Soares Feitosa

Alexander Ivanov. Priam Asking Achilles to Return Hector's Body

Antífona

Alexander Ivanov. Priam Asking Achilles to Return Hector's Body

 


OFICINA E NOTAS DA VIAGEM

1. Detrás da serrania: a terra da infância do poeta, a pequena cidade de Monsenhor Tabosa, situa-se no primeiro platô da Serra das Matas, região centro-oeste do Ceará. Ao poente de  Monsenhor Tabosa, fica o paredão da Serra Branca, onde o sol de esconde bruscamente, em porta e ferrolho, noite.  

2. Macacos: fazenda Macacos, fica do outro lado do paredão da Serra Branca, de modo que, para quem está em Monsenhor Tabosa, o grande espetáculo é o crepúsculo ao paredão da serra por sobre os oitis e os jatobás, enquanto que, para quem está nos Macacos, o espetáculo é o da aurora por cima dos mesmo jatobás e dos mesmos oitis. O poeta morou (mora) nos dois.  

3. Jatobá: árvore da família das leguminosas (Hymenaea courbaril), madeira dura, flores vistosas, amarelas, e  cujo fruto é grossa e longa vagem que contém um farináceo amarelo  claro, comestível e saboroso.   

4. Oiti: árvore da família das rosáceas (Moquilea tomentosa), de grande porte e pequenas folhas, muito cultivada para ornamento e sombra nas ruas do Recife; os frutos, do mesmo nome, são  drupas bastante carnosas e comestíveis, de cor amarelíssima, aroma e sabor intensos.   

5. Barbicacho: (Brasil/NE) cordão que se passa pelo queixo para segurar o chapéu.  

6. Poti: em tupi-guarani, camarão. Rio do Ceará, nasce nos sertões de Crateús e corre em  direção ao Piauí, onde funda, na confluência com o Parnaíba, a cidade de Teresina, capital do  estado.  

7. Serra Grande: parte da cordilheira da Ibiapaba, fronteira do Ceará com o Piauí, extensão total  de 100 léguas, altitude máxima de 1.000 metros, rasgada no lugar Oiticica pelo boqueirão do  Poti, também aproveitado, o boqueirão, para construir a linha de ferro Fortaleza-Teresina.  

8. Tiquira: aguardente feita com mandioca, bebida tipicamente maranhense, na rota do crepúsculo, pois a poente do Ceará.  

9. Coquilho das palmeiras: coco babaçu  (Orbygnia martiana), Brasil,  abundante na Serra Grande, nas várzeas do Piauí e do Maranhão. Coquilho em forma de gota d‘água, amarelado por fora, revestido com uma camada de amido comestível e medicinal parecido com o pó do jatobá: amarelo-ouro. A copa do babaçu parece o grande penacho de um espanador olimpicamente vertical.  

10. O sol, o galo, a aurora, a lufada do vento, a porta aberta: a lide nordestina começa muito cedo, ainda com escuro; abre-se a porta da frente, esteja quem estiver deitado, a lufada de vento para acordar quem ainda estiver dormindo; o café quentinho e o refrão “é hora” a botar para andar os preguiçosos.  

11.Tolda que cobria todo o vale: na casa nordestina, chama-se tolda a uma rede estendida bem  alto, por cima da rede onde dorme alguém  — criança ou mulher de resguardo  —,  de modo que a rede de cima funciona como um anteparo para o respingo da chuva às telhas de barro. As  casas normalmente não são forradas; em compensação, réstias e biqueiras...  

12. Ereupokal-Kliumterthal:processo mnemônico do nome das nove musas. Filhas de Zeus e  Mnemosine, protetoras de todas as artes, costumavam castigar os humanos imprudentes que  pretendessem sobrepujá-las; daí o pedido de licença feito por Camões nos cantos I e III d'Os  Lusíadas. Era costume clássico os poetas pedirem o alvará às musas para as suas cantorias, sob pena  de cegueira e morte  trágica. Er — Erato, da poesia lírica; Eu — Euterpe, música; Po —  Polímnia, hinos sagrados; Kal — Kalíope, poesia épica; Kli — Klio, história; U — Urânia, astronomia; M — Melpômene, tragédia; Ter — Terpsícore, dança; Thal — Thalia, comédia.  

13. Ignácio da Catingueira e Romano da Mãe d’Água: a maior dupla de cantadores-violeiros de todos os tempos. Ignácio, negro e escravo, natural de Piancó, PB; Romano, branco e importante, nascido em Teixeira, PB, também grande cantador. Famosíssimo pega na feira de Patos, PB, em 1870. Todos os demais cantadores, Cego Aderaldo inclusive, estão do Jornal de Poesia, em belíssimas home-pages.  

14. Benedita: Senadora da República do Brasil, negra e favelada; senhora dona Benedita da Silva, desafiou e ganhou!   

15. Causeiro: (regionalismo,Ceará) contador de causos, histórias fantásticas do imaginário popular, fonte perene de todas as tradições e substrato cultural de um povo.  

16. Botador de boneco: riquíssima tradição nordestina, também chamada mamulengo ou espendengo, bonecos manobrados por cordéis, vozes de ventríloquo, histórias ingênuas, uma festa!  

17. Sentinela: (Nordeste) velório — muita cachaça, muito café, muita reza e namoro pelo meio; pasmem, verdadeira festança dos que ficaram. Por certo, o morto também “gosta”, pois até hoje nunca apareceu alma reclamando da animação. Pelo contrário, reclamam se não tiver.  

18. Pau-de-jucá: madeira nordestina, muito dura, própria para fazer cacete de brigar, dura e pesada, porém flexível: não quebra, nem racha. A árvore deve ser “cortada no escuro”, isto é, em dias que não sejam de lua cheia nem de lua crescente; deve ser também sapecada levemente na fogueira de angico, com o que adquire mais dureza e uma cor ouro-marfim; finalmente benzida por um bom rezador, também chamado benze-cacetes. É arrumar as coragens e sair por aí! As vergônteas mais finas são usadas como bengalas — coisa de velho, pois cabra novo usa mesmo é cacete grosso. Era o jucá precisamente a madeira usada pelos índios para fabricar os tacapes.  

19. Manipueira: o mesmo que tucupi, suco leitoso da mandioca, obtido ao pé da prensa das casas de  farinha quando  da prensagem da mandioca; contém o veneno da planta, ácido cianídrico, mortal para o  homem e animais.  Se o veneno for evaporado ao fogo (sete dias) ou ao sol (trinta dias em litro branco), a manipueira é utilizada (NE) para molho de pimenta de cheiro ou como ingrediente do pato, delícia da região Norte, chamado “ao tucupi”.  

20. Sorondongos: também sarondongos, larva de grande porte, do caule das palmeiras — babaçu —, também de dentro dos coquilhos, manjar finíssimo dos índios da Ibiapaba, tradição culinária mantida pelos serranos. Uma delícia, os franceses não sabem o que estão perdendo: um prato de besouros fritos na manteiga... melhor do que lesma — scargot, como eles dizem. 

21. Tanajura: içá, formiga gigante. Quando do revôo para acasalamento, às  primeiras chuvas, as novas rainhas inundam os céus da Serra Grande: “cai, cai tanajura, que é tempo de gordura” — canta a meninada, os grandes também. O abdômen do bicho — “bunda de tanajura” — é separado do encéfalo, comido cru por alguns mais afoitos. Uma delícia, porém, frito na pimenta do reino, com uma cervejinha, ao frio da serra. Latas e latas de tanajuras fritas correm o Brasil inteiro, para gozo e regozijo das amizades dos conterrâneos emigrados. Já comi, já ganhei de presente, presente fino, presentão!  

22. Quicé: (Nordeste, Brasil) faca pequena, bem amolada, utilizada pelos capadores. Havia uma, da marca SESAM, de fino aço sueco, especial para “beneficiar”, isto é, castrar. 
 

 

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DA GENEROSIDADE DOS LEITORES:

 

 

 

 

 

 

 

 

Adriano Espínola

 

Você é um desses seres possuídos pelo daimon ou pelo furor da musa, musa telúrica, pois seu verso é rememoração,  canto órfico que vão presentificando, retomando, clarificando, celebrando o passado, reinaugurando as coisas, transfigurando asAdriano Espinola lembranças e os seus como no belo poema inicial Antífona: Venho de outras terras, meu capitão,/ não sou da beira do mar, eu venho/desd’onde um bola de fogo, /volúpia de luz, volúpia de cor, /cavalgava o horizonte e desabava...” 

Ali, os jatobás queriam-se apoderar do ouro do crepúsculo, e o mestre Sol afrouxava as correias de mestre Vento, enquanto as palmeiras apenas conseguiam tostar os coquilhos, grande manadas de lágrimas de sol! 

O poema inteiro é de uma beleza de uma autenticidade ímpares (até as cantorias reproduzindo as falas típicas sertanejas), tudo misturado: evocações do sertão brabo, com seus personagens, suas lendas e visões, mas citações e recorrências à tradição cultural do Ocidente, indo até Homero e ao Olimpo. 

Parabéns, meu poeta. Poemão para ser lido e relido.

Adriano 

 

 


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Wilson Martins

 

É a "matéria do Nordeste" que forma a substância dos seus cantos épicos e dos seus transportes líricos, como na extraordinária "Antífona", uma das mais belas odes jamais escritas em língua portuguesa. É poema a ser lido por inteiro eWilson Martins em voz alta: "Venho de outras terras, meu capitão, não sou da beira do mar, eu venho desd’onde uma bola de fogo, volúpia de luz, volúpia de cor, cavalgava o horizonte e desabava, queda brusca por detrás da serrania (...)". 

As suas raízes humanas e poéticas, como as de Homero (literalmente evocado), estão nos cantadores das gestas populares: "Acudam-me os cantadores: Ignácio da Catingueira, negro e escravo; Romano da Mãe d’Água; vocês também fundaram o galope, a cantoria; Pinto do Monteiro, Otacílio, dos Batistas, a batistada toda, venham todos (...).

 


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Aleilton Fonseca

 

Poeta Soares Feitosa! 

Os seus bem-feitos!! Eu lhe digo: Antífona é o grandeAleilton Fonseca "Poema Limpo" da poesia contemporânea. Sua dicção épico-lírica percorre as páginas como um enxurrada que acorda os rios para matar a fome dos Açudes.

E a poesia tem sede de olhos, ela é a água milenar em seus   ciclos eternos. Os poetas brotam da terra, do barro amassado com suor e lágrima.

 


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Erorci Santana

 

Em Antífona, a saga do sol, vivo pai dos vivos, personificado e redimido da fúria por um olhar lírico que se diria gorguiano. Sol pujante como aquele retratado por  Maiakóvski em a “Extraordinária aventura vivida por Vladimir Maiakóvski, no verãoErorci Santana da Datcha, traduzido por Augusto de Campos. Assim o poeta celebra o sol: “volúpia de luz, volúpia de cor, / cavalgava o horizonte e desabava /queda brusca por detrás da serrania; /era quase todas as tardes,/ lá,/que raramente chovia”. 

 

 


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