Jornal de Poesia

 

 

 

 

 

 

 

Edna Menezes


 

Mulher pantera
 

 

Ela rodopia, roda, abala as estruturas, volta inteira, fascinantemente vulgarizada. Mulher, atenta, pensa nas pernas entrelaçadas de outras noites, olha para o telefone “ontem ele não veio”. Mas hoje... Olha-se no espelho, sua aparência é ainda muito bonita, seu cabelo num corte jovial, pele lisa, alva. Puxa as alças da camisola preta, deixa a mostra os seios, toca-os e pensa “ainda estão firmes”, a pele se arrepia, mamilos enrijecidos. Vira-se rapidamente, recusa continuar a se olhar. Ele que venha ver o que nem teve tempo de ver, mas tocou, sentiu, espalhou-se, gozou e se foi.

O que lhe passa pela cabeça? Aquele jeito de tímido, ao mesmo tempo tão audaz, tão desajeitado e tão seguro. Essência inapreensível. Homem-menino. Ela quer alcançá-lo. Mistério, olhar de menino perdido. Estranho, o olhar... O olhar do homem-menino. Olhos verdes, vermelhos pelo sono. Ela o quer, quer novamente. Pega o telefone... Não liga ainda, mas vai ligar. E se ele mandar uma mensagem, como antes? Não crê nisso. Busca o número do telefone no celular, deixa ali e espera um pouco mais. Sente o desejo crescer como uma papoula dentro de si, é o desejo de se sentir desejada, não é o desejo de desejar alguém. Quer ser desejada, ousa pensar e por que não ser amada? Amada...Mulher, tua eterna procura não terá fim, busca o inefável mundo novo, rejeita o antigo, quer o novo. O novo... Eterno desconhecido que lhe escapa por entre os dedos, por mais que o agarre e segure, ele foge, esvai... Volta-se para o espelho, resoluta, não articula pensamentos, apenas o olhar se faz animal, a feição se enfurece, preparada para o pulo final, mulher pantera. Ela pega o telefone e liga...
 

 

 

 

 

20.10.2005