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            Wilson Martins 
			
			não está mais em O GLOBO 
              
 
			Em continuidade à publicação da coluna de 
			Wilson Martins, o JP, traz-lhes esta, sobre a escrita de Domingos 
			Pellegrini  
 
      
       
			8.8.2005     
			Conto Romance Poesia   
					Trata-se de Domingos Pellegrini que, 
                  estreando em 1977 com O menino vermelho, situou-se desde logo 
                  entre os ficcionistas brasileiros mais importantes e originais 
                  pela temática, pelo vigor do estilo narrativo e pela 
                  originalidade, qualidades mais do que evidentes na antologia 
                  dos seus melhores contos, selecionados com algumas páginas 
                  definitivas de introdução por Miguel Sanches Neto (São Paulo; 
                  Global, 2005). No conto e no romance, Domingos Pellegrini é o 
                  ficcionista do uomo qualunque, mas tipo de natureza específica 
                  – o pioneiro do norte paranaense, herói obscuro e anônimo da 
                  epopéia coletiva em que se revelava a inteira medida do 
                  homem. 
			São livros regionais no que a região tem de 
                  universal, sem o caboclismo convencional que entre nós se 
                  confunde com a literatura regionalista. Em paradoxo apenas 
                  aparente, o pioneiro é homem de mentalidade urbana, tendo no 
                  caminho o seu instrumento de conquista, avançando para 
                  implantar o que é, na realidade, a agricultura industrial e 
                  internacional, o café, a madeira, a soja, criando cidades no 
                  mesmo movimento em que avança pelo território. Nas palavras de 
                  Miguel Sanches Neto, "o contista se vale de seres simples – 
                  caminhoneiros, peões, violeiros, operários etc. – para revelar 
                  uma região em que se dava a exploração humana". O que há de 
                  revolucionário em O homem vermelho, escreve ainda Miguel 
                  Sanches Neto em observação que se pode estender a toda a obra, 
                  "é a transformação do indivíduo comum em herói da vida 
                  cotidiana, que está além dos politizados, perdidos entre a 
                  realidade e as representações do mundo intelectual". 
			No que se refere ao estilo, "há um 
                  certo barbarismo em sua escrita, seja na construção de algumas 
                  frases seja no tratamento cru a que ele submete seus temas. 
                  Esta barbárie é positiva pois o coloca dentro do universo 
                  representado, diminuindo a distância entre a linguagem do 
                  autor e a dos personagens. […] Prova de que o autor consegue o 
                  que pretende em seus melhores contos é que o lemos sem 
                  perceber que há um texto diante de nós. A vida se sobrepõe à 
                  linguagem de tal forma que nos sentimos dentro da história e 
                  não na posição externa de observador" (Miguel Sanches 
                  Neto). 
			O mesmo, podendo ser dito a respeito dos seus 
                  romances anteriores (Terra vermelha, 1998; No coração das 
                  perobas, 2002, para citar apenas dois títulos), já não se 
                  aplica com a mesma justeza a Os meninos no poder (Rio: Record, 
                  2005). Estamos, mesmo, no extremo oposto: em lugar do realismo 
                  sem ilusões, Pellegrini escreveu uma fábula política, qualquer 
                  coisa como um tratado de angelologia – sobre as eleições 
                  brasileiras, no qual os protagonistas e seus seguidores 
                  propõem a política "como deveria ser" em contraposição às 
                  baixezas da política tal como é. Na doutrinação de um 
                  figurante: "Nossa campanha não é para um grupo chegar ao poder 
                  usando o povo, como sempre, mas para o povo chegar ao poder 
                  usando pessoas bem intencionadas como nós! Pois você achou que 
                  nós íamos governar sozinhos, companheiro? E quem melhor que as 
                  pessoas que conheço e admiro, por seus talentos, para nos 
                  ajudar na missão de governar a cidade onde fomos meninos? E 
                  quem melhor que um ex-menino de rua, representando todos os 
                  desvalidos desse sistema injusto, para nos liderar nesta 
                  marcha?". Como seria de esperar, os bons acabam vencendo, 
                  graças às astúcias bem intencionadas, nem por isso menos 
                  censuráveis, do condutor da campanha, aliás inocente, sendo um 
                  doente mental de comportamento esquizofrênico. 
			Todos os 
                  diálogos e discursos dos personagens puros são escritos em tom 
                  declamatório, como, por exemplo, na apresentação do horário 
                  gratuito: "Olá, gente, só temos três minutos, então vamos 
                  começar com três garantias. Garantia de que aqui você não vai 
                  ouvir mentira, xingação, ironia, calúnia, denúncia, nada 
                  disso. Garantia de que vai conhecer um programa de governo pra 
                  valer, não de grandes obras que seria ideal fazer, mas das 
                  obras e serviços que precisamos e podemos fazer! E garantia de 
                  que o que gastamos na nossa campanha será mostrado, até o 
                  último centavo, no último programa desta Campanha do 
                  Bem!". 
			Palavras que poderiam ser ditas, e certamente o 
                  foram, pelos adversários, de forma que a política, queiramos 
                  ou não, tem a sua linguagem própria. Necessariamente 
                  populista, a campanha partia de simplismos banais: "O que mais 
                  aprendi fora daqui é o que aqui mais falta, cidadania! […] 
                  Estamos vivendo na maior das ditaduras, até porque é mundial, 
                  uma ditadura financeira e fiscal, disfarçada ou invisível, 
                  porque te cobram cada vez mais para viver, e cada vez mais há 
                  mais gente pobre e até menos ricos, mas uns poucos ficam 
                  sempre mais ricos! Só os grandes crescem, grandes bancos, 
                  grandes grupos, grandes empresas, e os pequenos ou se fundem 
                  ou fecham! A gente paga preços cartelizados no cimento, na 
                  água, no telefone, na energia, no transporte, nos 
                  combustíveis, na tevê, no sabonete, na comida, na bebida, e o 
                  governo não se importa porque leva sua parte em impostos 
                  embutidos de que o povo nem desconfia!".  
			Aqui é o 
                  jornalista Domingos Pellegrini falando em nome de suas 
                  convicções doutrinárias e repetindo os lugares-comuns da 
                  sabedoria popular. O mesmo jornalista ou o mesmo doutrinário 
                  que escreveu o soneto "A Che Guevara", incluindo no volume 
                  Gaiola aberta (Rio: Bertrand Brasil, 2005). Livro de sonetos, 
                  mas com tantas licenças poéticas que o autor seria certamente 
                  reprovado no vestibular da Escola Parnasiana. Apesar disso, 
                  são poemas de sensibilidade e inteligência, nos quais 
                  reencontramos a mesma visão humanitária e evangélica: "Um céu 
                  amanhecendo eternamente / e rosas que sempre desabrochassem / 
                  num mundo onde não existisse quase / nem talvez – um mundo 
                  plenamente // Pessoas que a toda pessoa amassem / como a si 
                  mesmas – tão cristãmente / que disso nem se dessem conta: 
                  gente / tão cristã que de Cristo nem lembrasse […]." 
			 
			É, 
                  como se vê, a mesma ótica sublimadora que agora parece dominar 
                  a ideologia do autor: "Tolerância: a suprema religião / entre 
                  estertores das últimas crises / da ganância, do ódio e de 
                  ambição". Aceitamo-la como filosofia de vida por parte do 
                  poeta que também compôs um soneto de louvor ao soneto 
                  ("Inconformado") e elogiou "o bom mulato Machado de Assis" por 
                  jamais ter feito "um verso de pé quebrado", embora 
                  acrescentando: "o mundo não é tão regulado como a poética se 
                  quis". Mas, quando se escreve poesia, é preciso obedecer ao 
                  que a poética quer. 
			E como deseja o autor no seu 
                  ideário de política idealizante, confirmando, sem querer, o 
                  conhecido axioma de André Gide: é com os bons sentimentos que 
                  se faz a má literatura. Wilson 
            Martins |