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			Bea Galvão 
                                         
                                            
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
              
                                                                   
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            
             
            Mal-ditos 
			  
			
              
			
              
			
            Fitou-o nos olhos mais uma vez. Já não 
			sabia por onde começar. Tantos meses perdidos, tantas palavras 
			rasgadas, momentos desperdiçados. Se fosse o começo, tudo bem. Diria 
			simplesmente: 
			
            - Quer sair comigo? Olha, aquilo tudo 
			que dissemos ontem: besteiras! O que eu quero mesmo é ficar com 
			você. Ter você ao meu lado, sem complicações. Me dá um beijo? 
			
            Mas o tempo havia passado, homens 
			haviam entrado e saído de sua vida, e o ombro do homem acostumara-se 
			a suporte-amigo. Amigo. Eis a palavra mais longe da realidade dos 
			sentimentos dela. 
			
            Conheciam-se há bastante tempo. Saíam 
			há quase um ano. 
			
            Ele apresentava a todos a sua especial 
			“amiga”. Palavra amarga, quando não sem gosto. Ela jamais se 
			acostumara àquilo. Mulher, sempre pedia mais. Pedia afastando, na 
			esperança de que o “tapa” trouxesse de volta a necessidade do beijo 
			perdido, escondido no meio das bocas e só revelado ao final da 
			noite, quando a bebida já havia sido paga, quando a noite já mais 
			nada prometia e as estrelas se ocultavam sobre o teto do Motel. 
			
            - O que está acontecendo com a gente? 
			
            - Nada. Por que? 
			
            - Como nada? Por que não estamos 
			juntos? 
			
            - Ora, a resposta é muito simples, tão 
			simples... Mas posso lhe garantir que se meu seguro de vida cobrisse 
			danos causados por TPM mal-resolvida e se a raiz quadrada de 4 fosse 
			1, nós dois estaríamos juntos. E se a paz mundial... 
			
            - Cale a boca e me beija. 
			
            E o beijo calou tudo àquela noite. 
			
            Não dormiram juntos. O prazer do 
			abraço se desdobrara em constrangimento. Uma espécie de mal-estar 
			pelas palavras mal-ditas que teimavam em queimar, por não estarem 
			mais juntos, pela amizade mais corrompida esta noite, pelo vazio que 
			se instalara entre aqueles corpos, e pelos sentimentos que... 
			
            Pelos sentimentos que... 
			
            E os sentimentos? Ainda estariam lá? 
			Intactos após tantos “se”s fraudados? 
			
            Juntou os cacos de seu corpo suado e 
			foi-se embora. Entre as despedidas, nada que prometesse mais. Entre 
			os olhares, nada que pedisse mais. Nada que comprometesse. Apenas 
			dois bons e velhos amigos curtindo uma noite-não-tão-fria. Nada 
			mais. 
			
            - Me liga amanhã? 
			
            - Para que? Está esquecendo alguma 
			coisa no meu carro? 
			
            - Nada. Só para conversar... 
			
            - Amanhã não vai dar. Tenho 
			compromisso o dia todo. Mas se precisar muito falar comigo... 
			
            - Eu sei, eu sei. Se precisar muito, 
			sei onde lhe achar. 
  
			
            Não o procurou. Nunca mais o 
			procuraria. Estava decidido: o “talvez” era “não”! Para sempre! 
			
            Bem decidiu isso, arrumou a gaveta e 
			já estava gostando novamente de se olhar no espelho. 
			
            O celular vibra, como há muito não 
			vibrava: 
			
            - Sabe, estive pensando... você vai 
			embora da cidade... e precisamos nos encontrar, não? 
			
            - Pode ser. 
			
            - Então ótimo. Te pego umas 9h? 
			
            - Certo, às 11h está bom. 
  
			
            Ela sabia que, para manter a pose de 
			mau, ele se atrasaria. A amiga já se acostumara até aos pequenos 
			defeitos daquele homem. 
			
            Onze e meia da noite: a despedida 
			começa tarde. Bebidas, conversas, risadas, meio-olhar, 
			meias-palavras, todas as intenções. 
			
            De repente, o tiro: 
			
            - Por que você nunca confiou em mim? 
			
            - O que? 
			
            - Eu quero dizer que muitas coisas eu 
			aprendi com você: como uma verdadeira mulher se comporta, do que uma 
			mulher mais precisa. Mas e você? Não aprendeu nada comigo? Por que 
			nunca confiou em mim? 
  
			
            Estava surpresa. 
			
            Pela primeira vez em tanto tempo ele a 
			tratava novamente como mulher. Mas no lugar do elogio: a culpa. 
			
            Ele aguardava uma resposta. A resposta 
			que ela não tinha. 
			
            Ela aguardava um sentimento. O 
			sentimento que ele não tinha. 
			
            E o leitor? Espera uma ação? 
			
            Bem, a ação... não teve. 
			 
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