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Luís Vaz de Camões




Fogem as neves frias




Fogem as neves frias
dos altos montes, quando reverdecem
as árvores sombrias;
as verdes ervas crecem,
e o prado ameno de mil cores tecem.

Zéfiro brando espira;
suas setas Amor afia agora;
Progne triste suspira
e Filomela chora;
o Céu da fresca terra se enamora.
Vai Vénus Citereia
com os coros das Ninfas rodeada;
a linda Panopeia,
despida e delicada,
com as duas irmãs acompanhada.

Enquanto as oficinas
dos Ciclopes Vulcano esta queimando,
vão colhendo boninas
as Ninfas e cantando,
a terra co ligeiro pé tocando.

Dece do duro monte
Diana, já cansada d'espessura,
buscando a clara fonte
onde, por sorte dura,
perdeu Actéon a natural figura.

Assi se vai passando
a verde Primavera e seco Estio;
trás ele vem chegando
depois o Inverno frio,
que também passará por certo fio.

Ir-se-á embranquecendo
com a frígida neve o seco monte;
e Júpiter, chovendo,
turbará a clara fonte;
temerá o marinheiro a Orionte.

Porque, enfim, tudo passa;
não sabe o tempo ter firmeza em nada;
e nossa vida escassa
foge tão apressada
que, quando se começa, é acabada.

Que foram dos Troianos
Hector temido, Eneias piadoso?
Consumiram-te os anos,
Ó Cresso tão famoso,
sem te valer teu ouro precioso.

Todo o contentamento
crias que estava no tesouro ufano?
Ó falso pensamento
que, à custa de teu dano,
do douto Sólon creste o desengano!

O bem que aqui se alcança
não dura, por possante, nem por forte;
que a bem-aventurança
durável de outra sorte
se há-de alcançar, na vida, para a morte.

Porque, enfim, nada basta
contra o terrível fim da noite eterna;
nem pode a deusa casta
tornar à luz superna
Hipólito, da escura noite averna.

Nem Teseu esforçado,
com manha nem com força rigorosa,
livrar pode o ousado
Pirítoo da espantosa
prisão leteia, escura e tenebrosa.

 

 

 

 

 

16/03/2006