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Izacyl Guimarães Ferreira




Romaria Agreste

 



 

Fui procurar no mapa. Dois Riachos é um município alagoano quase na fronteira de Pernambuco. Não aparece seu distrito de Olho d´Água do Pai Mané, que entretanto aparece no mapa da nova poesia brasileira, pois lá nasceu José Inácio Vieira de Melo. Alagoas tem muitos olhos de ver, de água corrente em nossa literatura. Olhos de Graciliano e de seu filho Ricardo Ramos, de Jorge de Lima e de Lêdo Ivo. E agora esta promessa crescendo.
“A Terceira Romaria” reúne livros publicados e poemas inéditos de José Inácio. O título é mais que adequado, porque romaria é palavra chave desta poesia agreste, telúrica, essencial, que tendo ecos de cordel no vocabulário, no ritmo e nas rimas, é verdadeira peregrinação “às próprias entranhas”, como se lê (p.75) na bela epígrafe de Gerardo Mello Mourão, num versejar seguro e forte.

“Peregrino de mim mesmo / no meio da travessia”, diz ele no poema (p.42) que tematiza todo o livro. Mas sua procura, num “estradar poético” com esta palavra de outro sertanejo, aquele do Sertão da travessia de todos nós, é também a procura da poesia e das raízes. O livro está repleto desta busca incessante, que é um assunto recorrente através de numerosos poemas.

Lembremos alguns: em “Louvação”, abrindo o livro, diz o poeta: “Eu, poeta dos Sertões, passarinho do Vento Nordeste/ venho... louvar a graça maior da poesia./ ...anunciar.../ a única verdade.” Logo a seguir, em “Memória” (p.23):

Gosto de subir no telhado da casa
e olhar para dentro do quintal,
é lá que estão o menino e a arte.

 

Eis na íntegra o belo poema “Bênção” (p.96):

Meu pai,
beijo suas mãos,
não como um homem
pretende beijar as de Deus,
mas como uma árvore
beija suas raízes.

 

Sua procura cruza desertos e noites, o passado e até o futuro, o longe e o perto, porque “Para quem está no breu/ qualquer lampejo é alumbramento.”

Dialoga com outros poetas e amigos em muitas dedicatórias e epígrafes, porque sua romaria não é só para dentro das entranhas mas também a procura do outro, do ser, como a de toda poesia séria e duradoura.

Dois poemas de distintos livros expressam sua peregrinação de três vertentes – a das raízes, a da poesia e a da destinação do ser humano. “Do pensamento” (p.88):

O mistério me leva à estrada
e a estrada revela
a poeira que sou.

O espanto me conduz à reflexão
e a reflexão revela
a peneira que sou.

 

Peneira, filtro, espelho – metáforas da interpretação, do verbo que atravessa o agreste em busca de seus jardins e de seus mares interiores. Em “Dois momentos” (p.24), na segunda estrofe: “Entro no poema.../ e sai(o) dia afora para encarar a existência./ A poesia lava os pés e as lágrimas.”

Lava mais. Lava também a alma do leitor de poesia.


Izacyl Guimarães Ferreira, presidente do Conselho Consultivo da UBE e membro do conselho editorial do jornal da entidade, onde assina a seção “Poesia, poetas, poemas” é autor de 14 livros de poesia, entre os quais “Passar a voz”, “Memória da guerra” e “Ocupação dos sentidos”.
 



José Inácio Vieira de Melo
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11/07/2005