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Jornal do Conto

 

 

Rodrigo Petronio


 


Parábola


 

O discípulo se aproxima do mestre, que o olha friamente. Pergunta-lhe qual a razão de estarmos vivos, sob a forma humana atual. O mestre não diz nada. E disso infere que sua questão foi mal formulada ou, por que não?, traz uma contradição nos termos. Volta-se e indaga qual a essência da vida, a lei rege todos os seres que povoam o universo. Sem desviar os olhos fixos nos seus, o mestre toma um punhado de areia e deixa-o volatizar entre os dedos. O discípulo compreende aquele sinal. Mantém-se um longo tempo em silêncio. Olha para si mesmo, o manto escarlate vedando as zonas erógenas, o peito nu. Arrisca mais um silogismo: pergunta-lhe o que há de mais falso no mundo, pois a questão oposta seria demasiado complexa e redundante. O mestre aponta-lhe um espelho onde, ao virar-se, sua própria imagem se reflete. O discípulo se levanta; sai. Depois de alguns dias seu corpo foi encontrado em um lago das imediações, intumescido de água, em princípio de decomposição. Na sua boca se alojavam algumas larvas e, em uma das mãos, fechada com a tenacidade de um alicate, algo que parecia ser um punhado de areia.