É a tia que pede ao sobrinho médico que a mate. É a ex-namorada do velho setentão que morrera jovem, solteira e bela sendo visitada no cemitério. É o doente de câncer que passa a viver no campo santo. Como se vê, há em todos os contos do livro a presença inarredável da morte. O desfile de fantasmas dá a cada história uma atmosfera fantástica sem apelar para o divino nem para o maravilhoso.

O autor, Felipe Barroso, nascido em 1963, em Fortaleza, logo que ficou taludo de corpo e olhudo de curiosidades meteu o pé na estrada e navegou por mares estranhos e distâncias ignotas. Cumprindo o estatuto das almas inquietas, captou as dores do mundo e transfigurou-as em verbo. Esse seu verbo tem a credencial de quem foi, viu e escreveu. É uma verdadeira reportagem narrativa com a atmosfera do conto, com todas as características da história curta.

Advogado e professor Universitário, ele deriva da lei à leitura, da leitura à escritura. Conseqüência disso é a frase enxuta, a pureza gramatical e a concisão no elaborar textual. Essa pureza com que trata o vernáculo é tamanha que não se encontra nenhuma achega gramatical nos originais dos contos, e leva-nos à conclusão de que sua escritura pode até se iniciar com a inspiração, mas o tempo mais gasto na educação textual fica por conta do burilamento da forma. Nisso Felipe Barroso é perfeccionista.

Uma característica que chama a atenção do leitor é seu pendor para derivar sem receio do conto á crônica. Mesmo o livro sendo de contos, há alguns momentos em que o leitor se depara com bem urdida crônica de costumes. É algo escrito tão despreocupadamente e tão no limite entre os dois gêneros que fica difícil definir se se trata de texto apenas comprometido com o tempo presente ou se é a criação de uma narrativa curta via descrição impressionista. É o caso de "Menino e trocador", "Bancos de aluguel", "A noiva de Bristol" e "Aniversário". Isso não é demérito nenhum e foi praticado por escritores como Carlos Drummond de Andrade e Clarice Lispector. O importante é que em todos eles o tempo aparece como elemento fundamental, dada a feição corrosiva de que é imbuído.

O tempo é pois o liame entre os componentes textuais como a lubrificar o texto nos seus momentos de seca racionalidade de quem se educou, se habilitou e milita no positivista mundo das leis. O tempo da escritura perlonga por vinte anos de cozinhamento antes de servir seus leitores com esta edição de belo acabamento. Vinte anos de tempero e adubo nos trazem agora um texto tenro e salpicado de ternura para com os personagens nascidos e robustecidos no seio do povão. Radagásio, que podia ser Sebastião-Cara-de-Sabão, tocava trombone na banda do Batalhão de Caçadores, e usava bigode até virar "Ford Bigode" e ter que raspá-lo com o barbeiro Chico Dadá. Antes de morrer de si morria da morte dos outros através de "seus olhos neblinados". Havia um carpidar permanente escanchado no existir do personagem.

Também o autor vem a carpir as dores daqui e dalhures. Depois de bater perna por esse mundão que Deus nos deu, Felipe Barroso voltou para sua loura desposada do sol com a experiência das figuras picarescas. Filho pródigo, concluiu: "Minha cidade é meu reino". E foi mais além: "Minha cidade é igualzinha às outras do resto do mundo". Para chegar a essa conclusão foi preciso desdobrar o canivete, cortar os punhos da fianga e proclamar para engraxates, jornaleiros e passarinhos quem era o verdadeiro rei do mundo, imperador dos caminhos. Era ele próprio. Convencido de que a bateria para lhe energizar estava ligada no cordão umbilical, voltou a Fortaleza de corpo, alma e escritura neste seu livro de contos. Daí sua propensa dupla função de narrador e personagem a transparecer.

Contar histórias não é para qualquer um. Não é para quem tem medo de fantasmas, noite escura, encruzilhada e alma penada. Por isso que ele enfrentou a bruxa Teresa, surgida na noite alta da floresta de arranha-céus, e deu-lhe voz nos seus escritos. Seu conto "Teresa, a bruxa" é um prenúncio de que a velha noctívaga não é única na esteira da devastação que a miséria espalha nos grandes centros urbanos sobre aqueles predestinados ao suplício do abandono. Miséria tão maior que a da Duquesa que pede ao médico que a mate por não ter suporte para gemer vagidos de dor. O mundo da dor é um aprendizado que só os treinados superam.

Felipe Barroso é pois um exímio contador de histórias. Isso acontece porque ele observa, ouve e ausculta a pulsação da urbe. Narrador urbano, ele dá voz aos que não têm voz mesmo tendo muito o que dizer. Seus textos fazem uma prospecção nesse mundo que as elites ignoram mas que lateja e reverbera, grita e geme bem diante de nosso nariz. Nós podemos até ignorar esse mundo, Felipe Barroso não comete esse pecado. Ele carrega consigo as dores do mundo, que de tão pesadas ele as divide agora com seus leitores através desse velho que ainda escrevia cartas de amor.

 

Batista de Lima

 

   
 
 

 

 

 

 

 

2.11.2007