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			Adelto Gonçalves 
                                         
                                            
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            
             
             
            A poesia como busca das raízes 
  
			
             
			Suplemento Das Artes Das Letras do jornal O Primeiro de 
			Janeiro, do Porto, em 25/09/2005 
			(www.oprimeirodejaneiro.pt) 
			
            
			 
			 
  
			
            Filhos de portugueses no Brasil sempre 
			sonham conhecer a terra onde os pais nasceram. E, quando a conhecem, 
			é como se sempre a tivessem conhecido, pois reconhecem como suas as 
			vozes dos ancestrais, os gestos repetidos, o som de uma palavra 
			esquecida na memória que, de repente, ganha vida. Se esse filho de 
			português é, ainda por cima, poeta, é claro que esse reencontro com 
			as raízes ganha outra dimensão telúrica. 
			
            Pois é o que se vê nos poemas que 
			formam Sete Anos de Pastor, último livro do poeta, crítico e 
			ficcionista brasileiro Álvaro Alves de Faria, que acaba de sair em 
			Portugal pela Palimage Editores, de Coimbra. De raiz entranhada na 
			terra coimbrã, sua poesia faz do reencontro com o Mondego, as 
			igrejas, a torre e o sino da Universidade e o choupal uma festa a 
			ser celebrada. Para coroar essa festa, o poeta participou em Maio do 
			lançamento do livro no Teatro Gil Vicente, em Coimbra, seguindo 
			depois para Idanha-a-Nova, terra que comemora os seus 800 anos, e 
			fez lá a leitura destes poemas, ao lado de Vasco Graça Moura, Nuno 
			Júdice e Ana Luísa Amaral 
			
            Nascido em São Paulo, Álvaro Alves de 
			Faria, 63 anos, é um dos nomes mais representativos da geração que 
			se formou nos anos 60 na poesia do Brasil. Foi, de certo modo, ao 
			lado de Mário Chamie, uma das vítimas da velha vanguarda do 
			movimento concretista que, dogmático, considerou ultrapassado tudo o 
			que não seguisse o seu esquema compositivo.  
			
            Como disse o próprio Chamie no ensaio 
			“Práxis: a vanguarda nova e a nova poesia brasileira”, que consta do 
			tomo II de Escolas Literárias no Brasil, organizado por Ivan 
			Junqueira (Rio de Janeiro, Academia Brasileira de Letras, 2005), os 
			poetas paulistas dos anos 60 que não se afinavam com o Concretismo 
			acabaram por ficar “exatamente entre a ortodoxia concretista e o 
			sistema totalitário da ditadura militar”, tal a visibilidade que os 
			três corifeus concretistas (Haroldo e Augusto de Campos e Décio 
			Pignatari) ganharam na imprensa e na universidade.  
			
            Vítimas da ortodoxia concretista 
			também foram os poetas Claudio Willer e Roberto Piva que, 
			influenciados pelo Surrealismo, faziam uma poesia mais afinada com a 
			beat generation americana. Hoje, felizmente, a importância tanto de 
			uns como de outros acabou por conformar-se às devidas proporções. 
			Nada como o tempo para relativizar as coisas. 
			
            Talvez porque não ofendessem o status 
			quo defendido pela ditadura, os corifeus do Concretismo nunca 
			incomodaram as autoridades. Já um poeta franco-atirador como Faria, 
			que sempre correu em faixa própria, distante de movimentos poéticos 
			organizados, foi detido cinco vezes pela polícia do regime militar 
			porque insistia em cometer atos considerados altamente subversivos, 
			como declamar poemas em pleno Viaduto do Chá, no centro nervoso de 
			São Paulo.  
			
            Autor de romances, ensaios, peças de 
			teatro e livros de crônicas e entrevistas, Faria é, acima de tudo, 
			poeta, pois assim é conhecido e apresentado na Rádio Jovem Pan, de 
			São Paulo, onde, depois das seis horas da tarde, costuma ler seus 
			poemas e crônicas que refletem a dureza da vida numa metrópole 
			insensível.  
			
            Começou com Noturno maior, de 1963, e 
			até este Sete Anos de Pastor, de 2005, foram mais 18 livros de 
			poemas, incluindo Trajetória poética (2003) em que reuniu a poesia 
			de toda uma vida, com apresentação do poeta Carlos Nejar, da 
			Academia Brasileira de Letras, e posfácio de Cláudio Willer, além de 
			uma fortuna crítica.  
			
            Desses poemas reunidos, destacam-se 
			sobremaneira aqueles dedicados às mulheres da noite de São Paulo, as 
			prostitutas do centro da cidade que o poeta fez questão de conhecer 
			pessoalmente, penetrando nos seus dramas, antes de passá-los para o 
			papel. Bastam estes versos de “A rotina” como exemplo: Perfumes 
			narinas ofegantes/ a noite se estende nestas ruas, / portas de 
			fechaduras antigas, / escadas degraus para o nada. / A cama/ aflita 
			cama vitrola do lado, / disco de outros tangos, / amores tardios, / 
			a paixão de todas as mortes, / o corpo branco/ os pêlos amassados/ o 
			sexo se abre / no meio das pernas, / gritos por dentro, / o gemido 
			do avesso, / sem gozo / sem gosto / sem nome / sem organdi, a meia 
			de náilon preta / da Mesbla, / manequim invisível / que caminha pela 
			São João / com sapatos ausentes / até o ponto no Largo do Arouche / 
			em frente à floricultura.  
			
            Versos como estes que fazem parte de 
			Lindas mulheres mortas (1990) mostram bem a maneira pessoal e 
			criativa do poeta de fazer passar o material biográfico por um 
			processo que transforma o banal em poesia. Vê-se logo que o poeta 
			pesquisou, saiu a campo, para sentir o drama alheio. Poeta 
			eminentemente paulista, que deixou rastros da metrópole em que 
			sempre viveu ao longo de todo o seu itinerário poético, Faria 
			voltou-se, nos últimos tempos, não como António Nobre, que buscou na 
			infância um passado mítico, mas foi mais além, em busca de suas 
			raízes, ao passado de seus ancestrais portugueses: 
			 
			Minha alma se deixou em Portugal 
			onde viveu meu pai 
			a caminhar com algumas ovelhas. 
  
			
            Por isso, nos últimos tempos, Faria 
			tem tratado de levar a sua voz a Portugal. Começou com 20 poemas 
			quase líricos e algumas canções para Coimbra, de 1999, título de 
			inspiração nerudiana, que fez a ensaísta portuguesa Graça Capinha 
			considerá-lo “uma obra de renascimento: de um renascimento da 
			presença de Coimbra na poesia - agora através de um novo olhar, um 
			olhar simultaneamente íntimo e estrangeiro sobre esta cidade”, pois 
			o leitor encontra em seus versos “uma imagem de Portugal numa 
			memória da memória (a de seu pai), uma imaginação de uma imaginação, 
			uma narrativa de uma narrativa”. Pertence a este livro este poema 
			sem título: 
			 
			Entro pela Porta Férrea 
			e atrás de mim vejo Coimbra 
			a nascer sentimentos, 
			um poema de dor  
			me corta ao meio 
			como se de mim estivesse se desfazendo, 
			por meus dedos medievais (...). 
  
			
            De 2002 é o livro Poemas Portugueses, 
			que, editado pela Editora Alma Azul, de Coimbra, traz esta homenagem 
			à cidade do Mondego: 
			 
			(...) Por estas ruas 
			ouço Coimbra a morrer em mim  
			poeta que sou de outra terra 
			e que estende o olhar possível 
			essa ave nos arcos 
			nas pedras 
			essa água desse rio que me lava 
			rio que me leva (...).  
  
			
            Em Sete Anos de Pastor, já não é 
			Coimbra que ocupa o estro do poeta, mas os temas continuam ligados a 
			Portugal, desde a saga dos Descobrimentos até o mito de Inês de 
			Castro, cuja influência está bem entranhada na produção poética 
			brasileira do século XX, como acaba de mostrar da professora Regina 
			Chaudhry em monografia que escreveu no âmbito de seus estudos de 
			doutoramento na City University of New York, sob a orientação do 
			professor René Garay, ainda inédita.  
			
            Pena que talvez estes versos (dois 
			sonetos e dezesseis “poemas para a rainha”) de Faria não lhe tenham 
			chegado a tempo de ser incluídos em seu engenhoso trabalho. Diz o 
			poeta num dos dois sonetos que dedicou àquela que foi rainha depois 
			de morta: 
			 
			(...) Não me venhas Inês em teu soluço 
			colher a vida que te foge e te consome 
			entre as flores da morte em tua ausência 
			 
			Não venhas mais Inês que já é tarde 
			na própria dor que te anula e te fere 
			a clamar da vida tua clemência. 
  
			
            Também aqui há uma busca das raízes na 
			medida em que a história de Inês de Castro constitui um dos mitos 
			fundadores da nacionalidade portuguesa, explorado por um número 
			incontável de poetas. Que a história do amor de um homem (no caso um 
			rei) por uma mulher tenha conquistado um fino poeta como Álvaro 
			Alves de Faria é uma prova da força desse mito que transcendeu 
			Portugal e penetrou também no mundo que o português criou.  
			 
  
			
				
					
						SETE ANOS DE PASTOR, de Álvaro 
						Alves de Faria. Coimbra, Palimage Editores, 76 págs., 
						2005. E-mail: distribuicao@palimage.pt 
						 
						TRAJETÓRIA POÉTICA, de Álvaro Alves de Faria. São 
						Paulo, Editora Escrituras, 654 págs., 2003. Email: 
						
						escrituras@escrituras.com.br | 
					 
				 
			 
			
             
			 
			Adelto Gonçalves -  Doutor em Literatura 
			Portuguesa pela Universidade de São Paulo e autor de Gonzaga, um 
			Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), 
			Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, 
			Publisher Brasil, 2002) e Bocage - o Perfil Perdido (Lisboa, 
			Caminho, 2003). E-mail: 
			adelto@unisanta.br 
  
                                                                   
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
             
			
			 
      
		  
			
			
			Leia a obra de Álvaro Alves de Faria 
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