Mais de 3.000 poetas e críticos de lusofonia!

 

 

 

 

 

Luís Vaz de Camões



Esperanças mal tomadas


MOTE

Esperanças mal tomadas,
agora vos deixarei
tão mal como vos tomei.

VOLTAS

Fostes tomadas em vão
de mim e sem fundamento.
Vós éreis todas de vento,
e eu dele vivia então.
Se vos tomei sem razão,
com ela vos deixarei
tão mal como vos tomei.

Assim vos queria ter
sem razão e mal tomadas
sabendo, quando deixadas,
quanto havíeis de doer.
Mas nem isto pode ser,
que por meu mal vos tomei
e por vós me deixarei.

Quereis que faça mudança!
De vós outro bem não entendo.
Isto só se ganha em vos vendo;
isto só de vós se alcança.
Mas esta vã esperança,
Senhora, se eu a tomei
por vós, como a deixarei?


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Luís Vaz de Camões


 

Que vistes, meus olhos?


MOTE

Que vistes, meus olhos?
Meus olhos, que vistes,
que vos vejo tristes?

VOLTAS

Vejo-vos chorosos,
de Amor agravados,
tanto namorados
quanto mais queixosos.
Ora, meus mimosos,
dizei-me: que vistes,
que vos vejo tristes?

Dizei-me, meus olhos:
quem vos agravou?
quem vos trespassou
com duros abrolhos?
Por certo que em molhos
nunca vi, se aí vistes,
lágrimas tão tristes.

Se chorais de amor
suas esperanças,
ditosas lembranças,
mais ditosa dor!
Mas, se é desfavor,
dizei-me o que vistes,
e não sereis tristes.

Porém, se de enganos
viveis enganados,
não queirais cuidados
de quem vêm tais danos.
Deixai passar anos
com o bem que vistes,
e não sereis tristes.


 

 

 

Tiziano, Mulher ao espelho

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Herodias by Paul Delaroche (French, 1797 - 1856)

 

 

 

 

 

 

 

 

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Luís Vaz de Camões


 

Ó meus altos pensamentos


MOTE

Ó meus altos pensamentos,
quão altos que vos pusestes
e quão grande queda destes!

VOLTAS

Como de mim vos não vinha
serdes firme num estado
(pois o viver enganado
era o maior bem que tinha) ,
castelo desta alma minha,
quão alto que vos pusestes
e quão grande queda destes!

Sabia que éreis de vento,
como quem vos viu fazer;
inda assim vos queria ter
como éreis, sem fundamento.
Quem vos desfez num momento?
Ai! Quão alto vos pusestes
e quão grande queda destes!


 

 

 

Tiziano, Mulher ao espelho

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Luís Vaz de Camões


 

Pois que, Senhora, folgais



Pois que, Senhora, folgais
que minha alma vos não veja,
peço-vos que me digais
a razão que vós achais
em não querer que vosso seja.

Bem que a razão vejo clara
que alguém vos enganou,
porque eu certo julgava
que o fio não quebrara
pelo lugar que cobrou.

Mas pois foi a vosso grado
e disso tomais prazer,
eu estou aparelhado
a cumprir vosso mandado:
já mais nunca vos ver.

E por ser obediente,
com o que tenho me componho;
digo que sou mui contente,
...............................
seja passada por sonho.

E se, Senhora, cuidais
que disto paixão me vem,
certo que vos enganais:
nisso ganho eu mais
dez mil vezes que ninguém.


 

 

 

Tiziano, Mulher ao espelho

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Como quer que tendes vida


MOTE

Como quer que tendes vida
a minha alma tão de vosso
não digais, mana: «Não posso.»

VOLTA

Para haver-vos de entregar-me,
bastava somente uma hora;
e sobrava esta de agora
para poder descansar-me.
Se a vida pode faltar-me,
inda que eu não de ser vosso,
não digais, mana: «Não posso.»


 

 

 

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Lume desta vida...


MOTE

Lume desta vida...
veja-me esse lume,
já que se presume,
sem o ver, perdida.

VOLTA

Concedei luz tal
A quem vós cegastes;
Toda me tirastes,
E essa só me val.
Razão é, querida,
Já vir do alto cume
Norte de tal lume
A alma tão perdida.

Desatando ide
Esta treva escura;
Aurora onde, pura,
Toda luz reside.
Ai que atada a vida
Já com esse lume
Deixa o seu queixume,
Estima-se por perdida.


 

 

 

Tiziano, Mulher ao espelho

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29/03/2006