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Paulo Nunes Batista




A Poesia de Soares Feitosa
 


 

Comigo — com assinatura, mas sem dedicatória, só com a intimação “Paulo Nunes Batista: Isto é um Convite!, — a sua bíblia de beleza poética, o formidável e fantástico Psi, a Penúltima, (glória ao Senhor!), o qual prinspiei a ler tresantonte e findei indagurinha! Sideralizou-me, como gostva de dizer o genial repentista culto, meu amigo e coestaduano da Paraíba, Eurícledes Formiga. Um senhor livro de Poesia, sem favor.

Logo de cara o título lembrou-me não a Grécia e seu albabeto, Esopo e altos filósofos, mas a nossa MPB com Nora Ney interpretanto o gostoso Me dá a penúltima, de João Bosco e Aldir Blanc: “Eu gosto quando alvorece/ porque parece que está anoitecendo./ E gosto quando anoitece que só vendo/ porque penso que alvorece. (Mas, eu gosto, Som Livre, 1977)

Também só de penúltima eu sou. E sôo. A última é o enfaro, o fastio, o sonho sonhado. Sonho bom é o que se inventando vive. Não há fim de nada, tudo se projeta e continua. A morte na vida. A última é o desencanto — o fim do mistério, e, sem mistério, onde a Poesia? De permanente só o Infinito: só a transitoriedade permanece. É o eterno reticenciar da oenúltima...

Seu Psi (psiu! psiiit...) a penúltima encanta desde a capa: um alaranjado de acaso subindo para um ouro cada vez mais claro, com nuanças de tons negro-vermelho, noite-sangue, madrugada alborecendo, um sol do Nordeste autorizando... E na contra capa o Sonho-Menino ainda na moldura ova do n’ovo, o olhar sem tempo espaço adentro e aqueles versos rubros sobre o branco-e-preto e sobre os Poetas que a Vida ainda gesta!

Bom, Feitosa, meu São Francisco José Soares dos Siarahs, fui lendo e anotando os poemas, com as impressões às margens (uma 3ª margem improvisada no supetão da emoção...). Antes, sobre Gerardo, que lhe merece a Oferenda, com a notável A Aparição da Poesia, dele, sobre o seu Psi, pertinentíssima. Em Antífona grifei: “...mas o sol de medo de se perder na mata/ corria ligeiro, mais ligeiro ainda, / o medo de se rasgar nos galhos dos paus, / para enganá-los, / ficava maior na hora de se esconder,” — trecho que me reporta a passagem de Cassiano Ricardo em Martim Cererê: ele com a grandeza dele, você com a sua. (...) “quando mestre-Sol mandou/ o menino Chuvisco armar uma rede / para tirar tirar um cochilo, / de tão cansado, / longa a viagem de todos os dias.” Algo de Catulo da Paixão Cearense e de Ascenço Ferreira, ou, quem sabe, de Zé da Luz e Pompílio Diniz, me brota lendo esses versos.

Mas, Soares Feitosa, que espantosa poesia é a sua: “Sol-menino, / apoiara o queixo, / rasgara as mãozinhas/ na hora de nascer”. Meninos, eu li! “Na raiz do gesto, o som do gesto” E... “Otacílio, dos Batistas, / a batistada toda”, mexeu fundo comigo: eu sou um deles. Obrigado, Poeta! E falando de trovas-trovadores — buliu comigo outra vez! — “pois como conseguem/ encaixotar o início, / passear pelo meio, / botar presilha no fim”... e você fala de Leota, do seu Ceará, mas omite o velho Chagas Batista, meu pai, de quem está sendo lançada a 2ª edição dos Cantadores e Poetas Populares, a primeira antologia no gênero publicada na Parayba, em 1929... É essa coisa do arquipélago que todos somos.

Em Thiago escrevi, logo abaixo do título: Mui... to bom! “... e subitamente um brilho fugaz:/ eram uns orvalhados/ na minha face seca/ qu’eu rapidamente enxuguei, / de vergonha e belo...”.

Em o Trem e o Cordeiro: “Não consigo confiar/ — o olho —/ maldigo a régua/ que poderia / ter chamado / bem pra pertinho / a paisagem, o cordeirinho, / para pousá-los / nos paus desta janela”.

Em Lágrima Súbita: Belo!!!

Panos Passados: Bom, de doer. Pungente! Dolorido! Magoado!

Cumplicidade: Excelentíssimo Senhor Poema!

No Céu tem Prozac: Bom de matar.

Rio Macacos: “Galo-Rei!/ Ó supremo rei da criação!/ sob a tenaz do teu bico, as fêmeas de tua raça, / mesmo que ensaiem uma corrida ligeira, a fêmeas/ te entregam o segredo das gemas, / numa manhã de ouro elas entregam”. Uma imagística imensa!

Balançando Devagarinho: “... educada no leve e no rangir, / nunca na pedra...”, só um Poeta de fato e de direito como é você sabe e pode e deve ler João Cabral sem se educar pela pedra..., mas quem sabe, até em educando pela pedra... “aqui, / que é perto, / também/ se/ não chove/ até/ o / 19/ de / março/ Amém”. Quem diria melhor? Dorme, menino! E a glória do pião que é só até “quando se espatifa o giro”.

O que digo entre as Flores?: “... botar a melhor veste nos caminhos?”.

Psi, a Penúltima: Belíssimo! O psi, em sendo miúscula, é candelabro/ fogo, luz, glória!/ Em sendo minúscula, é mandacaru, / sofrimento, resistência”. Canto I: “água aqui é sempre música”, canto épico, picado de epopéia, dramático-telúrico, poético-ecológico, Canto-alto, Canto-chão! Cantar lírico-romântico do Nordestino, tão entre coronéis-raposas / e os cabras de Lampião... / um canto de infindas léguas / que se perde na amplidão!...

O PSI de psis sugere o sertão de mãos ao alto — o candelabro do Sol, da seca o mandacaru, — rendido pela Tragédia: esse Homem Nordestino com o Nó no destino... Só que o r antes de destino é do verbo rasgar: rompe o nó... um profeta, o Conselheiro a pregrar às solidões, Padim Cirço abençoando a alma ingênua dos fanáticos? O Beato Lourenço, o Beato Severino — Caldeirão, Pau de Colher... na direita o crucifixo, e na sinistra o pau-de-fogo... Talvez Gregório Bezerra avisando a tio Sa(ta)n: Êpa, tem dono, o Brasil?... um Brasil de mãos ossudas soprando a brasa da fome...

Psi, a pena última, é canto do povo, para compensar, no todo, qualquer conto-coroné. é Canto-Macunaíma, é Ponto-Candomblé, Embolada de Coqueiro, Coco pisado no pé. É samba, é frevo, ciranda, festa de Terreiro de Umbanda, Romaria em Canindé.

Raul Bopp com Cobra Norato, Mário de Andrade com Macunaima, Jorge de Lima com Invenção de Orfeu, Graciliano Ramos com Vidas Secas, Guimarães Rosa com Grande Sertão: Veredas, Jorge Amado com Terras do Sem Fim, Euclides da Cunha com Os Sertões, João Cabral de Melo Neto com Morte e Vida Severina, Ariano Suassuna com O Romance da Pedra do Reino, Paulo Dantas com Sertão do Boi Santo — entre outros marcantes poetas e prosadores do Brasil, têm agora ao seu lado feitorando essas áreas (árias) das letras belas, esse Bardo, esse Vate, esse Rapsodo, esse Fazedor de Poesia, Soares Feitosa com o seu magnífico Psi, a Penúltima, agitando os arraiais líricos e épicos deste País-Poeta.

Poesia que arrepia a gente, farta de achado, carregada de imagética, explorando todos os ritmos, a lembrar no particular e no universal um Canto General, de Pablo Neruda ou até mesmo um Walt Whitman, de Folhas de Relva, esse Psi, a Penúltima de Soares Feitosa é algo de insólito e novo, abrindo outros caminhos à arte poética neste final de século e milênio.

 



Soares Feitosa, 2003
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