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			Jorge Lúcio de Campos 
   
			Zona de Sombra, de Claudia 
			Roquette-Pinto 
 
 
			Após uma estréia auspiciosa, em 1991, 
			com Os dias gagos (texto que considero, sem medo de errar, o melhor 
			entre os 'inaugurais' que tive, ultimamente, a oportunidade de 
			conhecer), Claudia Roquette-Pinto - a exemplo do que já fizera com 
			Saxífraga (1993) - se reafirma, agora com Zona de sombra, como uma 
			das três ou quatro vozes mais maduras da poesia brasileira recente.
			 
			Segundo o prefaciador Régis Bonvicino, 
			"neste novo trabalho, Claudia aprofunda(ria) a coesão e a densidade 
			da(s) coletâneas anterior(es): coesão no sentido de partes 
			intimamente ligadas, mas também no de intimidade com as palavras, 
			com a composição e com a intuição, qualidade fundamental que a 
			distingu(iria) de quase todos os seus pares". Já elogiada antes (e 
			com justiça) por sua "rica imagística e musicalidade infalível" e 
			capacidade de "isolar os objetos de seu contexto original, que os 
			banaliza(ria), para observá los (e dá-los a ver) em sua inteira 
			estranheza, coisa em si" (o que decerto a aproximaria do 'objetivismo' 
			de William Carlos Williams), a produção de Claudia surpreende pela 
			regularidade e consistência - atributos invejáveis para uma dicção 
			'ainda-em-busca' (como se todo bom poeta assim não fosse em função 
			de sua permanente busca do que, estando em nós, estaria, contudo, 
			fora de  nosso alcance!).  
			Claudia não me parece, de fato, dada à 
			oscilação dos altos e baixos, dos grandes e pequenos momentos. Sua 
			poesia funciona na homogeneidade do synolon, na adequação conjunta 
			entre o 'dizer' e o 'como-dizer'. Diferentemente de muitos poetas 
			que, embora tendo o que dizer, naufragam, por mera gagueira, ao 
			tentarem fazê-lo, e de alguns outros que, metalingüisticamente, mal 
			disfarçam sua franca carência de imaginário, Cláudia constrói poemas 
			que são como campos de forças onde coabitam os traços de uma mesma 
			ordem impossível. Em seu jogo de luz e sombra, reflui um magma de 
			inegável matiz, pura medida de potência, híbrido de caos e cosmos, 
			flagrados por um estilo que, embora emergente enquanto tônus 
			profundo, pede ser prospectado como rosto inconfundível.  Sua 
			poesia - a meu ver, cada vez mais devedora da arquetipia mooriana - 
			se assemelha pouco com a da maioria de seus coetâneos, normalmente 
			íntima dos paroxismos. Ao contrário, cada poema de Cláudia (a 
			exemplo dos de René Char) dá a nítida impressão de sempre correr no 
			mesmo sentido - como a correnteza lisa de um rio cujo único desígnio 
			é o desagüe.  
			Agradam-me, particularmente, em Zona 
			de sombra por sua mestria paratática, ritmo interno, economia de 
			meios, sonoridade e belas imagens: 'A caminho' ("braçando no lodo, 
			sigo,/às escuras,/a mão nua abrindo o fio/ (começa comigo) a/costura 
			invisível/do rio"), 'Cadeira em Myconos' ("ao branco contíguo/da 
			parede, hauri la/como figura: literal/(modo-de-éden) nua/entre 
			lençóis de cal" e "noiva muda em cendais de secagem rápida"), 'Cinco 
			peças para silêncio' ("sem que a pétala da água enrugasse/vento 
			soprando de dentro/do vento, a resistir-se" e "um faça-/se-a-luz que 
			decifre/o rosto por trás da grimaça,/o desenlace do eclipse") e 'A 
			extração dos dias' ("o olho tonto do gerânio/nuvens cegas, às 
			manadas"). 
 
 
			  
			
			 
			Leia Cláudia Roquette-Pinto
 
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