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Antologia de 

Claufe &

Alexandra 


 

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Antologia de 

Claufe &

Alexandra 


Poesia de almanaque

[in www.no.com.br, 04.Dez.2001]

Sérgio Rodrigues  <no@no.com.br>

"Ao deixarem de fora Chico Alvim e Armando Freitas Filho para incluírem Ivo Barroso e a amazonense Astrid Cabral, os organizadores – ou seriam seus 18 conselheiros? – exercem uma opção estética que não ousa dizer seu nome.

[...] “100 anos de poesia” não quisesse ser mais do que uma revistona desfocada – a mais abrangente e desfocada revista literária já editada no país."

 



“100 anos de poesia – Um panorama da poesia brasileira no século XX”, organizado por Claufe Rodrigues e Alexandra Maia, é um livro estranho. Com seu jeitão empoeirado de almanaque, deixa no ar perguntas incômodas: para que público pretende falar e que critérios presidiram sua construção por uma equipe robusta, sem contar os 18 “notáveis” do conselho editorial, com patrocínio da BR Distribuidora através da Lei de Incentivo à Cultura? Antologia, propriamente, não é. Falta para tanto o peito do antologista, a única coisa que pode dar sabor a obras do gênero e que não faltou nos dois lançamentos a explorar antes dele o rico (mas finito) filão da poesia brasileira no século XX – “Os cem melhores poetas” da Geração Editorial, com seleção de José Neumane Pinto, e o best-seller “Os cem melhores poemas”, da Objetiva, com a polêmica lista de Italo Moriconi.

Se não assumem o risco de um recorte pessoal em campo tão vasto, optando por uma pulverização populista em que não há marca autoral sequer na hierarquia dos nomes listados (visto não haver hierarquia alguma e Carlos Drummond de Andrade valer o mesmo que Reynaldo Valinho Alvarez), os organizadores tampouco cumprem a promessa acrítica do populismo irrestrito – até porque não haveria espaço para tanto. Quando se anuncia um critério, é apenas para desmenti-lo adiante. “Adotamos como critério principal valorizar poetas com obras já consolidadas, a partir da constatação de que os mais jovens, em pleno vigor artístico, ainda têm o século XXI para desenvolver suas atividades e constituir suas glórias”, escrevem os organizadores na apresentação. Deixe-me ver se entendi: Arnaldo Antunes entrou, mas como representante da velha guarda paulistana, certo?

Toda seleção é subjetiva, obviamente, mas não deveria ser obscura. Ao deixarem de fora Chico Alvim e Armando Freitas Filho para incluírem Ivo Barroso e a amazonense Astrid Cabral, os organizadores – ou seriam seus 18 conselheiros? – exercem uma opção estética que não ousa dizer seu nome. Não que ela seja injustificável, de modo algum. O problema é: quem optou? Em nome de que concepção de poesia? Do alto de seu muro conceitual e analítico, talvez por ter sido feito a tantas mãos, o livro não responde a nada disso.

Tenta compensar essa falta com uma profusão de artigos curtos, de pequeno fôlego, sobre épocas e escolas, confiados a gente que entende do assunto, como Alexei Bueno (Simbolismo) e Heloísa Buarque de Hollanda (poesia marginal). Nada que os mesmos autores já não tenham dito melhor em outro lugar. O que poderia ser um viés paradidático acaba se esgotando, assim, num tom “jornalístico”, breve, como se “100 anos de poesia” não quisesse ser mais do que uma revistona desfocada – a mais abrangente e desfocada revista literária já editada no país.

A apresentação gráfica “leve”, com claros nas páginas e grandes retratos posados, alguns muito engraçados, confirma a aspiração (frustrada) a uma aura de sedução pop. O leitor na mira do livro parece ser, então, o neófito total, o jovem sensível que nunca leu poesia mas, defrontado com ela num livro legal, pode muito bem ser ganho para a causa. A capa, um arlequinesco festival de losangos multicores, é mais um indício dessa ambição. (Nota pessoal mas ilustrativa: quando viu o livro de relance – dois volumes finos dentro de uma caixinha – minha mulher pensou que fosse um brinquedo de criança.)

O problema com essa tese é conseguir imaginar o tal jovem ou outro neófito de qualquer idade seduzido para as delícias da poesia pelo tipo de informação que a obra privilegia largamente sobre os versos. “Thiago de Mello estudou em Manaus até terminar o científico. Depois, ingressou na Faculdade de Medicina, mas não chegou a se formar.” Atenção, isso não foi pinçado maldosamente lá do meio. Trata-se da abertura do verbete (vamos chamar assim) de Thiago de Mello, peça de resistência do que, para os organizadores, o tal neófito merece saber sobre o autor. Não melhora depois disso: “Na escola, Neide Archanjo era a intelectual da turma. Lia Proust e Freud, ‘mesmo entendendo pouco, mas lia’. A poetisa hoje constata: ‘Não há nada que meu coração, de certa forma, já não soubesse ou adivinhasse naqueles 17 anos!’”, assim começa mais uma biografia. Os dois exemplos foram colhidos aleatoriamente.

A opção por dados biográficos e quadrinhos destacando “curiosidades” – “durante a Copa do Mundo de 1986, (Affonso Romano de Sant’Anna) foi contratado pela Rede Globo para escrever textos poéticos sobre futebol”!!! – fica clara no projeto gráfico-editorial: cada um dos mais de cem poetas ganha três ou quatro páginas, mas mais de duas delas são consumidas com notão biográfico, fotos, frases em letras grandes do e sobre o autor, sobrando no máximo uma página e pouco – freqüentemente, só parte de uma – para a poesia propriamente dita. Assim, cada nome selecionado tem direito a justificar sua convocação com um ou dois poemas, mas eles precisam ser bem pequenos senão, nada feito.

Poemas, diga-se, escolhidos a dedo. Drummond comparece com “No meio do caminho” e “Poema de sete faces”, João Cabral com “A educação pela pedra”, Vinicius de Moraes com “Soneto de fidelidade” e “Soneto de separação”. Parece tratar-se de uma perseguição contumaz ao clichê, um repúdio a tudo que não conste de “n” antologias. Que neófito é esse que não conhece nem o beabá da poesia mas pode se interessar por uma “curiosidade” como “Paulo Bomfim tem textos musicados por Dinorah de Carvalho, Camargo Guarnieri, Theodoro Nogueira, Sérgio Vasconcelos, Osvaldo Lacerda e outros”?

A essa altura, começamos a perceber que não ficariam mal no livro – na verdade, o projeto gráfico praticamente exige – alguns reclames de antigamente, tipo estampas Eucalol ou versinhos do Rum Creosotado. Acertou quem concluiu que, longe de ser antologia ou livro didático, “100 anos de poesia” é aquilo mesmo que parecia à primeira vista: um almanacão poético, de função menos cultural do que comunitária, como um anuário (centenário?) social do Lions Club. Um Lions Club em que escrever e publicar versos fosse condição inarredável – embora não suficiente – para a filiação.

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Antologia do 

Claufe &

Alexandra 


 


A crítica da crítica

[in www.no.com.br, 06.Dez.2001]

Claufe Rodrigues e Alexandra Maia   <no@no.com.br>

 

Quando começamos a elaborar o livro “100 Anos de Poesia – Um panorama da poesia brasileira no século XX”, em abril do ano 2000, não haviam indícios de que outras editoras publicariam antologias sobre o assunto. A idéia era disponibilizar para o grande público uma obra à altura da excelência da nossa poesia, com certeza uma das mais férteis do século que passou. Desde o início sabíamos que a tarefa não seria fácil, em vista da quantidade de bons poetas que podemos encontrar soterrados no passado pré-modernista, e também fora do eixo Rio-São Paulo. Sabíamos ainda que, por ser um projeto ambicioso, que envolvia pesada pesquisa, nenhuma editora aceitaria bancá-lo. Desta maneira, corremos atrás de patrocínio, através da Lei Rouanet de incentivo à cultura, e encontramos na BR Distribuidora o parceiro ideal para levar adiante a empreitada. “100 Anos de Poesia” começou efetivamente a ser produzido em novembro do ano passado, e foi lançado há poucos dias. Nesse ínterim, duas antologias foram publicadas, destacando “melhores poetas” e “melhores poemas” do século.

Nosso panorama da poesia brasileira não tem caráter de antologia. É uma obra de referência, com perfis, poemas, fotos, manuscritos, fac-símiles de primeiras edições, bibliografias, fortuna crítica, cronologias e ensaios sobre os principais momentos e movimentos literários do século XX. Para que pudéssemos realizar o livro de forma abrangente e democrática, partimos para a constituição de um conselho editorial, formado por nomes que, reconhecidamente, trabalham de diversas formas em prol da poesia. Pela natureza da proposta, não poderia ser de outra maneira. Convidamos cerca de 40 pessoas a indicar quais seriam os 100 poetas mais representativos do século. Alguns, humildemente, se declararam incapazes de nomeá-los, por desconhecimento ou por terem a convicção de que não existem no Brasil tantos poetas que valham a pena ser destacados. Mesmo assim, ao cruzar as 18 listas que nos enviaram, chegamos ao espantoso número de quase 500 poetas! Muitos eram unanimidade: Drummond, Cecília, Bandeira, Jorge de Lima, Mário de Andrade, Oswald, João Cabral. Outros, nunca tínhamos ouvido falar, embora, modestamente, sejamos bons conhecedores da poesia brasileira. E, para nossa surpresa, poetas ditos populares, como Patativa do Assaré, Cora Coralina, Zé Limeira da Paraíba e Leandro Gomes de Barros (que, no início do século, chegou a vender cerca de 10 milhões de exemplares de seus livretos de cordel), praticamente não eram citados.

O conselho editorial, portanto, foi uma valiosa contribuição para o início dos trabalhos, mas não resolvia o problema básico: como abarcar a produção nacional de poesia num livro que não fosse simplesmente uma enciclopédia quantitativa? Com a equipe de pesquisadores, passamos à segunda etapa do trabalho: garimpar fatos e iconografias que conferissem à obra a dimensão superior que havíamos proposto. Os mais indicados pelos conselheiros obviamente foram os primeiros a ganhar espaço. Restava pesquisar as centenas de outros poetas, para definir o elenco final. Muitas surpresas ocorreram em nossas buscas.

Alguns nomes puxavam outros nomes, num fascinante processo de descobertas. Fomos cada vez mais fundo, tanto na linha do tempo, para resgatar do passado grandes poetas, como no mapa geográfico brasileiro, trazendo à tona escritores contemporâneos fabulosos, muitos na faixa dos 70 anos, com obras consolidadas e em plena atividade, embora desconhecidos. Este talvez tenha sido o nosso maior mérito: valorizar estes poetas ao nível de outros que merecidamente ou não – ocupam com freqüência os cadernos literários dos principais jornais do país (leia-se do Rio e de São Paulo).

À medida que a pesquisa avançava, passamos a ver que, em perspectiva, alguns nomes não eram tão importantes assim, até porque muitos ainda estão em atividade, constituindo suas obras. Neste sentido, os poetas surgidos no final do século – para ser preciso, a partir da década de 80 – passaram a dar lugar a outros, menos conhecidos, mas com trajetória mais robusta. Para simbolizar as novas gerações, elegemos dois poetas de estilos distintos: Arnaldo Antunes e Salgado Maranhão. Ambos tinham sido bem votados nas listas dos conselheiros editoriais.

Concomitantemente à seleção final dos poetas, começamos o trabalho de liberação dos poemas para publicação, junto aos detentores dos direitos autorais (poetas, advogados, familiares, agentes literários). Alguns simplesmente declinaram do convite; outros fizeram exigências que não tínhamos como atender. O Armando Freitas Filho, por exemplo, queria publicar um poema de duas laudas e meia – o que fugia completamente ao formato editorial –, e por não aceitar outra solução acabou fora do livro.

Lamentamos as ausências de outros bons poetas neste panorama, como Suzana Vargas, Sosígenes Costa, Bruno Tolentino, Afonso Henriques Neto, Tanussi Cardoso, Sérgio Natureza, Abel Silva, Florisvaldo Matos, Elisa Lucinda. Alguns deles são amigos próximos, ou contam com a nossa admiração, mas não podíamos ferir os critérios adotados. Temos a convicção de que agimos honestamente, não privilegiando A ou B. Por outro lado, esta não é a obra definitiva sobre a poesia do século XX. Outros podem se lançar a empreitada semelhante, conquistando o patrocínio necessário, e utilizando os critérios que lhes parecerem mais justos. Só viriam enriquecer o nosso esquálido mercado com títulos que valorizem a poesia, e sejam úteis para a formação de novos leitores e – porque não? – de novos poetas também. Fizemos o nosso trabalho. O reconhecimento tem vindo através de cartas, e-mails, matérias em jornais de todo o país, além de grande procura nas livrarias, por parte do público.

Não esperamos que o jornalista Sérgio Rodrigues – autor da publicação, neste site, de uma série de críticas pouco sérias contra o livro –, seja da mesma opinião de gente como Fábio Lucas e José Nêumanne Pinto, que consideraram “100 Anos de Poesia” uma obra de alto nível. Mas dizer que não há critérios para a realização da obra é uma falácia. Afirmar que não assumimos responsabilidades ou riscos é uma mentira. Querer desqualificar o livro citando curiosidades ao léu é vergonhoso. Não respeitar o trabalho de uma Astrid Cabral ou de um Reynaldo Valinho Alvarez é ignorância intelectual.

Desconsiderar a valorização de poetas importantes que ficaram de fora de coletâneas recentes (José Chagas, H. Dobal, Nauro Machado e César Leal, entre outros) é leviano. Desconhecer que o projeto gráfico homenageia o principal momento da literatura brasileira no século XX (a Semana de 22), através da capa cheia de losangos coloridos inspirados em “Paulicea Desvairada”, de um certo Mário de Andrade (sobre o qual Sérgio Rodrigues já deve ter ouvido falar), revela o flagrante despreparo do jornalista para o exercício da função de crítico.

Lemos com incredulidade as bobagens escritas no artigo. Não acrescentam nada ao debate sempre rico em torno da poesia. Fica no ar a incômoda pergunta: quais as reais intenções e propósitos por trás de sua destemperada diatribe?

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Antologia do 

Claufe &

Alexandra 


 

 

Crítica da crítica II 

[in www.no.com.br, 07.Dez.2001

Sérgio Rodrigues   <no@no.com.br>

 

“100 anos de poesia - um panorama da poesia brasileira no século XX”, organizado por Claufe Rodrigues e Alexandra Maia, é mesmo um livro estranho. Nem um pouco estranho, embora chato, é os dois terem respondido com ataques pessoais a uma crítica profissional que publiquei em no. . Sim, eu sei, a crítica foi daquelas que não deixam pedra sobre pedra, como, a meu ver, merece o trabalho que eles apresentaram. Isso não justifica a baixaria. Menos ainda que, como crianças indefesas no recreio, eles tentem se cercar dos amiguinhos mais parrudos - poetas que eu teria desrespeitado, embora isso só tenha acontecido na cabeça dos dois -para enfrentar um sujeito que não passa de um jornalista “com flagrante despreparo para a função de crítico” (piscadela pouco sutil a este site, que assim, quem sabe, abre o olho e me demite). É constrangedor, mas está longe de ser exceção em nossos meios intelectuais.

Não sei o que o jornalista Claufe Rodrigues e a estudante de jornalismo Alexandra Maia podem ter contra minhas qualificações profissionais. Sei que perder a cabeça numa briga é feio. As pessoas em volta sempre acham – e têm razão – que a cabeça só é perdida depois que a razão já o foi. Por conta desse aspecto auto-sabotador e também da fraqueza argumentativa do artigo da dupla, eu nem ia escrever a tréplica. Não interessa ao leitor, pensei. O que finalmente me convenceu a perder tempo com isso foi a oportunidade de abordar um tema mais relevante.

A partir desse episódio é possível iluminar uma questão maior que, imagino, interessa aos que não têm tempo a perder com chutes na genitália: o despreparo para o exercício e a aceitação da crítica que se esforça por transformar o ambiente cultural brasileiro num salão de chá de comadres. Informam-nos Claufe Rodrigues e Alexandra Maia em seu artigo que Fábio Lucas e José Nêumane Pinto consideraram “100 anos de poesia” uma obra “de alto nível”. Puxa! Então isso deve liquidar a questão, né? É impressionante como, mais “cordiais” no sentido buarquiano do que nunca, confundimos a polidez - que deve mesmo pautar os encontros sociais, literários ou não - com o exercício da crítica, ou seja, a esfera pessoal e a profissional. Os dois organizadores do dito almanaque têm numerosa companhia. Uma lógica da aprovação liminar tenta emperrar o debate em quase todos os campos da atividade cultural no país. O raciocínio (subdesenvolvido) é o seguinte: “Pô, nós já vendemos tão poucos livros, ninguém vai ver nossas peças e filmes, e ainda vem alguém querendo falar mal? Tremenda falta de tato...”. A solução: desqualificar o oponente, excluí-lo do seleto clube dos que têm direito a opinião. Ou pelo menos tentar.

Não é de hoje que somos assim. O vício tem raízes fundas na tradição de uma intelectualidade que, equilibrada em suas ilhas de saber, desprezada pelo grande público e dependente dos favores da classe dominante, prefere trocar cartinhas de recomendação a correr o risco de um debate público em que idéias sejam postas para brigar e o preço do avanço social se meça em reputações arranhadas. Aquilo que a tradição anglo-americana, por exemplo, sabe fazer muito bem, como se viu no recente pau quebrado entre John Updike e Tom Wolfe. Quer dizer que no Brasil ninguém fala mal de ninguém? Claro que fala, mas, com valorosas exceções, só pelas costas. Pela frente predomina uma frouxa rasgação de seda que faz o jogo da mediocridade: se nada é muito ruim, então nada é muito bom. Preferimos, os delicados, ficar abaixo da crítica. Não admira que o grande público esteja se lixando.

O almanaque poético-social de Claufe Rodrigues e Alexandra Maia é, no meu entender, muito ruim. As razões já foram expostas anteriormente e, como eles não as puderam refutar, poupo o leitor da repetição. Mas vale acrescentar que o livro promove o casamento do velho chá de comadres brasileiro com uma idéia mais globalizada e perigosa: a disposição politicamente correta de evitar a qualquer custo juízos de valor, hierarquias e cânones, tratando o fato estético com um enfoque “multicultural” que é desculpa para a falta de senso. Covardia, populismo ou o que seja, é isso que diminui a presença de Patativa do Assaré no dito almanaque. Poderia ser uma boa notícia, mas é só espuma. E quer dizer que considerar Reynaldo Valinho Alvarez um poeta inferior a Drummond é faltar com o respeito a ele? Ora, vão ver se eu estou recitando poesia na esquina!

O choque da dupla de organizadores de “100 anos de poesia” diante da crítica – que só faz sentido nesse contexto, como reação a uma quebra de etiqueta – foi tão grande que eles, claramente, se transtornaram. Dizem que recorreram à Lei de Incentivo à Cultura porque, sendo o projeto tão “ambicioso”, “nenhuma editora aceitaria bancá-lo”. Como se sabe, duas aceitaram bancar projetos ambiciosos - e terminaram o serviço primeiro. Confusamente, me acusam de “citar curiosidades ao léu”, o que seria “vergonhoso”. Sejamos justos: citar curiosidades (biográficas) ao léu, dando a elas tratamento mais nobre do que o dispensado aos poemas, é uma sacada do livro deles e de mais ninguém! Quanto a ser vergonhoso, concordo.

Sem mais argumentos, e sem que eu tivesse lançado mão de fórmulas como “Claufe Rodrigues e Alexandra Maia revelam flagrante despreparo para a função de organizadores”, os dois se acharam no direito de tentar cassar a palavra que perturbou a festinha do Lions. Típico, mas não vou cometer o mesmo erro. Meu fascistômetro sempre apita nessa hora para lembrar que o debate é desejável até quando alguém parte para a ignorância, pela singela razão de que o silêncio é pior. Por exemplo: adorei saber que a capa do livro, com seus losangos em cores berrantes cheios de fotinhos aplicadas, é uma homenagem a “Paulicéia desvairada”, daquele poeta modernista superestimado. Ah, bom!

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Anto- 

ou 

antrologia? 


Soares Feitosa  

jpoesia@secrel.com.br

Antrologias?

 

Nunca vi antologia que agradasse a gregos e a troianos. Afinal, a que vem uma antologia? Às flores? Aos espinhos?

Sim, às flores! Porque nada mais ligado (deveria ser) às flores do que uma antologia. A partir da raiz grega (anthos - ánthos) deveria ser exatamente isto: uma coleção de flores, como se um ajuntamento só do mais belo, o melhor do melhor, da máxima pulcritude. Por isto mesmo, fielmente à raiz grega, diz-se, da selecta literária, florilégio. 

Contudo, parece que os "florilegistas" não estão nem aí para esses compromissos com a flor-poema. Pelo menos é o que se depreende do que escrevem os especialistas, os críticos de antologia, v.g, jornalista e poeta Sérgio Guimarães, em "plica" e tréplica publicadas em No.com.br, recentes.

Assis Brasil, num trabalho belíssimo de resgate da poesia de cada um dos Estados, lançou-as regionais. A primeira, Antologia do Piauí, terra dele; depois, a do Maranhão, a do Ceará, a da Bahia, a de Goiás, etc, etc, e por aí afora, várias, muitas. Quem disse que contentou? Aqui mesmo no Ceará, recém-chegado ao trecho, li nos jornais cobras & lagartos contra os critérios (ou a falta de) de AB. 

Diziam as más-línguas, com evidente exagero, que Assis Brasil ficava, durante os lançamentos, o tempo todo de olho numa saída secreta, pronto para escapulir, ligeiro, tantos eram os desafetos... Claro que o Assis Brasil é pessoa simpaticíssima, de rara competência, mas, como todo antologista, ganhou as bordoadas de lei e praxe.

Depois, acompanhei na Bahia, ano de 1995, por aí, o lançamento da antologia do Pedro Lyra. "Inimigos"? Aos montes! Embora a crítica mais contundente tivesse aquele viés: "Detesto essas uvas verdes!". Em Pernambuco, não foi por menos: o raposal de lá desceu a lenha no Lyra. Deviam ter botado o César Leal, o Weydson, o Brennand, etc, etc, etc — diziam. E, cá para nós, ajudei (e ajudo) a dizer.

Sempre que menciono uma antologia, seja a do Pedro Lyra ou qualquer outra, ouço um monte de impropérios contra os parâmetros: "Botou fulano mas excluiu sicrano, uma injustiça!" Franzem o bico e afinam a goela ao  sibilarem o "uma injustiça!", como se fosse naquela fábula de compadre sagüi (soim, pros nordestinos) a se queixar dos privilégios dos bichos da boca-grande. Alguns, em evidente auto-piedade, até arriscam um "Mas não botou-eu!". Verdes, comadre raposa!, verdes, todas! Detesto-as, verdes! 

Em suma, fala-se mal de todo mundo, antologistas em especial. Se é justo? Claro que é! Nada mais legítimo do que malhar os antologistas. Chego a dizer que a grande literatura também se faz de falatórios. Senão como espelhar a erva daninha de modo a fazer safrejar o cereal? Cacete grosso no lombo deles todos, ervas e ánthos. 

Numa roda de flamenguistas, malha-se o Vasco. Numa roda de concretos, malha-se o parnaso e vice-versa. A rigor, o leitor de antologia — qualquer uma — corre-lhe o dedo no índice (sequer presta maior atenção nos nomes selectos), mas se azucrina (ou regozija) com as ausências. 

— Não botaram Gerardo Mello Mourão? Não pode prestar! — digo eu. Deixaram o Alvim de fora? Almanacão! — esperneia, cheio de razões, o Sérgio Rodrigues. Diria até que uma antologia é como uma escalação de times. Seja de várzea ou de seleção, nunca há consenso. "Ah, seu treinador filho de uma porca!" — dizem os romaristas quando o Romário fica de fora. E cá para nós, é mesmo uma blasfêmia deixar de fora o Romário. 

Vejamos as antologias mais recentes. A do meu amigo Nêumanne, de quem me intitulo "seu vaqueiro" e ele me responde "seu peão" — é a única sem defeitos, perfeita, grau dez, nos trinques, embora tenha deixado a mim e a uns poucos amigos meus de fora... Mas, afinal, o Nêumanne, em primeiro, é meu amigo; em segundo, botou o GMM na dele; donde, conclusão, é, de longe, a melhor! 

A do Moriconi? Uma droga, péssima, mal-feita — afinal, deixou GMM ao relento. E agora esta outra, do Claufe & Alexandra, igualmente um bagulho porque sequer tiveram a atenção de me consultar...  [Flagro-me, assim, escancarado e descarado, a pregar as virtudes do puro cupinchato?]. Sim e não — demonstrar-se-á.

Como intérprete, não posso deixar de ver a coisa a partir do meu horizonte, sob meus pré-conceitos, sujeitando-me, por isto mesmo, aos meus pré-juízos. Dane-se o resto! Isto é a melhor (ou a pior) hermenêutica que se pratica sob Heidegger / Gadamer, tudo a partir do horizonte do intérprete versus horizonte do texto. Como poderei gostar da antologia do Claufe & Alexandra ou da do Moriconi se ambas excluem meus paradigmas? Ainda bem que a do Claufe & Alexandra listou a poeta Astrid!

Mas, vale perguntar de imediato: qual o valor do MEU julgamento? 

Nenhum, é claro!, para aqueles que têm outros horizontes tão legítimos (e diferentes) quanto os meus. Da mesma forma que Sérgio Rodrigues está a descer a ripa no 'almanacão' do 'jornalista' Claufe e da 'estudante' Alexandra — palavras dele, lá neles, grifo-as aqui — tem um monte de gente elogiando esses estupendos poetas, o Dr. Claufe Rodrigues e a Srtª Alexandra Maia, ambos com uma belíssima antologia, a melhor de todas, a mais completa — palavras daqueles outros, muitos, prontos a cascudear ao Sérgio e a mim. 

A verdade? Para que serve a verdade? Melhor dispensar os préstimos do senhor Procurador Poncius e perguntar diretamente a Pessoa depois de um 2º lugar com Mensagem. Indaguem também pelo ‘poeta’ que tirou o 1º prêmio. Ora, ora, dane-se o 1º prêmio! 

Em suma, antologias estão muito mais para antrologias do que para jardim em fina flor, porque sempre ouvi velha minha mãe dizer que quem ama o feio, bonito lhe parece. Ela, vez por outra, beijava e elogiava a lindura que parira, coitada!, este aqui, eu. 

E, por favor, não encare o antro (em vez do anthos) como depreciativo. Pelo contrário, ai daquele que não amar o seu antro, com os seus dentro dele, ainda que tugúrio e imerecidos. 

[Como faria eu mesmo a minha própria antologia? Já lhes respondo: seria apenas um poema único, um certo Navio, uma tragédia no mar... Só? E mais... e mais... quem mesmo? Ah, já sei: nela, também a fina-flor do meu cupinchato que não é pequeno!]. 

— Comadre Coruja, me perdoe! Mas a senhora me disse que os filhotes mais bonitos da floresta eram os seus... — disse compadre Gavião depois de papiloscar todas as corujinhas.

Haja cururu! Haja príncipe! Quem os distingue? O compadre gavião? A comadre coruja? Ou o raposal do trecho?

__________

Soares Feitosa, 57, jornalista, é o responsável pelo

Jornal de Poesia, na WWW:

http://www.jornaldepoesia.jor.br


Claufe responde a Soares Feitosa

 

Sent: Thursday, December 13, 2001 4:35 PM
Subject: AINDA A POLÊMICA!!!

Como vai, Soares Feitosa?

Longa vida para o seu Jornal de Poesia.

Muito interessante o que você escreve sobre essa polêmica toda sobre as antologias. O Mano me repassou o texto. É isso mesmo, nunca - principalmente num país de poetas como o nosso - vai-se conseguir realizar uma antologia completa, equilibrada, definitiva. (Aliás, o Gerardo Melo Mourão ESTÁ nos 100 Anos de Poesia).

Acho que elas tem o valor de divulgar a poesia além do meio literário, e instigar os poetas e escritores a pensar um pouco sobre seu ofício.

Tenho encontrado alguns poetas (principalmente os da minha geração, surgida nos fins de 70) que ficaram muito magoados comigo. O que posso fazer? Se era pra encher a bola dos amigos teria feito de outra maneira.

Sabemos que cada poeta é um sol em si. Não conheço nenhum que não se ache o melhor do Brasil. Mas quando você está organizando um trabalho que se pretende mais democrático, abrangente e profundo, não dá pra fazer média. À medida que você vai mergulhando no trabalho, passa a relativizar as coisas. E como jornalista que sou, não dá pra ignorar o valor de alguns poetas muito especiais que, por motivos diversos, estavam injustamente esquecidos. 

Bem, toda discussão é salutar, mas só respondi à matéria do Sérgio Rodrigues porque achei que ele abordou nosso trabalho de forma superficial e leviana, criticando sem ler ou sem se informar, enfim, prestando um desserviço ao público e à poesia.

 
Um abraço,
e tudo de bom
 
Claufe Rodrigues <clauferodrigues@uol.com.br>  

Claufe,

            Com o GMM de dentro, começo a desconfiar que essa sua antologia está uma lindeza! Tenha no seu JP todo o espaço. Grande abraço e votos do maior sucesso! Abraço também à Alexandra. 

Soares Feitosa

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Antologia de

Claufe &

Alexandra 


Dos leitores  

Claudio Willer, cjwiller@uol.com.br

Caro Feitosa,

Há dois tipos de antologias de poesia contemporânea brasileira que eu evito discutir, por razões correlatas:

  • aquelas de que faço parte;

  • aquelas de que não faço parte.

Mas me parece que, de fato, ainda está um tanto difícil estabelecer quem é quem, na poesia brasileira da segunda metade do século XX. Isso, mesmo consultando gente que, literariamente, não nasceu ontem, como o fizeram os organizadores de 100 anos.

Sugiro retomarmos a discussão daqui a uns 30 ou 40 anos, uma vez assentada a poeira.

abrs, 
Willer

Carlos Pessoa Rosa meiotom@uol.com.br

 

Estou com Willer, 100 anos é muito pouco tempo para definirmos, com raras exceções, quem é quem no período escolhido. Toda obra de arte deverá resistir ao tempo, estar contextualizada em sua época — mesmo que os contemporâneos dela não a percebam como arte —, mas pertencer a todas. Acredito que somente um olhar distante e estrangeiro, poderá, com mais rigor e prudência, indicar com mais acerto e precisão, os verdadeiros representantes de um determinado corte temporal. Logicamente, isto não invalida as tentativas que aí estão, estejamos ou não, incluídos nelas, podendo servir mais tarde até como referência para análise.

Sabemos que em vários momentos da história, principalmente nos regimes totalitários — e hoje vivemos o totalitarismo da mídia —, faziam parte do mercado editorial os que estavam próximos do poder e nem sempre, como o tempo demonstrou, eram estes os reais representantes de sua época. Entretanto, não devemos nos esquecer da existência de um mercado editorial que precisa sobreviver, utilizando-se de técnicas de marketing de impacto que, indo de encontro às fantasias do leitor de acreditar que uma seleção traz algo de melhor qualidade — e muitas vezes a verdadeira obra choca o leitor de sua época —, deixam de lado a profundidade de análise para focalizar a possibilidade de lucro imediato.

As mudanças ocorridas no mundo nas últimas décadas, deram à mídia um poder  nunca imaginado, transformando seu espaço em veículo, se não único, pelo menos o principal, de propaganda. A partir do momento em que o livro começa a ser mais veiculado, as editoras precisam do espaço que a mídia detém, e esta, conseqüentemente, de artigos, reportagens e resenhas. A habitual crítica, profunda, começa a ser substituída pela necessidade de o mercado editorial acompanhar a velocidade com que a sociedade pede novidades, o que está levando à criação de empresas especializadas na produção de matéria jornalística que, como agentes intermediários, cobram a matéria do cliente, oferecendo-a aos jornais. 

Logicamente, o espaço vale para quem tem o capital, algo na mão que possibilite a barganha ou a amizade de quem articula no poder. Daí verificarmos que a crítica deixou, com raras exceções, de cumprir seu verdadeiro papel. Eu mesmo passei por uma experiência dessas. Meu livro "A cor e a textura de uma folha de papel em branco”, prêmio UBE/CEPE, contos, 1998, foi enviado para os jornalistas responsáveis do Ilustrada, Caderno 2, Mais!, etc, e não recebeu nada, nem elogio nem paulada, nem um aviso de recebimento, o que, com certeza, nada me acrescenta.

A Internet possibilita um salutar retorno à prática crítica, abrindo um canal de debate que, se bem aproveitado, poderá nos devolver a possibilidade de reflexão, como se faz agora, quando Sérgio Ramos lança sua opinião sobre “100 anos de poesia”, discutindo, com razão, não apenas os nomes selecionados, mas quais foram os critérios que levaram a tal escolha. Pudemos verificar na resposta que, realmente, os critérios utilizados por Claufe & Rodrigues se aproximam muito mais de uma necessidade mercadológica que de um estudo sério, com votação dos melhores e, pasmem!, utilizando como critério de publicação o tamanho do poema. Agrada-me saber que alguns se negaram ao convite de escolha. 

A crítica pode sanear o meio dos oportunistas, também possibilita àquele que entrou na máquina mercadológica cegamente, uma reflexão. Somente os organizadores da antologia poderão dizer a que vieram, logicamente. Quando o realizado é fruto de um trabalho sério e profundo, uma crítica bem fundamentada poderá nos levar a uma depressão que bem absorvida resultará, com certeza, em um questionamento e um crescimento; caso contrário, restarão agressões gratuitas.

Carlos Pessoa Rosa

 

 

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Antologia de

Claufe &

Alexandra 


André Seffrin

 

 

100 anos de poesia: Um panorama da poesia brasileira no século XX

Organização: Claufe Rodrigues e Alexandra Maia

O Verso Edições

2 v. 480 páginas

R$ 65,00

Toda antologia, sabe-se, é obra que já nasce polêmica. A esse respeito, adiantam-se Claufe Rodrigues e Alexandra Maia, ao apontar no prefácio a 100 anos de poesia: Um panorama da poesia brasileira no século XX: “Toda escolha é subjetiva, mas, na medida do possível, buscamos refletir as diversas tendências, estilos e caminhos da poesia brasileira, sem sectarismos ou preferências pessoais. A criação de um conselho editorial, formado por reconhecidos nomes do nosso meio literário, nos pareceu o melhor ponto de partida.”

Sim, dos maiores aos menores, dos esquecidos aos sempre lembrados, dos prógonos aos epígonos, quase todos os poetas importantes do século comparecem. À parte alguns senões, é obra indispensável à consulta, seja pelos critérios adotados, pela competência crítica da maior parte dos ensaios que precedem a seleção de cada período ou tópico, seja pelo nível gráfico da edição. Trata-se, vale ressaltar desde já, de uma pequena enciclopédia da poesia brasileira do século XX, cujo objetivo didático em nenhum momento perdeu de vista o termômetro crítico e historiográfico que se exige de uma obra dessa natureza. Nesse passo, é um verdadeiro manual, um guia para quem quiser entender a poesia brasileira numa visão de conjunto, sem subestimar ou superestimar determinadas escolas ou movimentos, sabendo-se de antemão que, como afirma Lêdo Ivo num dos ensaios finais do volume, “entre nós, e em sintonia com a cultura ocidental a que pertencemos, o que caracteriza a poesia, no umbral deste novo milênio, é o seu caráter anti-rotulatório”, ou seja, após as “estéticas definidas e espaços cronológicos, os poetas se foram desgarrando dos movimentos arrebanhadores do século passado para viver (ou tentar viver) a experiência da solidão e da diversidade, formando uma grande tribo de solitários e livres atiradores.”

Percebem-se aqui e ali os entrechoques naturais entre uma geração e outra, os preconceitos mútuos que a vida literária vai engendrando nas sucessivas gerações. Antonio Carlos Secchin, no exemplar ensaio que escreveu sobre o Parnasianismo, aborda com aguda percepção um aspecto-tabu: “Muito da mais relevante poesia do século XX herdou, e desenvolveu, mesmo envergonhadamente, subsídios da poética parnasiana, tais como a plasticidade do verso e o distanciamento (ou mascaramento) frente ao mundo que evoca.” E chama atenção para um problema crucial ainda inexplorado pelos nossos estudiosos: “Para seu infortúnio, ocorreu ao Parnasianismo, e bastante devido às chicotadas modernistas, o pior que pode acontecer a um estilo: ser execrado a priori, desligado de seu contexto”, pois, é forçoso reconhecer, “lidos sem preconceito, os parnasianos - como todos os poetas efetivos - ainda hoje tem o que ensinar aos novos poetas”.

Gilberto Mendonça Teles também se refere a determinados preconceitos de leitura, mas coube a Ivan Junqueira, ao escrever sobre as heranças do século XIX, colocar o problema em termos bastante claros: “Há algo que continua vivo apesar de morto. E esse algo que se recusa a morrer se chama tradição. (...) Não herdamos modelos nem situações históricas que se possam repetir, como tampouco doutrinas ou ideários estéticos que já cumpriram seu papel. Herdamos processos que se foram transformando no decorrer do tempo; herdamos a sensibilidade e a técnica de um verso que foi clássico, barroco, arcádico, romântico, simbolista, parnasiano, e que agora se proclama livre e heterométrico; herdamos um ritmo que nasceu com os antigos poetas da língua e que foi modificando diante de exigências que já não são as mesmas; herdamos a sensualidade e o cromatismo de imagens e metáforas que foram e continuam a ser apenas nossas, ou seja, dessa língua portuguesa que foi aqui amaciada e vocalizada; e herdamos um modo de vida e de compreender o mundo que também só poderiam ser nossos.” Assim, 100 anos de poesia é livro que traz os subsídios para que possamos entender os rumos da poesia brasileira num século que foi, sobretudo, diverso e múltiplo e que, ao contrário do que aparenta, ainda não foi estudado de maneira fecunda - antes de mais nada, diga-se de passagem, no que cabe à nossa herança simbolista. É nesse sentido que os organizadores conseguiram o mais difícil, ou seja, antologiar sem privilegiar tendências ou grupos, documentando de forma clara e geralmente correta o perfil de cada poeta.

Voltando aos senões que me referi anteriormente, ao lado de pequenos problemas de edição como o de dividir a bibliografia metade no primeiro volume (de A a F) e metade no segundo (de G a Z), há ambigüidades na cronologia. A presença de Jorge de Lima, Ribeiro Couto e Manuel Bandeira entre os pré-modernistas é uma delas. E por que Carlos Pena Filho e Francisco Carvalho figuram no primeiro volume, se a geração a qual pertencem só aparece a partir do segundo? Também Mário Quintana entre a geração de 45, apesar de sua estréia datar de 1940, força um pouco a régua das classificações.

Quanto à seleção dos nomes, me parece que nem sempre foi inspirada a atuação do conselho editorial, uma vez que certas ausências vão se chocar com algumas presenças discutíveis. Fábio Lucas, escrevendo sobre a contemporaneidade (que considera uma “imensa constelação de estrelas solitárias, cada qual com o seu brilho e a sua trajetória”), cita alguns nomes importantes não selecionados: Armando Freitas Filho, Foed Castro Chamma, Dora Ferreira da Silva, Jorge Tufic, Myriam Fraga, entre outros. A estes eu acrescentaria ainda os de Luis Aranha, José Paulo Paes, Affonso Ávila, Sosígenes Costa, Ariano Suassuna, Fernando Mendes Vianna, Zila Mamede, Octavio Mora, José Alcides Pinto, Lélia Coelho Frota, Marcos Konder Reis, Lupe Cotrim Garaude, Glauco Mattoso, Leonardo Fróes, Marco Lucchesi e Paulo Henriques Britto, cujas presenças enriqueceriam ainda mais o panorama.

Nada disso, é claro, invalida a importância do empreendimento, organizado com abertura e sabedoria. Livro que supera a efeméride, ele integra, a partir de agora, a estante principal dos estudos básicos para a compreensão de nossa literatura.

 André Seffrin é crítico literário.

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