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Edmilson Caminha


 


A grandeza poética de H. Dobal



 

O valor da poesia brasileira contemporânea se deve não só aos grandes poetas que todos aplaudem, mas, igualmente, aos outros que, tão bons quanto aqueles, a maioria desconhece. Quem já leu poemas de Francisco Carvalho e Loyola Rodrigues, do Ceará, João Carlos Teixeira Gomes, da Bahia, Cassiano Nunes, de Brasília? Os leitores da província, testemunhas do talento de quem se pode igualar aos eleitos pela fama. Junte-se, a esses que não aparecem, o piauiense H. Dobal. No discurso com que recentemente o saudou em nome da Academia Brasileira de Letras, o poeta Ivan Junqueira desculpou-se pela demora em descobrir um escritor com a estatura do colega de Teresina, comparável, segundo ele, a Carlos Drummond de Andrade e a João Cabral de Melo Neto.

O Tempo Conseqüente, livro com que estreou em 1966, já revela a grandeza e a força da poesia de H. Dobal. Tomem-se, para ilustração, os versos de “Fazenda”: São trinta cabeças / de gado cabrum. / Criação miúda / sem qualquer ciência. / (...) Mas vem da morte / sua serventia / o couro e a carne para o homem / mais pobre do que elas. Versos curtos, magros, incisivos, em que mal se percebe a adjetivação, tal a dureza com que é usada. E aí já se descobre, também, a vertente maior da poética dobaliana: o Piauí áspero e belo, a paisagem rude e sedutora, a seca e o rio, o homem e os bichos. É intensa e profunda a relação de H. Dobal com a terra piauiense, como um Anteu que arranca do chão as gotas da seiva que lhe dão a vida. Manuel Bandeira, oficial do mesmo ofício, estava certo: “Só mesmo um poeta ecumênico como Dobal podia fixar a sua província com expressão tão exata, a um tempo tão fresca e tão seca, despojada de quaisquer sentimentalidades, mas rica do sentimento profundo, visceral da terra.”

Na consciência da morte e no apelo do amor, o piauiense encontra matéria para a boa poesia — mas consciência sem angústia, apelo sem aflição. A morte aparece / sem fazer ruído, lemos nas primeiras páginas de As Formas Incompletas. Se, em “Os Amantes”, o poeta volta à mocidade para se fazer ouvir (Eis-me de novo adolescente. Triste / vivo outra vez amor e solidão.), é a voz madura que entoa a “Oração para Invocar as que não Vieram”: Venham a mim todas as que não me quiseram, / todas as que deixaram de conhecer, no sentido bíblico, / um homem competente não só na palavra amor / mas também nos carinhos mais fundos. Outros poemas se constroem na terceira pessoa (Os namorados na estrada / vão preparados para o domingo.) — como se, discreto e reservado, assumisse o poeta a isenta condição de observador, para melhor falar dos sentimentos alheios e não do que lhe vai no próprio coração. Daí o à vontade com que compõe “Os Graffiti Amorosos”: Sexoral. Orgasmo. Liberdade / para as minorias eróticas.

Nada, porém, que exceda a criação dobaliana de fundo épico, a exemplo do primoroso “Leonardo”: No campo raso vai galopando / Leonardo de Nossa Senhora / das Dores Castello Branco. “El Matador” denuncia a bárbarie de João do Rego Castello Branco, piauiense feroz: Matador de índios. / A fama de seu nome / a fúria de seu nome. / Sua memória em sangue / se repete. “Memorial do Jenipapo” lembra a famosa batalha que se travou nos domínios piauienses de Campo Maior: Este monumento / se levanta agora / na paisagem nobre: / que as éguas da noite / jamais perturbem / o sono anônimo / dos enterrados / nesta terra pobre.

Se há poetas que viram personalidades públicas, H. Dobal é um homem particular — como o compreende o cineasta Douglas Machado no filme que lhe dedicou. Segundo já disseram, sua obra deu dimensão universal à poesia piauiense. Pela força e pela grandeza com que nos emocionam, os versos de H. Dobal são daqueles que, sozinhos, valem por uma literatura.
 



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