Jornal de Poesia

 

 

 

 

 

 

 

José Inácio Vieira de Melo


 

 Beleza Necessária

 

 

A Tarde, Salvador, Bahia, Brasil

Salvador – BA, 26 de novembro de 2005
 

LANÇAMENTO

 

Marcio Melo

Marcio Melo

 

Nos 40 poemas que compõem Lucidez Silenciosa, Cleberton Santos apresenta uma lira cheia de vigor. Não é uma poesia de fáceis arroubos, mas contida, disciplinada, que preza pela linguagem e que mostra que seu autor sabe os rumos que deseja trilhar – passos semelhantes aos de um Baudelaire: “ir ao fundo do desconhecido para encontrar o novo”.

Nesse seu livro de estréia, Cleberton não está preocupado em seguir vertentes literárias, não desperdiça tempo com este ou aquele grupo de vanguarda, desse ou daquele lugar. O seu compromisso é com a arte poética, é com a estética da palavra.

O livro está dividido em quatro partes. Em todas elas, é perceptível a busca da síntese no dizer, do condensar as palavras, no que resulta uma poesia substantiva e substancial.

Em Bestiário Inútil, primeira parte, há uma paisagem e um calango que espreita o mundo. Cleberton Santos é um poeta ofuscado pelos delírios, um cego – um Homero, um Patativa, um Borges – que enxerga o mundo pelos olhos desse calango e confere existência à paisagem. Sente cravado no peito o silêncio. Não um silêncio qualquer, mas aquele que executa, a todo instante, um “Concerto para ninar calangos” e despertar matizes: “Silêncio tecido de dor e violinos/ crava em meu peito/ concerto estapafúrdio/ para ninar calangos opalinos.”.

Além dos calangos, são invocados escorpiões, pardais, galos e ossos de um antigo Minotauro. O poeta retorna ao tempo dos pardais e o chão é céu, onde nuvens de carambolas e de goiabas maduras despertam os primeiros desejos e o fazem ruborizar (“Sonhos e pardais”).

Em Mitos e Formas, segundo capítulo deste opúsculo do poeta sergipano da Bahia, tudo é metamorfose. O “Minotauro” ressuscita do Bestiário Inútil. Teseu, personificação do poeta, embora agonizante, sabe que o alimento dos galos que cria, em sua morada, são os mitos e as formas – grãos imprescindíveis para os cantores da aurora. Teseu, esfaqueado e lúcido, renasce na aurora, seu sangue é o arrebol, é o novo. A manhã traz no âmago o germe da tarde e a tarde é conseqüência do dia, a tarde é noite que se aproxima a anunciar o “Amanhã”: “Contemplar o amanhã sem detê-lo/ em sua voracidade de amanhecer.”.

 

Marcio Melo

 

VISIONÁRIO – Lucidez Silenciosa é a matriz do livro de Cleberton. Nesta terceira seção, o poeta homenageia Florbela Espanca e Pablo Neruda, dialoga com outras referências, como em “Poema ocasional”, em que estão justapostas as vozes aveludadas de Alphonsus Guimaraens e de Cruz e Souza, baluartes do Simbolismo no Brasil.

Mas o momento culminante deste capítulo é o poema “Amor”. Dos recônditos lugares do silêncio, das alturas da lucidez, Cleberton Santos erige – em arquitetura exata – o templo do amor. Em sua partitura, não há arrodeios nem floreios. É o que é, seja qual for a circunstância: “O vestido preto/ está dançando na esquina./ O amor é uma festa/ mesmo em dia de luto.”.

O Canto Quase Memória, derradeira parte de Lucidez Silenciosa, começa com um poema que despeja nas retinas do leitor o Sísifo que todo ser humano é. E assim, condenado pelo destino, o poeta segue a empurrar, montanha acima, “a pedra infinitamente pedra”. Mas, aprendiz do velho Vicente, amola suas facas na pedra, que é seu fardo e sina, para, em seguida, esgrimir seus versos e compor a sua lira.

Cleberton demonstra ser um poeta que dedilha a chuva dos versos na flauta dos dias. Ciente do caminho que tem a percorrer, olha para frente e – com olhos de calango na “Paisagem em movimento” – enxerga nos longes, lá em 2050, e sabe o que o espera. E tranqüilamente toca a sua “Composição para flauta”: “Faço versos com retalhos de vida/ fios de cabelos que apascento nos dedos.”.

Lucidez Silenciosa anuncia os vastos horizontes que aguardam pelo seu criador. Em outra época, outro jovem poeta, Castro Alves, sintetizou em um verso a sua ânsia em alçar vôo: “Eu sou pequeno, mas só fito os Andes”. Como o poeta condoreiro, Cleberton Santos sabe da sua condição efêmera, mas mira o infinito e brada para o Cosmo a sua necessidade de Beleza.


José Inácio Vieira de Melo é poeta e jornalista; co-editor da revista Iararana e colunista da revista Cronópios; publicou os livros Códigos do Silêncio (2000), Decifração de Abismos (2002) e A Terceira Romaria (2005).

SERVIÇO: Lucidez Silenciosa, de Cleberton Santos, será lançado no dia 30 de novembro, às 19h 30min, na Associação Comercial da Bahia, Praça Conde dos Arcos, s/n, Comércio – Salvador – Bahia


 

Cleberton Santos
Leia Cleberton Santos

 

 

 

 

 

28.11.2005