Mais de 3.000 poetas e críticos de lusofonia!

 

 

 

 

 

André Seffrin





Visibilia, de Rodrigo Garcia Lopes


 

 

Com a publicação de Visibilia, Rodrigo Garcia Lopes depura muito de sua matéria e de suas perspectivas de estréia. Em Solarium (Iluminuras, 1994), o poeta pagava um pesado tributo a seus mestres. A presença fantasmal de Paulo Leminski, por exemplo, quase não aparece nesta via de silêncios, pausas e revérberos do novo livro (exceto no ritmo de um poema como “tudo do espaço/ É passado (...)”, p. 19, onde ainda se faz notar). E é natural que um poeta jovem do Paraná se mostre medusado pela presença do autor de Distraídos venceremos (infelizmente cultuado por uma tribo messiânica, delirante e medíocre). Dessa diluição, Rodrigo Garcia Lopes se salva em Visibilia.

Solarium deve ser lido nas limitações da estréia, um baú de tudo, necessário no caminho para o depuramento de agora. O poeta hoje é outro. Livre da contenção exagerada e da retórica (ver “Solarium”, terceira parte do livro homônimo), livre dos exercícios e dos entraves das influências ainda muito aparentes.

Tradutor de Sylvia Plath (a quatro mãos com o poeta Maurício Arruda Mendonça) e de Rimbaud, estes são, inicialmente, os poetas que podem ser encarados como paradigmáticos de sua formação. No seu ensaísmo também encontramos outras vozes determinantes de sua gênese no livro Vozes & visões: Panorama da arte e cultura norte-americanas hoje (Iluminuras, 1996). Afora o que publicou na imprensa nos últimos dez anos, sobre Sylvia Plath principalmente, e sua tese de mestrado sobre William Burroughs.

É de se assinalar a ascendência do ensaísta sobre o poeta, que ainda pesa em Rodrigo. De certa forma, o tom erudito que costuma orquestrar os movimentos, seja na idéia estrutural dos livros, seja na construção nuclear das subdivisões ou mesmo no fundamento de muitos dos poemas, marca a presença do ensaísta no poeta. Em Visibilia o poeta não conseguiu ainda desvencilhar-se totalmente dessa eminência parda, desmagnetizado às vezes no jogo de palavras e no primarismo de determinadas soluções (nesse sentido, ver os últimos versos do poema “Fugaz”, que dá título à segunda parte do livro). Desde a célebre epígrafe de Paul Klee (“A arte não inventa a natureza. Ela a torna visível”), Visibilia respira a rarefeita atmosfera da erudição. É como se o poeta só admitisse transitar nas altas esferas. Não se trata aqui de condenar uma natureza, mas de perceber onde nela se ausenta a naturalidade. Subjugado pelo ensaísta, o poeta como que se mostra na armadura dos esquemas, amordaçando um temperamento dado a explosões líricas. Em vários momentos, é seu cerebralismo que se recusa ao sentido cristalizador que propicia os melhores instantâneos, se recusa às “pérolas na orla do olhar” que o habitam.

Sua poesia é da instantaneidade e da fugacidade do tempo e das coisas, lapidar na forma, o que pode levar ? no caso de um jovem ? a um estrangulamento da matéria e da voz. Mas ainda assim, estamos diante de um lírico ardente movendo-se no sentido da sedimentação de um universo. Isto que, nas palavras do ensaísta-poeta, quer dizer: “O ‘eu lírico’ não subsiste num mundo de fluxos e superfícies vazias/ que o olho mal consegue acompanhar/ enquanto a verdadeira face da vida começa a dar as caras./ Evaporaram-se os dados precisos e algo mágicos que a poesia exibia”.

Apesar de um certo hermetismo e de algumas concessões ao banal e ao prosaico, Visibilia pode ser visto como um passo seguro de Rodrigo Garcia Lopes, que está entre os bons poetas dessa geração que hoje tem por volta de 35 anos. Já se destaca sobretudo pela sabedoria técnica e pela valorização do ritmo interior do poema. Importante: sem o medo do adjetivo ornamental e das fulgurações, medo este que parece reger a poesia moderna, dentro de sua pobreza estilística.

VISIBILIA
Rodrigo Garcia Lopes
Sette Letras, 65 p.


*
André Seffrin é crítico literário e ensaísta.
 



Rodrigo Garcia Lopes
Leia a obra de Rodrigo Garcia Lopes