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Jornal do Conto

 

 

Carlos Gildemar Pontes


 

Por falta de um adeus

 

Aos domingos ele ia à praia. Lambuzava-se com um óleo vermelho e estirava-se de cara para o sol. Rapaz metido a fino esse Alfredo. Anda polido mesmo fora do expediente do banco onde trabalha. Sua paixão pela loirinha começa toda segunda-feira.

Pelas manhãs, depois do café, olha-se demoradamente no espelho, revira o cabelo, tenta novo penteado, mas a imagem da loirinha lhe apressa, dando um friozinho na barriga.

- Tchau rex!

- Au, au, auauau... au, au!

Às 7:30 ela chega ao ponto do ônibus. No último encontro ele alargou-lhe um sorriso. Tomaram o ônibus juntos.

- Oi – dizia ele costumeiramente.

- Oi – respondia ela saturadamente.

- Hoje você atrasou cinco minutos, eu marquei.

- É, o meu cachorrinho machucou a pata dianteira esquerda, aí eu fiz um curativo nele...

- Ah, mas eu também tenho um cachorro! É o rex. Ele é de raça, sabe? Tem um bom pedigree. E o seu?

- Também.

Hoje o diálogo cresceu, falaram até em cães. Quem sabe seria o primeiro passo para um encontro!

A loirinha secretariava um advogado amigo da família. Alfredo nada sabia a seu respeito, entanto tencionava namorá-la.

Ao chegar em casa, gravata bem posta, pano ainda passado, o jovem desviava-se de rex para não se sujar. Só depois, de calção, passava-lhe a mão meio enjoado na cabeça e logo corria para lavar as mãos. O cão, pobre amigo coitado, auauava incompreendido.

Sabia Alfredo agora que, pelo fato de ter igualmente um cão, poderia iniciar uma conversa menos monótona. Inventaria um machucado para o seu rex. Uma cadeira que caiu em sua cabeça, talvez.

Na manhã seguinte, planejou bem a mentira e levitou diante do espelho: vou impressioná-la com meus conhecimentos veterinários. Irei até a sua casa cuidar da pata do seu cachorro. Na saída para o trabalho, Alfredo esquece porém de acenar para o rex e de fechar o portão. Já sabia agora que podia iniciar uma conversa sobre a cura pela medicina popular aplicada ao tratamento de animais ou como curar a machucadura de seu cão sem chamar o veterinário ou coisa que o valha.

A loirinha ia entrar de férias e levava uma prima para o seu lugar. Iria explicar o serviço enfadonho que fazia.

- Oi – chega Alfredo o mais polido possível.

- Oi.

- Sua irmã?

- Não... prima.

- Sabe o que aconteceu ontem?

- Ahn!?...

- A cadeira caiu na cabeça do rex e o pobre está meio machucado. Mas está tudo sob controle, ele está sob os meus cuidados.

- Que pena!

De súbito, um freio brusco, seguido de um latido, ecoa na avenida. Eis que surge esbaforido e com um palmo de língua de fora, um temendo vira-latas, empinhado de carrapatos, abanando o rabo e atracando-se quase ereto às pernas do Alfredo. ...Meu Deus, deixei o portão aberto e esse nojento saiu atrás de mim...

- Ah, ah, ah, ah esse aí é que é o rex?

- Não é o cachorro do vizinho.

De imediato, Alfredo subiu no primeiro ônibus, no que rex o acompanhou.

- Espera motorista tem um cachorro aqui dentro. Sai rex, sai rex, sai desgraçado.