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			Elizabeth Marinheiro 
   
			Lins do Rego: Um Desafio Teórico
 Conferência na
 Academia Brasileira de Letras
 
 [08.05.2001]
 
 
 
			PRESIDENTE TARCÍSIO PADILHA - 
			Vamos dar prosseguimento ao ciclo de conferências sobre José Lins do 
			Rego, hoje a cargo da professora doutora Elizabeth Marinheiro, que 
			versará o tema "José Lins do Rego: um desafio teórico". Para 
			apresentá-la, com a palavra o Secretário-geral, Acadêmico Alberto da 
			Costa e Silva.
 ACADÊMICO ALBERTO DA COSTA E SILVA - Senhores Acadêmicos, 
			minhas senhoras e meus senhores. Temos hoje a alegria de ter conosco 
			a grande dama da literatura do Nordeste. A professora doutora 
			Elizabeth Marinheiro é de nome conhecida, provavelmente, de todos os 
			que se encontram nesta sala, porque ela costumou, durante muitos 
			anos, tornar Campina Grande, durante alguns dias, a capital cultural 
			do Brasil. É Professora Titular de Teoria Literária da Universidade 
			Federal da Paraíba. Além de ser doutora em Letras, é pós-doutora em 
			Literaturas e Línguas do Centro Ibero-Americano de
  Cooperación, de Madri. Membro do Conselho Nacional de Política 
			Cultural; membro da Academia Paraibana de Letras (primeira mulher 
			ali a ter ingresso). Autora numerosos ensaios sobre literatura e 
			teoria literária, tendo com dois deles prêmios da Academia 
			Brasileira de Letras: Prêmio José Veríssimo, com a obra A 
			bagaceira: uma estética da sociologia, em 1979; e Prêmio Sílvio 
			Romero, com Vozes de uma voz, em 1983. Professor Visitante do 
			Centro de Estudos Semióticos e Literários da Universidade do Porto; 
			Professora convidada pelo King's College London University para 
			ministrar seminário sobre a "Influência do Cordel na Literatura 
			Brasileira" e "Principais Tendências da Literatura do Nordeste 
			Hoje"; Professora convidada do London Institute of Education onde 
			ministrou seminário sobre Cultura Contemporânea no Nordeste; 
			Professora convidada da Universidade de Rennes 2 - Haute Bretagne - 
			Department de Portugais, como Professor Associado. O seu currículo mostra a alta qualidade da conferencista que nós 
			temos a alegria, a honra e o prazer de hoje ouvir.
 
 PROFESSORA ELIZABETH MARINHEIRO - Exmo. Sr. Presidente, 
			Acadêmico Tarcísio Padilha, a quem agradeço a honra de participar 
			das homenagens que ora esta Casa presta ao mestre paraibano. 
			Realmente, é uma grande honra estar aqui. Agradeço igualmente, com 
			muita emoção, as palavras com as quais S. Exa. o Acadêmico Alberto 
			da Costa e Silva me apresenta a esta Casa. Ao mestre Josué Montello 
			a renovação de todo o meu respeito. Repetindo ainda, como mestre, 
			Alberto da Costa e Silva; Lêdo Ivo, com a renovação da minha estima.
 
 Reverenciando o imortal mestre Eduardo Portella e a imortal mágica 
			Nélida Piñon, estarei saudando toda a plêiade da Casa de Machado de 
			Assis e abraçando a tantos que aqui se encontram, não para receber 
			uma lição, mas para renovar os laços de estima. Inclusive duas 
			presenças que me tocaram, neste momento, no fundo do coração: a irmã 
			da minha mais ilustre ex-aluna, Elba Ramalho, a minha querida Vavá, 
			e a minha primeira netinha, Maria Eduarda, com minha filha.
 
 Um agradecimento especial às professoras Leila Longo e Maria Lúcia, 
			pela acolhida sempre generosa. E agradeço fundamentalmente a Deus, o 
			artífice maior de todos os encontros e reencontros.
 
 
 
			Lins do Rego: Um Desafio Teórico
 Já cansou, já 
			não se suporta, já não se agüenta o besteirol crítico em torno das 
			narrativas do mestre paraibano. Inspirada, porém, em ensaios de 
			Josué Montello, Rachel de Queiroz e Lêdo Ivo, revisitei Lins do Rego 
			para renovar o nível de minhas aulas, dentro e fora do Brasil. Rachel de 
			Queiroz critica a idéia de ciclo imposta ao autor. Sublinha o homem 
			de rua e uma espécie de andarilho nele coexistentes. Percebe que se 
			entregava com delícias à alegria de largar os trilhos e tratar do 
			que bem quisesse, sem preocupações antecipadas. Adverte que Minas, 
			Rio, Suécia, Nordeste são geografias que abalam seu tão falado 
			memorialismo. Salienta os caminhos da introspecção, provando que Zé 
			Lins não descamba para o regionalismo carioca nem tampouco para a 
			reportagem. Em Teoria e 
			celebração, Lêdo Ivo, ao ironizar os desocupados de porta de 
			livraria, contesta os clamorosos equívocos contra José Lins do Rego, 
			enfatizando com rara propriedade a sensualidade, o dualismo 
			campo-cidade com a miséria rural e urbana de O moleque Ricardo, 
			o trânsito actancial dos excluídos - daí a presença do guri das 
			peladas de Água-mãe, dos operários, dos cartolas do Flamengo, 
			enfim toda aquela massa anônima da anticidade. Vincando a memória 
			proustiana, o discurso político de Pedra Bonita, os vários 
			Nordestes do paraibano, Lêdo Ivo é categórico:
 "Os nossos 
			críticos e ensaístas julgavam que o romance fluvial de José Lins do 
			Rego era fruto do instinto e da irracionalidade, da generosidade que 
			escorria frouxo e de uma imaginação desabrida. Engano cego, e não 
			ledo."
 Para o ensaísta 
			alagoano, a velha-nova crítica e outros métodos estradeiros 
			realçavam o instintivismo de José Lins, rotulando-o de telúrico - 
			uma palavra riscada do vocabulário crítico, como o serão, amanhã, 
			"sistêmico e bricolage". E como se isto não bastasse, o autor de 
			Ninho de cobras marca o timbre ecológico no processo narrativo 
			do mestre paraibano. Esta 
			comunicação, senhores acadêmicos, senhor presidente, procede 
			portanto dessas revisitas e mantém-se fiel ao sotaque didático que 
			norteia um exercício onde se recusa, e sempre haverá de se recusar, 
			a arrogância das interpretações definitivas, desconfiando-se 
			igualmente das escalas axiológicas. Não pretendo - 
			longe, muito longe disso - assinar o atestado de óbito dos 
			estereótipos dedicados ao homenageado. Tudo é válido, no seu tempo. 
			Mas, os trilhos largados por José Lins, na visão de Rachel; a 
			memória, estudada por Josué Montello; e a derrocada do telurismo, na 
			visão de Lêdo Ivo, ditaram-me um passeio curto através da 
			etiquetagem que persegue o criador de Menino de engenho. "Um 
			desafio teórico" quer significar esse passeio. Imune ao longo 
			fôlego que anima as grandes narrativas, tenho pensado que noções de 
			comunidade, nação e contato poderão representar referências teóricas 
			exigidas pelos mecanismos narrativos do autor hoje. Seguem-se 
			considerações que, apoiadas em pressupostos literários e culturais, 
			incidirão panoramicamente sobre o conjunto da obra, mas vincarão o 
			texto de Fogo morto, em que pese o caráter aberto do meu 
			estudo, ou seja, desta comunicação. Automimético, 
			portador de obsessão fotográfica, regionalista do documento, são 
			alguns dos clichês que conduzem José Lins às chamadas 'baixas 
			literaturas'. Daí, sua obra reduzida a um mero 'jogo de repetições' 
			que reproduz os fatos via memória. Os conceitos de 'verossímil', de 
			'contemporâneo' e de 'regionalidade' e a vertente imaginária da 
			memória talvez penalizem esses rótulos. Além do realismo interno 
			comum a toda ficção, dos efeitos do real e das relações 
			verossimilhança/motivação, todos esses fatores, todas essas 
			categorias demonstram que os inúmeros deslocamentos da realidade, 
			por mais que seja acentuada a visibilidade dos enunciados, 
			escamoteiam a representação documental, transformando-a numa verdade 
			contingencial. Seria verdadeira 
			a prisão de Ricardo em Fernando de Noronha? Os engenhos que 
			emolduram a fábula reeditam a geografia da Paraíba? A 
			impossibilidade de se contar o real, já que ele é movente e 
			profundamente movediço, é explicada por Rolland Barthes pela 
			mediação do discurso. Esse discurso que, ao transformar o existente, 
			desfigura a matéria regional, ou desrealiza o real, como ensina 
			Eduardo Portella, tornando o verossímil contemporâneo. Quanto ao 
			regionalismo fotográfico, esclarece Lígia Diapini, "a regionalidade 
			será o resultado da determinação como região ou província de um 
			espaço ao mesmo tempo vivido e subjetivo, a região rural 
			internalizada à ficção. Momento estrutural do texto literário mais 
			do que o espaço exterior a ele". Deixando-se 
			entre parênteses, ou esquecendo-se barthesianamente as tipologias 
			regionalistas, a querela universalista, as hierarquias 
			etnocentristas e outros quesitos polêmicos, entendo que quaisquer 
			que sejam os seus registros discursivos, a literatura da terra 
			revelará sempre um sentir comum ou um modo conjunto de vivenciar o 
			tempo, equivalentes a um mundo sem fronteira, presentificando-se na 
			arte de muitos tempos. Esse sentir 
			comum - e a perspectiva é de Maria Alzira Seixo - não é jamais um 
			reflexo fotográfico. São sentimentos de regionalidade narrados por 
			uma lírica que possibilita o alargamento simbólico, no qual o eu 
			poético reprograma as travessias da existência, sem grandes 
			simpatias pelo idílico. Os signos do 
			sonho, do pitoresco e do desalento, recorrentes sim na ficção de 
			José Lins do Rego, engendram a linguagem naïf - ou a linguagem 
			ingênua, tão estudada na pós-modernidade - fiel aos vínculos com a 
			terra, porém metáfora da condição humana. Esse é o eu lírico que, 
			negando ser o pobre da evasão, sabe fragmentar o ato de lembrar. 
			Quando recorre à memória, o narrador zélinsniano projeta aquelas 
			alterações de foco que - na perspectiva de Linda Ration - desalojam 
			o sentido único e acionam variações que fundem o enunciado e a 
			enunciação, o rememorado e o representado. Mais que poética do 
			vivido, a narrativa de José Lins é a dupla atuação da memória, 
			pulverizando o memorialismo das relembranças e dos acontecimentos. Por tais 
			desdobramentos, o sujeito é transgressor e o exercício mnemônico 
			retoma o individual e o coletivo, como se estivesse denunciando a 
			fragilidade dos regimes patriarcais ou, quem sabe, a queda dos 
			valores essenciais do homem. Não tem cabimento falar-se aqui de 
			memória nostálgica. O corte operado pela memória rebelde - e a 
			expressão é de Ecléia Bosi - mantém a ambivalência de elementos 
			sêmicos na temporalidade cíclica, isto é, a voz lírica não só 
			transita entre o passado e o imediato, como reaquece o processo 
			social que desmistifica a melancolia e o telúrico. Na intersecção 
			referencial/simbólico ou na intersecção da memória-hábito e 
			memória-linguagem, o narrador lírico reconta, contesta, inventa. Ele 
			produz o seu próprio sentido. Conforme 
			enfoques autoritários, a pura tipicidade é outra má qualidade de 
			José Lins do Rego. Não se quer perceber que os movimentos da memória 
			alargam o real, e ultrapassando o exotismo linear, geram os 
			conjuntos divergentes do texto. Lembre-se que uma das falas de 
			Ricardo ressignifica as oscilações entre o apego ao eito e a busca 
			de emprego, entre o Engenho Santa Rosa e o Recife. A fala de Ricardo 
			é:
 "- Deixar a bagaceira e ir-se empregar.
 Empregar. Como essa palavra era diferente de alugar!"
 
 Lembremo-nos dos 
			personagens sem lugar próprio, que dariam uma tese de doutorado. Se 
			nós formos estudar os personagens sem lugar próprio em José Lins do 
			Rego, teremos uma tese de grande fôlego, uma meta-narrativa. Como é 
			o caso de Carlos Melo, Ricardo, Negro Passarinho e tantos outros. 
			Mais uma vez o poder imaginativo da memória, a visão relativista do 
			narrador associada a tal poder, acelera os deslocamentos que, 
			acolhidos como percursos de tensões, ratificam a dualidade, ou seja, 
			a dicção contraditória da ficção zélinsniana. No momento em 
			que debilita a tipicidade pura, a enunciação problemática instaura o 
			sentido contra-idelógico do romance. Na desgraça da paisagem, no 
			solo cansado e na casa-grande, no vilarejo de Pureza, no petróleo de 
			Maceió - como é o caso de Riacho Doce - ou nos cenários de 
			Cabo Frio - como é o caso de Água-mãe - alavanca a 
			contaminação territorial. As perseguições ao operário urbano nos 
			anos 30, internalizadas na prisão de Ricardo em Fernando de Noronha, 
			e a causalidade política na tragédia de Açu, em Pedra Bonita, 
			são outro sinal da passagem do episódico para o mundo da indagação. Limitando-me 
			agora, a partir deste momento, à textualidade de Fogo morto, 
			posso situar as falas anacrônicas do Mestre José Amaro, as dúvidas e 
			reflexões do narrador, a velhice senhorial de Olívia e a juventude 
			pobre de Marta, no espaço fronteiriço entre o indivíduo e a 
			caricatura. O imaginário vacilante de Tomás, diante do casamento da 
			prendada filha; de Adriana e de Amélia, ora submissas ora 
			contestando os maridos; as vacilações de Lula de Holanda, ora 
			sufocado pelas grandezas do passado ora pelas misérias do presente, 
			realimentam igualmente a contranarrativa. Há que assistir 
			à cena onde personagens múltiplos e oscilantes driblam as memórias 
			totalizadoras, comprovando a degeneração do homem, a queda, a 
			derrocada dos valores essenciais, evidenciando portanto o caráter 
			heterogêneo da identidade e das passagens que irrompem as 
			situações-limite de Fogo morto, como se seu narrador, frente 
			a esse choque de valores, resolvesse viajar à procura de sua própria 
			identidade. A cor local é secundarizada totalmente pela complexidade 
			dessa crise. Quando o troar 
			da teoria contemporânea demonstra que a motivação contraditória 
			rasura, negligencia a representação documental, o texto cria nova 
			referência e a discursividade exorciza o mimetismo atribuído à 
			ficção zélinsniana. Eu perguntaria, 
			agora, à minha mestra Nélida Piñon: Por que obras tão referenciadas 
			e auto-referenciadas são consagradas e glorificadas pela ensaística 
			universitária? É o caso de Pepetela, de Mia Couto, de Hélder Macedo 
			e tantos outros. Ora, se José Lins do Rego é ruim, é baixa 
			literatura, essa turma toda vai perder a indiscutível autonomia 
			estética e passar para o listão editado pelos tribunais canônicos. É dose, não é?, 
			o preconceito contra o Nordeste! Mas os paraibanos estão aí, até na 
			crítica literária. Quando o filtro 
			dialético sustenta a convivência do espaço geográfico e o espaço 
			ficcional, o universo narrado daí resultante é uma narrativa em que 
			testemunho e lembrança são componentes apenas da reescritura. Quando 
			o discurso naïf, ou ingênuo, voluntariamente livre da nostalgia, e a 
			memória recriadora forem lidos como enquadramento lírico, que capta 
			o coletivo através dos dramas individuais, a ficção do paraibano 
			será recebida como vereda aberta às tendências literárias que viriam 
			muito depois protestar contra certa maldade imposta a todos nós pela 
			mundialização.Aí, sim, José Lins será aplaudido como precursor da eco-ficção! Ou, 
			no mínimo, representante maior das ficções de reconstituição. 
			Então,vamos consagrar José Lins!
 Quando 
			localismos, exotismos, tipicidades lineares são estiquetas banidas 
			por um mundo problemático como o de Fogo morto, não será 
			ousadia relacionar o duplo sentido dessa obra às teorias do outro e 
			às teorias de nação. Sabido é que as 
			literaturas de expressão regional passam sempre pela questão da 
			identidade literária e cultural. Se o gesto problematizador é um 
			outro, o dualismo marginal dominante de Fogo morto conota a 
			diversidade recíproca dentro da mesma terra. Não mais o censo, o 
			mapa, o museu, porém a cena conflitante, em que o olhar do engenho 
			se cruza com o olhar da usina. Pela porta de Anderson tem-se a 
			dinâmica da alteridade imbricada dentro da trama, dentro do enredo. Na esteira do 
			orientalismo estudado por Eduardo Seidl, cito: "O nacionalismo 
			redutor poderá essencializar e desnudar a humanidade de outra 
			cultura, outro povo ou região geográfica." Fogo morto 
			não tematiza os povos do mundo, porém a ausência de essencialismos 
			nacionais minimiza a exaltação daquilo que Costa Lima chamou de 
			"exaltação ao infinito individual". E o romance é transposto para um 
			além-território, onde a lógica monocultural é desestabilizada. O 
			vaivém dos regimes sociais me sugere o confronto do discurso 
			pedagógico com o discurso performático, isto é: ao afastar-se do 
			idêntico a si mesmo, o narrador de José Lins operacionaliza 
			articulações outras que permitem a integração no espaço em agonia. Por esse viés, 
			as temporalidades diferenciais geradas pela elaboração 
			contrapontística marcam a permeabilidade sociedade mercantil 
			versus sociedade pré-capitalista, desenhando um entre os 
			inúmeros conceitos de nação. Nação que não se delimita 
			espacialmente. Nação enquanto jogo de narrativas. Construção de 
			linguagem, já que estou perseguindo esse pensamento. Nem de longe 
			desejo insinuar que José Lins do Rego tenha penalizado a 
			especificidade de nações e etnias para construir formas democráticas 
			de convivência, complementação e governabilidade cultural. 
			Entretanto, mesmo que não aja como porta-voz do seu povo ou do país, 
			seu narrador não comete o ufanismo, o orgulho nacionalista, nem 
			tenta a verdade essencial. Agora, mais plástico, esse narrador 
			favorece o diálogo entre grupos antagônicos no interior de um mesmo 
			espaço, produzindo a fenda na supremacia da identidade humana. 
			Parece-me que essa cisão é o grande passo. É o passo adiante de José 
			Lins do Rego. Ora, se o 
			narrador tangenciou a brasilidade e partiu em busca de novas 
			identificações, entendo que o agenciamento das permutas não só 
			corresponde à compreensão do outro e da nação, como um todo aberto e 
			não como um todo fechado, como ao mesmo tempo é metáfora de uma 
			fenda geradora de contatos. Daqui poderíamos 
			inclusive nos prolongar e remeter às diferenças de classe, 
			co-presentes em Fogo morto, aos conceitos pós-modernos de 
			comunidade, já que a cidadania ambígua - e isso eu conversava com o 
			mestre Alberto da Costa e Silva - de Lula de Holanda, e 
			particularmente da mulher, conota manobras de fronteira que 
			ultrapassam o regionalismo telúrico, tão badalado, apontando à 
			relacionalidade dos sentidos. Entretanto, meus 
			amigos, mestres e familiares, minha filha e minha neta, Vavá e Elba 
			Ramalho, que não está aqui mas está representada, prefiro permanecer 
			com as interrogações que prevalecem entre o fogo e a morte. 
			Ou entre a certeza pedagógica e o litígio performático. 
			Interrogações que não sabemos responder. A fenda, o novo 
			lugar do sujeito, os dos discursos de Baba, o travo colonial e o 
			gesto burguês. As comunidades imaginadas de Anderson, trilhos de 
			Rachel de Queiroz, minorias de Lêdo Ivo. Memória 
			imaginária de Josué Montello, ele próprio um mestre na 
			transfiguração da memória. Amélia e Adriana. Não na república dos 
			sonhos, mas na república das desigualdades. Tudo isso transforma o 
			paraibano num desafio teórico que escapa à minha competência. Tudo é 
			emblemático. O genial 
			escritor José Lins do Rego deverá ser lido como exemplo para tópico 
			de literatura. Algum dia, a vertente prepotente da crítica 
			brasileira descobrirá seu novo lugar. Antes de 
			devolver a palavra à presidência - e já com a permissão dela - nós 
			queríamos chamar aqui Vavá Ramalho, que entregará à Academia o álbum 
			dos vinte anos de trabalho de nossa mais ilustre aluna, Elba 
			Ramalho. Vavá veio especialmente representá-la e trazer esse álbum 
			para a Academia Brasileira de Letras. Vamos aplaudir Elba. É a 
			grande metáfora da periferia tomando conta do centro. Agora, Vavá, 
			leve essa máquina fotográfica, para fotografar a minha filha e minha 
			neta aqui. Sou uma neo-romântica. 
   
			
			 
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