Mais de 3.000 poetas e críticos de lusofonia!

 

 

 

 

 

Rita Brennand

 

Fortuna Crítica: Miguel Marvilla

 

Estou há dias diante do computador, à espera de que as palavras saltem automaticamente do teclado para a tela e falem de Rita Brennand e de seus Objetos da Terra. Esperança vã. Até onde alcança meu conhecimento, não existe um só registro de texto que se tenha escrito por si mesmo. Todo texto é fruto do trabalho de seu autor, um trabalho que leva em consideração alma e cérebro — simultaneamente. Não há um só caso de auto-escritura na história da literat... ou... há?

Será que a minha dificuldade para falar da poesia de Rita Brennand não se deve ao fato de que uma parece tão naturalmente esculpida no papel com as feições da outra que não se poderia distinguir o que é Rita, o que é poesia, sem que se cometesse grave injustiça com uma ou com outra?

Porque o fato é que a poesia de Rita Brennand neste Objetos da Terra que tive a honra de editar se confunde com a própria autora, de forma tão indelével que inútil seria tentar separá-las, autora e obra. Rita é o que escreve e Rita escreve o que é, num círculo virtuoso que absorve e encanta os que nele penetram.

Diz-se da interpretação que ela é característica dos que pretendem reduzir todo um universo de conotações existente na obra de arte a uma única paráfrase denotativa. Dessa forma, interpretar poderia ser visto como uma espécie de fascismo, o qual se caracteriza, segundo Umberto Eco, não por impedir de dizer, mas por obrigar a dizer. Longe das intermináveis discussões teóricas que poderiam vir à tona em vista dos poemas de Objetos da Terra, melhor que se deixem, portanto, seus versos à deriva. Uma hora eles alcançam seu porto numa alma limpa e arejada — que elas existem, lá isso existem, Rita Brennand é prova disso — e multiplicam as emoções de que são feitos, para que são feitos.

Porque, sim: este é um livro para as pessoas que têm os sentidos abertos para o mundo, que pensam com o coração. Fala das coisas simples da terra, das coisas simples da alma... das coisas simples da alma?!? E desde quando é simples lidar serenamente com as próprias emoções; transformar a dor em razão para existir; superar os traumas; fazer a vida valer o esforço para mantê-la?

Rita Brennand moldou a sua dor pessoal em barro e, do barro, à maneira de Deus, fez a sua poesia, retomou a sua vida. Um amor atávico aos elementos da Terra faz deste livro uma homenagem à existência e dá aos seus leitores a sensação (repito: é preciso lê-lo com os olhos da alma, com todos os sentidos despertos, como um goleiro na hora do pênalti), a sensação de que, ao contrário do que dizia o lema da Escola de Sagres, “viver é preciso”, pois o universo é aqui.

O leitor, encantado, pede mais:
 


Miguel Marvila é poeta e contista, autor de Dédalo, Lição de labirinto, Os mortos estão no living e Tanto amar, entre outros livros. É membro da Academia Espírito-santense de Letras e editor da Florecultura Editores e da revista Você, da Universidade Federal do Espírito Santo. arcanjo59@hotmail.com
 


 


 

 

 

Fortuna Crítica: Renato Pacheco

 

Poesia telúrica

 

Éramos jovens, a segunda guerra mundial havia terminado, na Academia de Novos repetíamos debates velhos de século. Que era poesia? Classicismo ou modernismo? A poesia só seria válida se apresentada em versos medidos, ritmados e rimados?

Ou não?

Orlando Cariello, sonetista admirável, defendia (e o fez até o fim da vida) a forma tradicional. Antenor de Carvalho, como se vê em Fragmentos, se bandeou para nosso lado modernista, que tinha à frente Rômulo Salles de Sá. E, já naquele tempo, em conferência de 1944, na Universidade de Gales, T. S. Eliot ensinava que, para os contemporâneos, não há “nenhum padrão definido de gosto na poesia”.

Relembro esse momento antigo da história cultural vitoriense, ao me encontrar com a P-O-E-S-I-A telúrica de Rita Brennand.

Em Objetos da Terra, temos quatro blocos (“Terra Mutante”, “Sons da Terra”, “Enigmas dos Seres” e “Outra Máscara: Mulher”), porém, para mim, estou frente a um só e longo poema intérmino, que, emocionado, ouvi, talvez em primeira mão, através de voz tão sonora e vivaz quanto a poesia que a espantada e dolorida máscara da autora transmitia a seu ouvinte.

Por estas bandas, a meu ver, só andou outra poeta com a força e a profundidade de Rita Brennand: Haidée Nicolussi, a tradutora de Lao Tse.

Está sendo editada pela Flor&cultura uma poesia forte, sofrida, madura e, afirmo conscientemente, de qualidade duradoura. Essa “dicção poética” (naquele sentido a que se refere o Dr. Johnson ao falar de Dryden) nos transmite, de imediato, imagens em que “tudo se expande e vibra”, em dança frenética, que, tenho certeza, deixará no leitor forte impressão.
 



Renato Pacheco é historiador, escritor, membro da Academia Espírito-santense de Letras
 

 

 

Inocência, foto de Marcus Prado

Início desta página

Rodrigo Petronio [2003]