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José Inácio Vieira de Melo


 


Caldeirão de signos

(15/11/2005)



 

O que esperar de um poema intitulado “Hímens retorcidos rasgam botões de rosas”? Depende de quem o fez, porque se for o poeta João de Moraes Filho, a resposta é lirismo; é só conferir: “Um poema virgem sobre a pedra/ sopra invisível o sabor que rompe o dia”. Seus versos têm sabor de tambores africanos, cheiro de frevo pernambucano e anelos de príncipe de Holanda – João é esse caldeirão de signos e de lugares em que nunca esteve, mas que estão em suas veias. Às vezes, num “Estampido”, “há urgências de escrever coisas sérias”, e a esfinge do recôncavo baiano, que pode ser Gayacu Luisa, sopra no âmago do poeta: “o outro nos decifra/ enquanto se esconde”.

João Vanderlei de Moraes Júnior é filho de Cachoeira, 1977. Graduado em Letras Vernáculas na Universidade Federal da Bahia (UFBA). Professor de Literatura e arte-educador, é Coordenador Geral da Ong Casa de Barro Ações Culturais em Cachoeira, recôncavo sul da Bahia. Publicou um livro-experimental intitulado Quatro Poemas Menores, participou das coletâneas Murilizaivos – 100 anos do Poeta Murilo Mendes (Edufba/Pet), e Concerto Lírico a Quinze Vozes (Aboio Livre Edições). Conquistou o Prêmio Braskem de Cultura e Arte – Literatura – 2004, para autores inéditos, da Fundação Casa de Jorge Amado, com o livro Pedra Retorcida.

José Inácio Vieira de Melo – Quando e como foi o seu despertar para a literatura?

João de Moraes Filho – Não era muito de escrever. Eu gostava mesmo era de ouvir as histórias, aprendia mais. Aos dez anos li O menino maluquinho, de Ziraldo. O menino maluquinho era poeta, o que me faltava. Depois o Pequeno Príncipe, me entreguei tanto a leitura desses livros que comecei a escrever as minhas meninices. Quando iniciei o curso de datilografia, aos 11anos, “publiquei” dois livros: O Pode e A menina inteligente. Datilografei e vendi no Baneb, onde minha mãe trabalhava. Depois foi só estudo e viver...

JIVM – Quais as referências literárias que mais o marcaram?

JMF – A minha formação literária inicia quando fomentei a biblioteca da Academia de Desenvolvimento Cultural, em Cachoeira, e tive acesso aos livros editados pela Fundação Casa de Jorge Amado. Muitos como Ruy Espinheira Filho, Florisvaldo Mattos, Antonio Brasileiro, Maria da Conceição Paranhos, esses nomes que conhecemos da geração 60. Bebo em cada um deles, sem esquecer os do Recôncavo: Castro Alves, Durval de Moraes, Alberto Rabello, os meus avós. No entanto, o que hoje me toca muito são os pedaços de África com os quais convivo aqui em Cachoeira. Não me refiro só aos terreiros de candomblés, nem a herança cultural que se pisa nestas pedras cabeça-de-negro, me refiro às ruas, às recuadas, àquilo que já não cabe mais em mim e explode. E tudo isso só acorre quando me permito ler o mundo.

JIVM – Como você situaria a poesia baiana no Brasil?

JMF – Somos o berço da história e conseqüente da Literatura Brasileira, poesia forte já não é novidade. O próprio Presidente da Academia Brasileira de Letras afirmou em Salvador sobre a força do nordeste na literatura. Desde Gregório de Matos vivemos com os mesmos conflitos, precisamos escoar a literatura baiana, mas onde estão os leitores, a educação? Imagine que aqui em Cachoeira, no Recôncavo baiano, segundos dados da UNICEF de 2001, 53% nos pais de alunos matriculados na Rede Pública de Ensino, tinha de 3 a 4 anos de estudo. É incrível como não há leitores. O GAMGE, Organização não-governamental sem fins lucrativos, atua com reforço educacional para uma faixa etária de 8 à 21 anos, é um exemplo de respeito e cidadania. Não só pelo trabalho que desempenha na comunidade, mas por formar leitores e ouvintes de literatura. Freqüentemente realiza leituras dramáticas, recitais, e uma série de atividades que incentivam o prazer da percepção do mundo através da arte. Eu não vejo essas atividades em tantos lugares assim. Portanto, meu amigo poeta José Inácio, a literatura baiana sempre será representativa para a literatura brasileira, porém seria muito interessante que tivéssemos mais leitores baianos. Temos escritores como Myriam Fraga, Roberval Pereyr, Mayrant Gallo, Adelice Souza, Ruy Espinheira Filho, Ildásio Tavares, Aninha Franco... Imagine o quanto a literatura baiana “cresceria”. Acredito que assim teríamos voz não só no Brasil. Desculpe-me, mas literatura para mim vai muito além da nódoa da palavra deixada no papel guardado na estante.

JIVM – Quais são os nomes da nova poesia baiana que hoje se destacam?

JMF – Há muitos poetas produzindo, isso é maravilhoso. Todos escrevendo com seriedade e dedicação, sem preocupações se haverão leitores ou não, são movidos pela necessidade de vida mesmo. Gosto muito de Narlan Matos, Cleberton Santos, Fabrícia Miranda, Rita Santana, Nívia Maria, Isaias Carvalho, Roseane Lima Leão, aqui em Cachoeira temos Rony Bonn, Carine Araújo; Antonio Diamantino Neto, em Alagoinhas. Os poetas Mayrant Gallo, Kátia Maccés, Luis Antonio Cajazeira Ramos, Miguel Carneiro. Estes um tanto maduros, com seus poemas estão me respondendo alguns confrontamentos meus com a lírica contemporânea. Vamos celebrar as alegorias do barroco do século XVII como antropofagia numa poética híbrida e não se furtar a criar não só a partir do que já foi criado, mas explorar a linguagem poética é fundamental. Isto claro sem repetir os barbarismos já sepultados. Este ano o Prêmio Braskem de Cultura e Arte contemplou a poetisa Vanessa Buffone com o livro As casas onde morei, editado pela Fundação Casa de Jorge Amado. Olha só o quanto é forte a literatura baiana.

JIVM – O que representa a coletânea “Concerto lírico a quinze vozes” e qual a relevância de participar de um trabalho desses?

JMF –Concerto lírico a quinze vozes significa um punhado de poemas líricos da poesia contemporânea produzida na Bahia. Sinto-me honrado em fazer parte de um marco significativo da nova literatura baiana. Como somos novos, temos o direito de errar e certamente aprenderemos com esses passos necessários. Acredito que esta Antologia representa muito para literatura baiana. Apresentado por Aleiton Fonseca, escritor, membro da Academia de Letras da Bahia, que dedicou um atencioso estudo dos quinze. Engraçado que Aleilton na Academia também é um jovem. Esta é uma das propriedades da literatura: ser jovem. Como Fernando Pessoa é tão jovem quanto Ruy Espinheira Filho, Cyro de Mattos, Jorge Amado. Temos as nossas rebeldias, mas a literatura é um sagrado que se defende com a voz lírica que preenche a alma dos nossos poucos leitores, seja em qual tempo for. E já que Tradição é o futuro como afirma o Pedagogo Alessandre Rocha, e não evolue como me dizia a Sacerdotisa da tradição Jêje Gaiacu Luisa zeladora do Rumpyme Ayono Runtologi, o melhor mesmo é esperar o que cada um destes poetas tem para nos oferecer seja no Concerto Lírico ou em outras Antologias. A literatura baiana só tem a ganhar. O concerto Lírico a quinze vozes é um acontecimento. Cada um em seu tempo, pois é ele que é sempre Senhor.

JIVM – Você foi um dos vencedores do prêmio Braskem para autores inéditos, da Fundação Casa de Jorge Amado, em 2004, com o livro “Pedra retorcida”. Fale da premiação, do livro e do seu processo de criação.

JMF – Publicar é até fácil, se pensarmos no aspecto prático do mundo contemporâneo. O que não faltam são gráficas por ai. “Pedra Retorcida” é produto de muitas pesquisas, críticas, e acima de tudo, vontade de fazer valer a literatura como expressão e linguagem artística, onde se conectam o Ser e suas relações com o mundo. Foram quatro anos de trabalho árduo vivendo cada poema que hoje representa um Prêmio. Não pela publicação, mas pelo o que a Fundação Casa de Jorge Amado significa para minha formação literária, e a pessoa do escritor Jorge Amado que presenteou a dignidade do povo negro cachoeirano com o Axé necessário para se erguer a sede da Irmandade de Nossa Senhora da Boa Morte. O Prêmio Braskem de Cultura e Arte é o quanto tenho de responsabilidade para fazer jus a todo esse significado, além de me mostrar que estou apenas começando e tenho muito que apreender, a ouvir, a contribuir. Imagine se eu não tivesse junto com o Professor Fábio Batista, o poeta Edmar Ferreira e o historiador José Rubem Soares Santana fundado a Biblioteca da Academia de Desenvolvimento Cultural? A literatura é um processo lento, às vezes quando ocorre uma pressa o arrependimento aparece, e uma obra é excluída; como se percebe em algumas biografias de escritores conhecidos. Um bom exemplo na Bahia está sendo o Escritor Cleberton Santos. Eu mesmo por várias vezes lhe falei para que se publicasse, ele sempre consciente de seu canto lírico ponderava: ainda há tempo para se rever alguns poemas. Agora ele nos presenteia com seu livro Lucidez Silenciosa, Vencedor do Prêmio Capital. Enfim, Pedra Retorcida e o Prêmio Braskem de Cultura e Arte representam o início de uma vida. Como nos encanta Mário Quintana: Nada jamais continua / Tudo vai recomeçar.

JIVM – Uma vez que é professor de literatura e arte-educador, o que poderia ser feito para aproximar os estudantes da literatura, sobretudo da poesia?

JMF – Acredito que contribuindo para aproximar os escritores dos estudantes. Aquele caso: se Maomé não vai a Montanha, a Montanha vai a Maomé. Muitas vezes a literatura no ensino básico parece mesmo uma montanha pesada. Fui arte-educador e Coordenador de linguagem do Programa de Educação Supletiva da Fundação Garcia D’Ávila, na Praia do Forte, Litoral Norte da Bahia. Lá é um dos poucos Centros de Educação que insere o educando como cidadão no processo de aprendizagem. Com a participação pedagógica de todos Professores e coordenadores, buscava-se produzir o material didático observando principalmente a formação de um cidadão: que está inserido numa sociedade com contexto culturais e históricos bem particular (para não tocarmos na empoeirada estória brasileira e nesse simbólico Brasil com espírito pós-colonial). A participação de educando e educadores como Valter Correia, Helenice Costa, Núbia Carvalho, Alexandre Gusmão, Tereza Farias constroem um ambiente propício a construção do conhecimento. E acaba virando exemplo. Percebi que havia sede de leitura no educando. Havia uma sede de literatura, não apenas da beleza da poesia, mas todo o processo do fazer literário; seja conhecendo os escritores, ou se reconhecendo como um deles. Isso tem me dá muito prazer. É neste contexto que suge Oficina de Criação Literária Poesia Ouvida com a qual tivemos vivências maravilhosas com os poetas José Inácio Vieira de Melo, Vanessa Buffone, Gustavo Felicíssimo, Paulo do Diogo, Seu Mariano. O Poesia Ouvida mostrou um outro lado da literatura. A interação foi tão grande que montamos um jornal o Tan dan dan Ela falou um Palavrão. Assim a literatura abriu as portas dos novíssimos poetas da Praia do Forte, Diogo, Malhadas, Porto de Sauipe e agora, em Cachoeira, numa parceria entre as Ongs GAMGE e Casa de Barro Ações Culturais teremos mais poesia ouvida.

JIVM – Quais as cartas que o poeta das plagas cachoeiranas esconde nas mangas? Quando publica um novo livro? Quais os projetos que anda tramando?

JMF – Desde julho estou morando em Cachoeira, minha primeira pátria. Tenho me dedicado muito ao estudo da literatura baiana, conhecendo autores, suas técnicas e outros aspectos literários. Recentemente iniciei um estudo sobre alguns aspectos do contexto cultural de Cachoeira, o que tem me dado muito prazer, porém percebo uma necessidade de equacionar problemas básicos de acesso aos direitos culturais no interior do Estado, principalmente aqui, que muitas vezes não há calendário de eventos artísticos que preencha a relevância cultural que Cachoeira tem para o cenário da história brasileira. Fruto desses estudos e de uma necessidade de cidadania, convidei alguns amigos que também se debruçam sobre a questão cultural como: Luisa Mahin do Nascimento, Fábio Batista, Carine Araújo, Vanessa Buffone, Suzana Costa, Roberval Ramos de Jesus para fundarmos a Casa de Barro Ações Culturais Organização não-governamental sem fins lucrativos com a finalidade de contribuir para acesso aos direitos culturais e preservação do patrimônio histórico e artístico de Cachoeira. Desde sua fundação, em 25 de Julho deste ano, a Casa de Barro realizou algumas intervenções com o apoio da Secretaria de Cultura do Município. Uma delas foi A Galeria Casa de Barro que numa construção estilo massapê, durante a festa da Irmandade de Nossa Senhora da Boa Morte, em Agosto, potencializou a percepção da identidade cultural do Recôncavo baiano através de várias linguagens artísticas apresentadas numa programação cultural variada; outra foi o Recital com gostinho de dendê – o Caruru dos Sete Poetas, realizado no dia 24 de Setembro, na Casa de Cultura e Arte de Cachoeira. O evento trouxe a Cachoeira grande nomes da nova literatura contemporânea produzida na Bahia e tornou possível, através do um encontro litero-cultural, o (re)conhecimento das tradições baianas e suas manifestações de expressão artística. A existência nos exige a vida, poeta, e é dela que me faço e refaço diante da beira de um grande Portuário, livro inédito que estou cuidando com carinho, aquele carinho que doamos aos filhos.
Meu blog:
escrevista.blogspot.com

 




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20/07/2006