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Maria do Socorro Cardoso Xavier*

 

"UM Certo Coronel Chico Maria"

 

O autor Harrison Oliveira é campinense, bacharel em Direito, advogado, professor universitário e jornalista. Apelidado de "Tota" pela família; boêmio e irreverente na adolescência, seu pai, o Coronel Chico Maria, assim se referia ao filho: “é meio esquisito e tem umas conversas de comunista".

Criança de 7 anos, Harrison assistiu aos episódios da Revolução de 30 na Paraíba, da janela do sobrado,onde morava com o seu genitor, à rua Grande, hoje Maciel Pinheiro, com o qual aprendeu fortes lições de moral e civismo, pelo excelente caráter, dissecado nesta obra literária em epígrafe. Um Certo Coronel Chico Maria é um livro que medeia entre a memória de família e de época, genealogia (perfilam fatos e nomes dos descendentes do coronel, documentos com gravuras), um estudo biográfico-épico, no qual o autor com muita emoção e realismo retrata a aventura heróica de seu genitor, ao migrar da terra de origem.Foge daquela semi-servidão da gleba e chega a Campina Grande, com a "cara e coragem". Fixa-se, e após árdua labuta, enriquece. Inicia catando sobras de algodão dos caminhões descarregados, à rua Marquês do Herval, centro dos armazéns de algodão.

Estavam no auge o algodão, o agave e o gado crioulo e seus derivados (o couro). Era o "ouro" da cidade, escoado pela Great Wester. Esta riqueza econômica movimentava a cidade e deu ascensão social e financeira a diversos grupos de pessoas, "sem eira nem beira", no dizer popular. Aliás, as grandes fortunas de Campina Grande, com pequenas exceções, foram provenientes do setor comercial.

O Coronel Chico Maria, muito esperto, sem ser espertalhão, consegue, a duras penas, ser um homem rico, passa a ser símbolo de credibilidade e poder na cidade. Esta condição, conquistada por ele, lhe valeu o título de Coronel, acrescentada à sua coragem, honestidade e palavra cumprida nos diversos negócios que empreendeu, desde vender quinquilharias até ser o maior acionista do Banco do Comércio local.

Campina Grande era à época, considerada terra da promissão, na qual os forasteiros se davam bem. Ressalta Harrison Oliveira: " havia bons negócios e mulheres". Narra com muito realismo, as peripécias do seu pai, em busca desta terra. Comparada a Bagdá, pela convergência de mercado e a Sodoma, no aspecto dos "Eldorados da vida".

De rústico camponês, foragido, semi-analfabeto, elevou-se à categoria de burguês local, pela sua inteligência pragmática e altruísmo, de forma lícita. Não obstante, nunca assumiu aquela "pose" arrogante de nouveau-riche. Ao contrário de espertalhões que aplicaram muitos golpes para enriquecer "da noite para o dia" de forma ilícita. O autor denuncia, por exemplo, o "golpe da pecuária", o caso do "Moço Amorim" (pg.17).

O personagem central da obra é seu pai - a figura do Cel. Chico Maria- mas longe está de ficar apenas fazendo apologias e tributo filial. Retrata toda a cidade, detalhando seus episódios significativos e corriqueiros, suas nuances de vila a cidade (de uma aristocracia rural) que pouco a pouco dava lugar a uma burguesia comercial, urbana, local. – os altos e baixos, os prós e os contras das relações de poder das famílias tradicionais predominantes, suas vicissitudes, numa conjuntura de transição.

O autor traça um quadro do universo urbano-social-municipal das décadas de 30-50, de forma magistral, desnudando suas facetas, de forma surpreendente, sob narrativa descontraída, direta e às vezes até picaresca.  O dia a dia, até as implicações políticas mais gerais, polemizando os fatos. Portanto, a obra é rica em informações significativas à preservação da memória histórica de Campina Grande.

Harrison, ao registrar os acontecimentos da época, passa pelo detalhe positivista e com faro de historiador em potencial, extrapola a análise interpretativa dos fatos, denotando considerável conhecimento do contexto histórico. Tece críticas mordazes à política oligárquica-clientelística da época, de forma imparcial. Mostra a pugna dos staffs predominantes: Perrepistas e Liberais; Argemiristas e Americistas; U.D.N. e P.S.D.

Seu livro é também um depoimento pessoal pois foi testemunha ocular dos fatos e comenta acerca da Revolução de 30: " Na realidade nunca tivemos uma revolução, mas quarteladas promovidas por empresários e militares"(pg 83). Indaga: "Não foi por acaso o movimento de 1930 tão badalado de revolução, um mero "pega-pra-capar", entre várias oligarquias políticas? Na Paraíba, por exemplo, que participação efetiva teve o povo (operários,camponeses, estudantes) no levante de 30? Nenhuma é evidente.

O autor chama a atenção para o fato de que a maioria dos jornais da época funcionava como porta-vozes do poder. Perscruta os liames internos com a veia de um verdadeiro historiador político, denunciando: A União (órgão oficial do Estado), O Jornal de Campina, O Rebate, A Imprensa, O Estado da Paraíba, entre outros, faziam parte dessa imensa e pútrida suburra gráfica, que constituía a imprensa escrita paraibana. Nas colunas daqueles pasquins, politiqueiros, coronéis, escribas de todas as tendências, lançavam os detritos de suas consciências valetudinárias, no afã de esmagar os seus adversários.A União ,por exemplo, deu toda cobertura aos inimigos de João Dantas, publicando cartas íntimas de sua amante. (pg.131).

Simultaneamente com o captar do político, suas trepidações e temperaturas oscilantes, o autor resgata de forma pitoresca, hilariante, até debochada, o lado boêmio, lírico da cidade de Campina Grande, destacando seu papel, dentre os intelectuais, poetas, bacharéis, professores, enfim os amantes do prazer e do lazer; os quais se reuniam no "Parnaso", onde recitavam poemas, a exemplo de "Noites na Taverna" do poeta Álvares de Azevedo.

A falta de melhor local para uma vida cultural mais intensa (ainda não havia Universidade), os bares se constituiam em pontos de encontro de intelectuais em geral. Humanistas e vates da estirpe de Félix Araújo, Cláudio Porto (estes de inteligência brilhante e considerável cultura), Antonio Telha, Clementino Procópio, Severino Procópio, Mauro Luna, Virginius da Gama e Melo, Cristino e Severino Pimentel, Hortensio Ribeiro, Pedrosa, Joacil de Brito, Luiz Bronzeado, Álvaro Gaudêncio, Luiz Gil, Raimundo Asfora, Euclides Vilar, Peba, Oliveiros Oliveira, Uziel do Vale. Estes três últimos, seguidores do marxismo, ativistas políticos, sendo Félix Araújo, o Trotsky do grupo. A obra reproduz fotos dos familiares do autor e de outras pessoas importantes do tempo em Campina Grande.
 


Livro: "UM Certo Coronel Chico Maria"
Autor: Harrison Oliveira.[1997] 227p.
 

(*) Já referenciada em outros trabalhos aqui publicados no Jornal de Poesia.
 

 

 

Henry J. Hudson, Neaera Reading a Letter From Catallus

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José Louzeiro