Jornal de Poesia

 

 

 

 

 

 

Ruth Silveira Jobim


 

Amigas, sempre

 

São quatro, cada qual com sua individualidade preservada, mas movidas por um mesmo ideal: viajar, viajar muito e desfrutar o mundo, de maneira especial, sob o impacto de recordações excitantes.

Num certo contexto, não se pode afirmar que estejam erradas. Têm, para isso e por isso, chances a perder de vista. Quando se reúnem, banqueteiam-se com histórias difíceis e nem sempre acreditadas. À noite, são vistas pelos restaurantes e bares da cidade, muito bem cuidadas.

Teresa, Maria, Vanja e Marcela, estes os seus nomes. Quanto à idade, equivalem-se. Conheceram-se por trabalharem na mesma repartição. São, portanto, funcionárias públicas, emancipadas financeiramente. Daí disputarem suas histórias e suas vantagens.

Uma delas, a Vanja, acabara a faculdade fazia pouco tempo. As outras três já estavam doutoras, como diziam, cheias de vaidade, sem terem defendido nenhuma tese, nem sequer estudado, apenas se formado. Depois dos trinta, achavam, só se começa a universidade pelo status que traz. Nada mais. A cola rola solta e, com a experiência da idade, ninguém cola melhor.

Vanja foi casada e tinha quatro filhos. Só veio a saber da gravidez da filha de quatorze anos pelo insucesso do aborto. Depois disso, afirmava, com gestos e palavras pouco delicados, até mesmo de baixo nível, que ninguém, a filha de ninguém mesmo, casava virgem. Era tudo mentira. Essas menininhas com rostinho de donzelas angelicais, a mãe espalhando aos quatro ventos sua virgindade e bom comportamento, tudo não passa de balela, cobertura de família, apoio, farsa. O de que ela gostaria mesmo era de poder submetê-las a um exame pericial. Fazia questão de informar a todos a situação da filha e desafiava as colegas para um confronto de filhas virgens.

Esquecia-se, no entanto, de suas próprias aventuras, que contava com imenso prazer, curtidas em companhia de homens bonitos. Só de homens bonitos. Separara-se do marido por decisão própria e não se arrependera um único minuto. O marido era ranzinza e importunava-a muitíssimo. Um chato. Ainda estava muito nova, trinta e nove anos. Não. Não casaria nunca mais. Seus filhos compreendiam e aceitavam a situação, adorando todos os homens bonitos e já os chamavam de tios, desde a apresentação. Em verdade, sabiam que teriam vantagens com aqueles tios.

A avó acabou com o relacionamento mãe-filha, depois do aborto da neta, e culpou-a pela vida que levava, permitindo que a menina namorasse com idade tão pequena um garoto também de quatorze anos, dentro do carro dela própria, até tarde da noite. Mas Vanja não lhe deu ouvidos. Conversou com os pais do namorado da filha e casou-os, em cerimônia requintada, numa igreja suntuosa, com o comparecimento dos quatro avós. Mostrava a todos, assim, que a vida era bela em quaisquer circunstâncias, existindo apenas uma questão de ponto de vista. Como convidados, lá estavam os homens bonitos. Sem se conhecerem, é claro.

O casamento durou pouco. A sogra se revelou uma megera. Fez da garota empregada doméstica e ela não gostou nem permitiu. Carregou a filha de volta e entregou-a à própria sorte. Era bem melhor.

Teresa, diziam todos, era a mais esperta. Casada, muito bem casada, afirmava com orgulho ter um marido para ninguém botar defeito. Engenheiro, saía cedo para as obras, simpático, bem afeiçoado, dedicado à família e apaixonado pelo Júnior, de três aninhos. Ela se considerava de muita sorte. A casa, muito bem organizada, tinha uma babá excelente para o garoto e uma empregada que funcionava como guardiã da família. Não tinha por que se preocupar.

Acabara de chegar da Itália, aonde fora com um dentista e a esposa dele, também dentista, participar de um congresso odontológico. Ela era a amante. As esposas quase nunca vão e ela as substitui. Não há problemas nem cobranças. Divertiu-se muito com o casal, e a esposa, crédula, aconchegou-se a ela e lhe fazia confidências acerca do marido, nunca perguntando o que fazia naquele congresso, sabendo que ela não era dentista. Também nunca se apercebeu da ausência dos dois, coincidentemente no mesmo horário, tantas vezes. Uma boboca completa, contava, arrancando gargalhadas das ouvintes.

Comprara, para o maridão, uma gravata italiana, outra francesa e uma caixa de charutos cubanos, para justificar a excursão com as colegas de trabalho.

Maria, esta era extremamente bonita, da cabeça aos pés. Falava pouco e era muito posuda. Parecia pertencer ao grupo apenas por companheirismo, mas fazia exatamente o que as outras faziam. Já estava de viagem marcada e logo estaria em outras paragens, onde o convite alcançasse. Seus vôos sempre foram longos. Por menos de vinte e cinco dias não aceitava. E garantia sua segurança, antecipadamente, em hotéis de primeiríssima classe. Tudo com muita dignidade e perfeição. Conseguia sempre, pois a mulher, dizia, tem muita competência junto aos homens. Trazia todos a seus pés. E eles gostam, divertia-se. Nunca fora noiva nem casara, tendo escolhido conscientemente a vida que levava. Sem compromissos.

Marcela, de família de classe média, era a mais sofisticada e de maior nível intelectual. Descasada há muitos anos, fazia de sua vida sentimental um lazer, extremamente agradável e compensador. Tinha tentado novos casamentos, mas não deram certo. O homem-marido, filosofava, é uma figura que tende a desaparecer, com a evolução cada vez mais acentuada da mulher. A igualdade entre os dois não deve se prender apenas ao prazer. O companheirismo é fundamental.

Conta que se apaixonou, uma feita, por um colega de trabalho. O homem era feio, gordo, baixinho e de outro nível social. Ocorre que, num gesto simples e insignificante, lhe oferecia diariamente um copinho de iogurte! Ela, na época, andava cansada e carente. Já no quinto homem, Marcela ainda pretendia conhecer muitos.

Sempre juntas, quando podiam, as quatro amigas se entendiam bem. Mas nunca faziam a mesma excursão. Era cada qual num navio, num avião, com destinos opostos.
 

 

 

 

 

20.07.2005