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Eleuda de Carvalho


 


Os novent'anos de Patativa do Assaré

Seu Mané de Bocage, seu Luiz de Camonge


 


Eleuda de Carvalho
da Editoria do Vida & Arte

 

Patativa do Assaré teve escola. E na poesia ele é um mestre. Seus versos saem em métricas perfeitas, os sonetos com a chave de ouro. Influências de Camões, Bocage, Castro Alves, Gonçalves Dias estão presentes em sua arte. Pena que intelectuais de Letras o vejam como um poeta menor. Por inveja e preconceito.

Antônio estava com 12 anos quando foi à escola: uma sala tosca na casa do professor improvisado, que mal soletrava o bê-a-bá, seguindo o manual de ensino daquele tempo, a cartilha de Felisberto de Carvalho. Foram menos de seis meses, mas ele aprendeu a ler. E não parou mais, embora cego de um olho - o outro via além, espiava a arte da natureza no pé da serra de Santana, aberto e atento para os improvisadores, os poetas que o antecederam e ilustraram seu caminho na literatura. Aos 13, Antônio devorava o que lhe caísse às mãos, o Tratado de Versificação de Guimarães Passos, a Bíblia Sagrada, Os Lusíadas, o romanceiro ibérico sobrevivendo nos folhetins.

Com 16, Antônio comprou um violão. Começava a ser solicitado para animar festas de batizado, casamento, renovação, queima de judas. Nem tinha 20 anos e viajou para o Norte, tornou-se conhecido para além da sua aldeia. Na volta, convite para se apresentar em Fortaleza, em casa de Juvenal Galeno, um salão literário onde cabiam (cabem) os poetas eruditos da cidade e os menestréis da caatinga. E já vinha com o nome de ave com o qual é conhecido desde então.

Seu primeiro livro publicado foi Inspiração Nordestina - Cantos de Patativa, cuja primeira edição sai em 1956, pelo editor Borsoi, do Rio de Janeiro. As orelhas são um artigo de jornal escrito por Austregésilo de Athayde, depois presidente da Academia Brasileira de Letras. Na folha de rosto, uma rara foto de Patativa abraçado à viola, com seus óculos escuros e bem cortado paletó. Quem prefaciou o livro foi o cratense José Arraes de Alencar, que entendia de poesia improvisada e da prosódia castiça do povo do sertão.

Em 1974 vem a público o segundo livro, Cante lá que eu canto cá - Filosofia de um trovador nordestino, depois reeditado ``n'' vezes pela Vozes. A introdução é de Francisco Salatiel de Alencar, da Fundação Padre Ibiapina, do Crato. Talvez pelo contexto da época, o prefaciador foi cauteloso (ou equivocou-se): ``Seu canto não é de protesto, nem de revolta, mas de compaixão''. Plácido Cidade Nuvens, em artigo no mesmo livro, destaca Patativa como poeta social, cuja arte mostra ``rigorosa interpretação da realidade''. Destacam-se, entre outros poemas, aquele intitulado Luís de Camões, vejamos o final: ``E eu que das coisas terrestres/ tenho bem poucas noções/ porque não tive dos mestres/ as preciosas lições/ só tenho flores silvestres/ pra coroa de Camões./ Vejo a minha pequenez/ ante o bardo português''.

Por iniciativa de Rosemberg Cariry, a Secretaria da Cultura do Estado banca a edição do terceiro volume de poemas de Patativa do Assaré, Ispinho e Fulô, com ilustrações de Tarcísio García. Na abertura, um depoimento do poeta gravado por Rosemberg Cariry, em 79, e aqui reproduzido. Entre outros poemas, os versos singelos em memória de Antônio Conselheiro, do padre pernambucano Antônio Henrique, assassinado, e do padre italiano Miracapillo, expulso do País pelo governo militar. O tom político está presente ainda em Lição do pinto, feito para a campanha da Anistia.

Com xilogravura de José Lourenço na capa, seria publicado, em 94, Aqui tem coisa, ilustrações internas de Ronaldo Cavalcante e Audifax Rios. O prefácio, incisivo, é de Gilmar de Carvalho: ``Patativa é bem maior do que qualquer maniqueísmo reducionista'', diz, para horror dos cooptadores. Diz também: ``A cegueira seria a marca dos deuses, para que ele fosse apenas voz. Que aspira a dar conta da totalidade do real. (...) Entre o oral e o escrito, o recolhimento a Assaré ou a exposição aos refletores, Patativa se mantém íntegro, ciente de seu próprio valor e por isso não cai nas armadilhas da vaidade''.

No livro, lê-se, com gosto, o Encontro de Patativa do Assaré com a alma de Zé Limeira, o poeta do absurdo. São estrofes em raras 11 sílabas, entre o alexandrino e o martelo. O espírito sem senso do vate inventado por Orlando Tejo baixa no poeta de Assaré, em Biografia de Sansão: ``Sansão nasceu no Japão/ por meio de uma fratura/ sua mãe era Maria/ Filostomina Ventura/ seu pai, João Pitolomeu/ e o seu avô, Galileu/ etc, rapadura''. Seja na lírica de tradição trovadoresca, no refinado soneto, tão caro aos parnasianos, na dolência rítmica dos poetas românticos, nas cantigas dos aboiadores, quais muezins da Arábia, ou no pé-quebrado dos cantadores, na simples quadrinha popular, a arte de Patativa do Assaré mostra-se inteira - a grande arte.

 



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07/07/2006