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Astrid Cabral


Discurso de posse no P.E.N Clube do Brasil

(Parte I)

Saudação de Lélia Coelho Frota
 

Receber Astrid Cabral no Pen Clube é tomar consciência da falta que ela nos fazia, já que é reconhecidamente uma das vozes mais fortes e originais da poesia contemporânea no Brasil.

Receber Astrid no Pen Clube é também como receber mais uma vez Afonso Felix de Sousa, para cuja vaga ela foi eleita, é como abraçar o querido casal de amigos e criadores, que conviveram durante décadas praticando o ofício de escrever com independência de escritas e, ao mesmo tempo, com uma profunda e recíproca atenção para com o trabalho literário de cada um.

Nascida em Manaus, Amazonas, em 1936, Astrid concluiu ali os cursos primário, ginasial e clássico. Aos dezesseis anos já publicava crônicas e artigos na imprensa local. Na década de 50, fez parte do Clube da Madrugada, movimento que renovou a literatura amazonense. Veio estudar no Rio de Janeiro, em 1955, onde a conheci mocinha, há mais de 40 anos, morando em uma casa de religiosas na Glória. Seu interesse pela visualidade, que aparecerá em vários de seus poemas, a fez cursar História das Artes Plásticas na Escolinha de Arte do Brasil, tendo como professor Carlos Cavalcanti. Mais tarde, em 70-71, vamos vê-la ainda fazendo cursos de arte bizantina e arte contemporânea na American University of Beirut, Líbano. Esses interesses extrapolaram a esfera da academia, e quem visitou Astrid e Afonso em sua casa pode fruir da bela coleção de arte brasileira do século XX que eles reuniram ao longo de anos.
O seu belo poema sobre a pintura da americana Georgia O´ Keefe – Jardim de O´Keefe - dá a medida da sua imersão na visualidade:

Entre outras coisas
Georgia O´Keefe
veio ao mundo
para ensinar os cegos
a verem as flores.
Plantou-as monumentais
nas paredes dos museus.
Estavam todos convidados
a rever o real.

 

Esse real revisto, ou melhor, revelado, será uma constante de toda a sua poesia.

Ainda buscando seus caminhos - que na realidade são a soma andante de tudo aquilo que fazemos com aquela atenção total do ser a que Simone Weil se referia – Astrid forma-se em letras neolatinas na Faculdade Nacional de Filosofia da ex-Universidade do Brasil, hoje Universidade Federal do Rio de Janeiro. Professores e ensaístas do porte de Augusto Meyer, José Carlos Lisboa, Alceu Amoroso Lima, Rodrigues Lapa e Adolfo Casaes Monteiro foram seus mestres em análise e interpretação de textos e estilística.

Iniciou-se no magistério superior em 1962, na recém-criada Universidade de Brasília, tão cedo atingida pela ditadura militar. Foi obrigada a afastar-se da Universidade, para só ser reintegrada em 1988, com a anistia, passando a lecionar Literatura Brasileira até aposentar-se.

Em 1962 e 1963 concluiu cursos de mestrado na Universidade de Brasília, nas áreas de Teoria Literária e Lingüística Aplicada.
Astrid formou-se também como professora de inglês pelo Instituto Brasil-Estados Unidos, sendo portadora dos certificados de Proficiency em língua e literatura inglesa, conferidos pelas Universidades de Cambridge e Michigan.

A sua proficiência no idioma inglês fez com que nos oferecesse, entre outras, a primorosa tradução de Walden ou a Vida nos bosques e Desobediência civil, de Henry David Thoreau, hoje já em sexta edição.

Em 1967 fez concurso público para Oficial de Chancelaria do Ministério das Relações Exteriores, servindo em Brasília e depois em Beirute, Rio de Janeiro e Chicago. A permanência no exterior a motivará a escrever dois extraordinários livros: Torna-viagem, com base em sua experiência no Oriente Próximo, e Rês desgarrada, fruto de sua vivência nos Estados Unidos.

Sua estréia aconteceu com o livro de contos Alameda (1963), que causou funda impressão no meio literário. Antonio Paulo Graça, Professor da Universidade do Amazonas, em seu prefácio a De déu em déu, reunião dos livros da autora até 1998, assinala:

“Em Alameda, tínhamos vinte contos. Seus personagens eram flores, árvores e frutos que se transformavam em personagens trágicos, destinados à morte. Mas a sutileza da atmosfera narrativa mitigava o profundo pathos daqueles minúsculos destinos que espargiam humanidade. Ali já se desvelava uma das chaves da poética de Astrid Cabral: a consciência do desastre de toda existência aliava-se ao possível heroísmo humano. Mediando essa tensão entre resistência e condenação, estava a arte, a beleza, a sutileza formal e sensível.”

Lembremos ainda que Fausto Cunha, na ocasião desta estréia, já percebera na autora o mover-se das antenas da poesia.
Coube a mim a alegria e a honra de apresentar o seu primeiro livro de poesia, Ponto de cruz, de 1979:

Ali assinalei uma constante, que até hoje me parece constituir uma das linhas de força da poesia de Astrid:

“Ela reduz a um estado de sítio o mundo dado, através da sonda de duas vertentes: uma simbólica, mais construída, outra coloquial, que muitas vezes faz convergirem.”

Duas forças imaginantes – a do conceito intelectual e a da matéria esbarrada de imediato – contrapõem-se aqui harmoniosamente, revelando a um tempo as vertentes filosófica e instintiva do seu eros e do seu pensamento.

Sua poesia coloca-nos na trilha daquela brecha anterior a que se referia Antonin Artaud:

Uma vez que ema em grego, quer dizer sangue, poema deve querer dizer: após Após o sangue

O entrelaçamento de filosofia e poesia se estenderá ao longo da escritura de Astrid. A questão essencial do tempo, da permanência e impermanência das coisas, da sua própria realidade, perpassará toda a sua poesia.
 


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Gerardo Mello Mourão