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			Norma Couri 
 
			
			
 
 Norma entrevista Wilson 
			Martins
 
 
			
 
 
				
					
						| Diz o poeta e 
						crítico Haroldo de Campos. "Wilson afirmou também que 
						Guimarães Rosa, mal orientado pelos críticos, se estava 
						perdendo em invenções filológicas, fez cruzada contra 
						Paulo Leminski." E completa: "O Brasil é o único país do 
						mundo que tem uma história da inteligência escrita por 
						uma pessoa que não prima pela inteligência." |  
			
 
 
			Ele viveu 50 de seus 76 anos no 
			harém da literatura brasileira exercendo seu ofício sagrado, o de 
			separar livros bons dos ruins, criando amigos e muitos desafetos e 
			provocando muita polêmica. 
 
 
			Críticos são como eunucos num harém: 
			eles sabem como a coisa é feita, mas eles mesmos são incapazes de 
			fazer. Vinganças como esta do dramaturgo inglês Brendan Behan 
			poderiam ser colecionadas por Wilson Martins, o último moicano da 
			crítica brasileira no entender do ensaísta José Paulo Paes. Os 
			últimos 50 dos seus 76 anos, Wilson passou no harém literário 
			brasileiro exercendo o ofício sagrado e execrado de criticar. Meteu 
			o dedo na máquina de escrever elétrica - ele detesta computador - e 
			criticou de Graciliano Ramos - por ter seus textos segundo ele 
			adulterados pelo Partidão - a Chico Buarque, pelo que chamou de 
			recozimento de A Revolução dos Bichos, de George Orwell, e Zero, de 
			Ignácio de Loyola Brandão, para fabricar Fazenda Modelo e Estorvo.  
			Wilson Martins atacou o poeta Paulo 
			Leminski, cidadão de Curitiba como ele, mexeu com a esquerda e a 
			direita, futucou feministas e homosexuais, balançou monstros 
			sagrados, tocou nos intocáveis, passou meio século dizendo o que 
			pensava. "Soma-se 52 críticas por ano, uma por semana, há 50 anos e 
			o resultado são 2,6 mil inimigos, quase o total de escritores do 
			País", diz o poeta Affonso Romano de Sant'Anna, ex-diretor da 
			Biblioteca Nacional do Rio, que vê muitos acertos e poucos erros no 
			crítico "que nunca compactuou com grupos, ideologias, autores".  
			Até o fim do ano o Brasil poderá 
			conferir se esse crítico fez bem ou mal às letras do País. Até lá 
			sai o 14º e último volume dos seus Pontos de Vista, uma coletânea 
			das críticas publicadas em quase todos os grandes jornais do País 
			desde 1954. "Tive o bom senso de sacrificar as anteriores", diz. Os 
			sete volumes da sua História da Inteligência no Brasil, escrita há 
			20 anos sobre tudo o que foi publicado no Brasil desde 1500, foram 
			relançados pela Secretaria de Cultura do Paraná numa caixa especial 
			ao preço de R$ 130,00. E a terceira edição de A Palavra Escrita, uma 
			história do livro, da imprensa e da biblioteca, também surgirá 
			atualizada. Neurótico por ordem, pontualidade e rotina, Wilson 
			Martins vai deixar a editora T.A. Queiroz aguardando mais um volume 
			dos Pontos de Vista até o ano 2000 - mas ele não sabe se continua. 
			"Vão dizer, `esse chato ainda continua escrevendo?' A partir de 98 
			não sei onde eu estarei, nem onde estarão meus livros".  
			Também a editora da Universidade do 
			Paraná acaba de lançar o número 8 da série Paranaenses, dedicada a 
			Wilson Martins. Três anos em Paris como bolsista, 30 nos Estados 
			Unidos onde lecionou na New York University, Wilson Martins curte a 
			aposentadoria americana e a brasileira escrevendo mais crítica.  
			O desafeto de Martins, o escritor 
			Silviano Santiago retratou o crítico em Stella Manhattan (Rocco) 
			como um professor dedo-duro que lecionava numa universidade 
			americana.  
			"Não é um crítico, é um homem 
			equivocado, um erudito que carrega uma carga enorme de livros nas 
			costas, mas, quando tem de avaliar, define Érico Veríssimo como 
			escritor de vanguarda, e não Oswald de Andrade", diz o poeta e 
			crítico Haroldo de Campos. "Wilson afirmou também que Guimarães 
			Rosa, mal orientado pelos críticos, se estava perdendo em invenções 
			filológicas, fez cruzada contra Paulo Leminski." E completa: "O 
			Brasil é o único país do mundo que tem uma história da inteligência 
			escrita por uma pessoa que não prima pela inteligência."  
			"A História da Inteligência no Brasil 
			é o livro mais burro que já li, escrito por um reacionário", disse 
			na época o antropólogo Darcy Ribeiro.  
			Nem só de bordoadas viveu o crítico 
			neste meio século. No artigo que intitulou Um Intelectual Brasileiro 
			Sério, Paulo Francis contestou o crítico: "É fato que Guimarães Rosa 
			é superestimado, mas é um gênio". Francis afirmou: "Nossa história 
			da inteligência feita a sério caberia em 50 laudas de jornal". Mas 
			disse ser admirador de Martins, com críticas "muito diferentes da 
			bobajada metalingüística dos acadêmicos ou do `você esfrega minhas 
			costas que eu esfrego as tuas'". "Ninguém mais no Brasil faz crítica 
			como ele", diz o fundandor da Casa Ruy Barbosa e dos melhores saraus 
			literários cariocas, Plínio Doyle.  
			"O acentuado comercialismo da 
			imprensa, que a torna quase indistinguível do marketing, não oferece 
			sobrevivência ao crítico literário - Wilson Martins é o último", diz 
			sempre que pode o ensaísta, poeta e tradutor José Paulo Paes.  
			Firme na opinião de que não têm 
			surgido grandes livros no Brasil depois do modernismo, último 
			momento de criação literária, e batendo forte em autores como João 
			Ubaldo, que segundo ele perdeu muito ao se deixar "medusar" por 
			Jorge Amado, por sua vez também "medusado" pela esquerda, Wilson 
			segue imbatível na demolição de resenhistas bajuladores ou 
			acadêmicos estéreis que não criam leitor.  
			Último crítico da escola francesa do 
			Brasil a exercer o que se convencionou chamar crítica de rodapé, 
			porque corria embaixo das páginas literárias sem deixar faltar 
			ingrediente ao leitor, Wilson Martins autodefine-se como"o último 
			dinossauro solto pelas ruas". 
 Estado - O senhor foi o crítico que mais tempo 
			resistiu ao combate, mais que Tristão de Athayde, Sérgio Buarque, 
			Álvaro Lins, Sérgio Milliet.
 
 Wilson Martins - Tenho mais tempo do que qualquer um. Aliás, 
			substituí o Sérgio Milliet porque ele andava enfadado de fazer 
			crítica. Sou o mais antigo, que é uma maneira delicada de dizer "o 
			mais velho".
 
 Estado - O senhor sentiu-se respeitado por 
			outros críticos?
 
 Wilson Martins - Depende. O José Ramos Tinhorão de vez em quando me 
			dava uma alfinetada, levei várias no penúltimo livro dele sobre a 
			música no romance brasileiro. Duas páginas em seguida ele concordava 
			comigo, ficou empatado. De outros críticos, como Sérgio Milliet e 
			Antonio Cândido, fui amigo pessoal. Foi Álvaro Lins quem recomendou 
			meu primeiro livro de crítica para a editora José Olympio. Sérgio 
			Buarque eu só conhecia de vista.
 
 Estado - O senhor não se dava com a esquerda 
			brasileira?
 
 Wilson Martins - Por temperamento, sempre me considerei eqüidistante 
			tanto da esquerda como da direita. Mas àquela altura não ser de 
			esquerda significava ser de direita, ninguém falava mais nele. Não 
			era integralista, escapei por milagre de ser comunista, mas nenhum 
			membro do Partido Comunista falava comigo. Como morava em Curitiba, 
			consegui não me agregar a um grupo. Mas uma pessoa independente 
			acaba malvista pelos dois lados.
 
 Estado - O senhor acha que só manteve essa 
			Independência por ser do Paraná?
 
 Wilson Martins - Eu a teria mantido em qualquer lugar, não sou de me 
			apaixonar nem por partidos nem por ídolos de futebol. Um amigo dizia 
			que eu era frio, seco.
 
 Estado - O senhor concorda?
 
 Wilson Martins - Ao contrário. Sou emotivo e sorridente, mas essa 
			condição de lobo da estepe me convém.
 
 Estado - É a única maneira de ser um crítico 
			independente?
 
 Wilson Martins - É. A crítica é uma arte difícil, são poucos os que 
			ficam na história literária. Fora disso, o crítico estará sempre 
			agregado ou a uma corrente de pensamento ou a um grupo, o que vicia 
			o julgamento. Não há nada mais fácil do que a crítica para aqueles 
			que se acreditam críticos.
 
 Estado - A escritora francesa Marguerite Duras 
			nunca reconheceu na crítica um livro que havia lido, e só se guiava 
			pela opinião de amigos em quem confiava.
 
 Wilson Martins - Não é um crítico que forma opinião. É um conjunto 
			de pontos de vista. Um crítico é usado por certa camada da população 
			que tem os mesmos gostos, identidade e ideologia. Os que pertencem a 
			um campo diferente não se reconhecem nele. Pessoas que se dizem 
			guiar pela crítica oral estão cometendo um erro de perspectiva: 
			porque os amigos leram as críticas. A crítica oral é poderosa e o 
			que se acaba formando é a média de opinião.
 
 Estado - Qual o crítico, entre os mais novos, 
			que o senhor respeita?
 
 Wilson Martins - Lastimo, e é feio o que vou dizer. Mas ela não 
			existe. A crítica propriamente dita desapareceu, aqueles longos 
			estudos de rodapé estão sepultados, suplementos culturais de hoje 
			publicam resenhas, elegem milhares de gênios, um ou outro artigo 
			mais sério a respeito de um autor, mas dentro da perspectiva do novo 
			jornalismo, fundado nas imagens, nas fotos, nos desenhos e nos 
			títulos. Quanto menos texto, melhor.
 
 Estado - Uma espécie de jornalismo videoclipe?
 
 Wilson Martins - Exatamente. Tanto que substituíram o título 
			Suplemento Literário por Suplemento de Cultura. Querem tratar de 
			tudo, da música popular, do teatro, das viagens.
 
 Estado - Quem o senhor considera um bom 
			jornalista de opinão?
 
 Wilson Martins - Paulo Francis era. Certo, errado, mas com coragem, 
			o que é uma grande qualidade, e um apaixonado por seus pontos de 
			vista. Um pouco impulsivo, afirmava coisas que não tinha visto 
			direito, mas assim mesmo incluo o Paulo Francis na galeria dos 
			grandes jornalistas deste século. Fiz muitas críticas desfavoráveis 
			sobre os romances dele e ele dizia que o único crítico que ele 
			respeitava no Brasil era eu.
 
 Estado - O que o senhor considera um bom 
			crítico?
 
 Wilson Martins - T.S. Elliot dizia que para ser crítico só há um 
			método, ser muito inteligente. E quando diziam que os críticos 
			erravam muito ele respondia: "Os escritores também." Crítico não se 
			faz por formação, ser crítico é uma vocação. Espontânea, instintiva. 
			Aposto no Miguel Sanches Neto. A formação hoje também se faz assim 
			mas há uma grande diferença de qualidade. O ensino em geral decaiu 
			muito e os professores universitários se encaminharam para as 
			teorias literárias, não para a literatura. Em vez de explicar os 
			livros, explicam teorias. Esses professores universitários escrevem 
			longos ensaios achando que escrevem uma crítica.
 
 Estado - O que diferencia um ensaio de uma 
			crítica?
 
 Wilson Martins - Você faz o ensaio depois que a crítica foi feita, 
			crítico é aquele homem que lê o que acaba de sair e estica o pescoço 
			para a guilhotina num primeiro julgamento. Reafirma verdades 
			impopulares. Penso numa velha frase do Victor Hugo: "O crítico deve 
			mostrar se o livro é bom ou ruim." Só o tempo vai mostrar se ele tem 
			ou não razão. Jorge Luis Borges declarou que daqui a 50 anos, ao se 
			falar nos escritores do século 20, serão mencionados nomes que 
			ninguém ouviu falar. Enquanto a posteridade não vem, o crítico é 
			visto com reserva.
 
 Estado - Haroldo de Campos diz que o senhor, 
			em geral, é um homem equivocado.
 
 Wilson Martins - Ele diz que fiz cruzada contra o Paulo Leminski, e 
			eu só escrevi de passagem sobre ele. Considero Leminski um poeta 
			lido erradamente e supervalorizado. Mas a discordância com os irmãos 
			Campos vem de longe.
 
 Estado - Está na raiz da discordância sobre a 
			poesia concreta?
 
 Wilson Martins - Nunca fui entusiasta do concretismo, que 
			transformou tanto a mansão da crítica brasileira a ponto de torná-la 
			inabitável - não existe inventário puramente científico, como o do 
			João Cabral de Mello Neto, sem lirismo e retórica não há poesia. Mas 
			a partir dos meus comentário os irmãos Campos tornaram-se 
			adversários de opinião, dizendo que escrevi uma história da 
			inteligência sem ser muito inteligente. Minha modéstia me obriga a 
			concordar. Darcy Ribeiro não dizia que A História da Inteligência é 
			o livro mais burro que já se escreveu no Brasil? São insultos. 
			Raciocinar por meio de insultos faz efeito mas não significa nada.
 
 Estado - Darcy tinha uma presença, os irmãos 
			Campos são meio gurus, isso não lhe incomoda?
 
 Wilson Martins - A partir de certo momento o crítico passa a encarar 
			tudo como jogo normal da vida literária. Os irmãos Campos dizem que 
			eu ataquei Guimarães Rosa, mas o próprio Rosa declarou nos 
			escritórios da José Olympio que eu e Antonio Cândido eramos os 
			únicos críticos que aceitaria nos prefácios de seus livros.
 
 Estado - O senhor continua achando que foi 
			Érico Veríssimo e não o Oswald de Andrade o grande escritor de 
			vanguarda do Brasil?
 
 Wilson Martins - O Érico é o grande injustiçado desse período todo. 
			Já naquela altura ele era considerado um burguês, um homem que não 
			era de esquerda - ele, aliás, passou o resto da vida tentando 
			mostrar que era de esquerda, o mais esquerdista de todos, ninguém 
			aceitava. É um escritor esquecido. Agora, essas reações e fantasias 
			são de pessoas com raiva da história, que querem varrer o Érico da 
			história da literatura brasileira.
 
 Estado - Há figuras como Jorge Amado, dos 
			escritores que mais vendem fora do País, e suas críticas não têm 
			sido favoráveis.
 
 Wilson Martins - As pessoas emburram como se eu escrevesse ofensas 
			pessoais e dizem que me contradigo quando gosto de um livro de um 
			autor, e do seguinte, não. Não escrevo sobre autores, escrevo sobre 
			livros. Na crítica séria não há autor, há somente o texto. Jorge 
			Amado escreve há 60 anos, ao longo da vida publicou livros bons e 
			livros menos bons. Elogiei os bons, mas não recuei quando o livro 
			era ruim. Além disso, esteve durante uma grande parte da sua 
			carreira "medusado" pelo realismo socialista que estragou boa parte 
			do trabalho.
 
 Estado - O senhor disse o mesmo do João 
			Ubaldo, "medusado por Amado". É um ataque ao populismo literário?
 
 Wilson Martins - Não, é um artigo isento que estuda o caráter das 
			obras dele. Sempre me considerei um admirador da obra do João Ubaldo 
			e o Jorge Amado, apesar de tudo, sempre conservou comigo uma espécie 
			de camaradagem literária. Não é meu amigo, mas não passou para o 
			insulto, salvo indiretamente, pequenas coisas que a gente ouve aqui 
			e ali. Se ele escrever outro livro, vou julgar como se estivesse 
			começando a carreira.
 
 Estado - Aliás, do Antônio Callado o senhor 
			sempre preferiu os livros do começo de carreira.
 
 Wilson Martins - Quem descobriu o Antônio Callado fui eu. Fiz o 
			primeiro artigo elogioso sobre o livro de estréia dele, Assunção de 
			Salviano. Mas escrevi sobre todos, e considerei Quarup dos grandes 
			romances do nosso tempo, mas não posso negar que Reflexos do Baile é 
			uma obra inferior.
 
 Estado - Como o senhor se defende dos autores 
			brasileiros depois de afirmar que o maior escritor vivo de língua 
			portuguesa é José Saramago?
 
 Wilson Martins - Não me defendo. Para mim, ele é e continua sendo. 
			Quando declarei isso, sabia que estava mexendo num vespeiro.
 
 Estado - Esse vespeiro está bem vivo. O senhor 
			não devolve as ferroadas?
 
 Wilson Martins - Nunca devolvi. Quando acontece ser uma inverdade, 
			esclareço, mas não posso esperar que todo mundo goste de mim. Todo 
			mundo gosta dos críticos bonzinhos porque são anódinos.
 
 Estado - Jô Soares reclamou quando o senhor 
			disse que, ao pretender fazer um romance policial, ele caiu no 
			histórico em O Xangô de Baker Street.
 
 Wilson Martins - Ele não, mas criei um caso com essa história e 
			outra com o romancinho daquele menino, filho do Sérgio Buarque.
 
 Estado - Chico Buarque.
 
 Wilson Martins - É um cantor popularíssimo, mas faz literatura de 
			amador.
 
 Estado - O Chico reagiu?
 
 Wilson Martins - Ele não, mas o Caetano Veloso foi ao Fantástico na 
			Globo dizer que meu artigo era uma porcaria. Não reconheço no 
			Caetano autoridade nenhuma para julgar literatura, nem mesmo os meus 
			artigos.
 
 Estado - O senhor vê a literatura do Paulo 
			Coelho como amador?
 
 Wilson Martins - Paulo Coelho não é fenômeno literário. Do ponto de 
			vista literário ele não é nada. Como fenômeno, ele é sociológico. 
			Responde a um estado de espírito generalizado e faz sucesso no mundo 
			inteiro. Pega parábolas bíblicas e reescreve seculares lendas 
			árabes, cola aquilo tudo e faz o livro. Uma espécie de vidente. A 
			injustiça é julgar isso como literatura.
 
 Estado - Paulo Coelho diz que os críticos só 
			gostam do que não vende.
 
 Wilson Martins - Falsa impressão. Os críticos de certa categoria 
			julgam os livros por meio de um escalão. Entendo que alguns desses 
			livros se tornem complexos para quem só assiste à novela. A 
			diferença é o nível intelectual. Quantos mais rádios e geladeiras 
			temos, menos número de palavras empregamos. Caminhamos assim de 
			volta para a floresta natal, carregados de apetrechos que nos 
			facilitam pular de um galho a outro.
 
 Estado - Mas o senhor também criticou o Nélson 
			Rodrigues, que era popular.
 
 Wilson Martins - Popularíssimo, ficou mais ainda depois da biografia 
			do Ruy Castro que, na verdade, reinventou o Nélson, conferiu a ele 
			uma estatura que ele não tinha e que sua obra, marcada pela 
			psicanálise amadora, não justifica. É preciso esclarecer um dos 
			grandes mal-entendidos deste século. O sucesso de Vestido de Noiva 
			deve-se à montagem do Ziembinski. As peças do Nélson são 
			provocativas, famílias com 15 adultérios, um caso a estudar 
			acrescido da reconstrução que o livro do Ruy Castro executou.
 
 Estado - O senhor é contra biografias?
 
 Wilson Martins - Biografias são um fenômeno, mas por enquanto estão 
			muito enevoadas, engolidas com muita facilidade pelos leitores 
			brasileiros. Passamos a encarar o Nélson pelo olhar do Ruy Castro. É 
			como o Sábato Magaldi, que está fazendo uma obra importante sobre o 
			Nélson mas naquela base, tirando o que não presta. Aí, o que sobra é 
			muito bom. O tipo do julgamento que eu não consigo compreender.
 
 Estado - Quais os bons livros do momento?
 
 Wilson Martins - O Brasil está sempre à espera de gênios e se 
			esquece de que é a literatura média de boa qualidade que cria a 
			atmosfera intelectual, o caldo de cultura de onde surgirá o grande 
			crítico, o grande escritor. O Brasil louva em excesso, superestima 
			autores.
 
 Estado - O senhor falou muito de escritores 
			homens. A produção feminina não anda grande coisa?
 
 Wilson Martins - Tem Rachel de Queiroz, Lygia Fagundes Telles, 
			Clarice Lispector e a Maria Cristina Albuquerque. Em geral, não há 
			uma grande produção feminina ou feminista, o que tem aparecido no 
			Brasil é muito reivindicativo do tipo "faz anos que somos 
			reprimidas". O que não deixa de ser verdade, mas o problema não é 
			reclamar, é aparecer uma boa obra literária. Se isso acontecer, 
			tanto faz que o autor seja homem, mulher, homossexual.
 
 Estado - Autor ou o personagem?
 
 Wilson Martins - Estão aparecendo livros e livros sobre personagens 
			homossexuais, que assumiram coletivamente na vida e na obra uma 
			atitude polêmica. Como se quisessem tornar o homossexualismo 
			obrigatório. A verdade é que também nesse caso não apareceu a grande 
			obra. O amor homossexual parece um mimetismo dos amores da 
			literatura clássica.
 
 
 Entrevista a O Estado de São Paulo
 
 
 
			
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