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Izacyl Guimarães Ferreira

 

Entrevista publicada no jornal da UBE, de julho 2002


 

Izacyl: Por que e para que escrever poesia?

Soares Feitosa: Até a primeira vez. quase aos 50 anos, que escrevi no “devocional” — e já explico o que entendo por devocional — só havia escrito pareceres, do obrigacional, despachos, coisas da burocracia, como fiscal do imposto de renda. Na juventude, fui jornalista, mas nunca escrevi exclusivamente por prazer. Sempre por obrigação, mas isto de ser obrigado nunca me causou desprazer algum. De modo que, até mesmo no obrigacional, o devocional já estava presente, no mínimo latente. Sempre escrevi meu burocratês com grande satisfação. Depois, quando me estabeleci poeta, passei a escrever pelo puro prazer interior. Interior? Sim! Gosto de ler o que escrevi. Releio-me, mas se disser que não me agrada um elogio, estarei mentindo. Agora, aposentado do cargo de fiscal, continuo escrevendo no obrigacional: um escritório de advocacia tributária que tanjo com dois filhos e alguns advogados. Contudo, a viagem atual do juridiquês também passa por perto da poesia. Vez por outra, cito algum poeta numa petição e isto tem um efeito muito interessante. Atrevo-me a dizer que “moro” dentro de um computador. Se não estou nos escritos do escritório, estou no devocional do Jornal de Poesia, e ambos me tomam todo o tempo. Tenho a comentar que ambas as escritas me dão grande prazer e alguns acréscimos. A poesia, despesas; o judiquês, alguns trocados fundamentais a completar a aposentadoria.
 



Izacyl: Como você processa o seu poema?

Soares Feitosa: Nunca os processei. Eles é que me processam. Nunca tive um projeto, um poema em curso. Passo meses e meses sem escrever uma linha. Aliás, passei exatos 49 anos de 9 meses para escrever a primeira. Nem tenho certeza de que voltarei a escrever, porque, a rigor, não tenho nada pendente para escrever. Se fosse espírita, diria que escrevo por “encosto”: um belo dia, sem ver nem porque, o poema chega. Pronto! Chegou o poema pronto. É só botar no papel. Algumas revisões ligeiras, mas está pronto.
 



Izacyl: Como avalia a atual poesia que se escreve no Brasil?

Soares Feitosa: Claro que tem muita coisa! Lugar de vasta fauna e flora, bichos e paus para todos os gostos. Quer concretista? Estão aí os Campos e seus rebentos. Quer poesia? Está aí o Alberto da Costa e Silva e toda sua torrente de infâncias a cavalo, a pé, de jegue ou de bicicleta. Tem havido uma pequena guerra de classificações. Carlos Graieb, um grande taxonomista, lançou a primeira classificação de “famílias’ na fauna poética, pela revista Veja. Depois, os Lineus tupininquins têm classificado à vontade. Uns gostam, outras não. A última “chiada” foi de Alexei Bueno através de uma "Carta a um jovem poeta”, ricamente comentada e malhada nas rodas de poesia, virtuais e alcoólicas.



Izacyl: Que orientação daria a um jovem poeta que a pedisse a você?

Soares Feitosa: Que ele cuide de trabalhar! Um belo concurso. Aí, sim, vidinha feita, vá cuidar do devocional. Foi assim que fiz: tenho estudado a vida toda e ainda hoje trabalho feito um bicho-bruto. Sou o primeiro a chegar ao escritório. O último a sair. E, como tudo, ainda que obrigatório, é regido pelo devocional, não me canso nem um pouco. A propósito, veja Uma carta a um jovem poeta, deste seu criado.
 



Izacyl: Crítica, reconhecimento? Tradição, modelos?

Soares Feitosa: Wilson Martins, um cara extremamente sério. Pois pasme, istrudia (isto, outro dia), um boçal, nem lhe gravei o nome de tanta raiva que fiquei, desceu a lenha em velho Wilson. No demais, predomina o cupinchato. Nada contra o cupinchato. Sou a favor dele também, tanto que meus amigos são todos excelentes poetas!
 



Izacyl: O que mais falta à nossa poesia?

Soares Feitosa: Falta nada não! Tem lugar para todo mundo. Cordelistas, concretistas, minimalistas e mais uma meia centena de outros “istas”, está todo mundo bem empregadinho. Os reclamões querem apenas dominar. Só isto. E com eles à frente, é claro. Por mim, deixem como está e não mudem nada!
 



Izacyl: "Inventores", novidade? Tudo isso? Nada disso? O quê?

Soares Feitosa: Inventar o quê? A poesia continua sendo a mesma desde os tempos! Basta abrir qualquer poema bíblico ou a história de um certo domador de cavalos (Heitor) e a gente chega a conclusão que aquilo, quando “lido” enleva. Se enleva é poesia! Precisa inventar, sim, um instrumento, um “poetímetro”, mecânico, digital, sei lá como, para expurgar tanto bobajéu que se vê por aí sob a forma de versos, livres ou presos. Sem o enlevo não há poesia, presumo.
 


 

Soares Feitosa

Leia obra poética de Soares Feitosa

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), Cleópatra ante César

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Nei Duclós