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			Donizete Galvão 
   
            Dora Ferreira da Silva: diálogos 
			sobre poesia e filosofia, recordando Vicente Ferreira da Silva
 
            
 Donizete Galvão & Floriano Martins
 
 
 
 
            A idéia desta entrevista surgiu por 
			ocasião da publicação de Dialéctica das consciências e outros 
			ensaios (Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Lisboa, 2002), largo 
			volume que reúne parte considerável da obra filosófica de Vicente 
			Ferreira da Silva (1916-1963). Conversar com Dora Ferreira da Silva, 
			sua notável companheira de toda uma vida dedicada à poesia e à 
			filosofia, seria imprescindível. Além disto, Dora é uma das vozes 
			poéticas mais expressivas na tradição lírica brasileira. O poeta 
			Donizete Galvão, que compartilha comigo imensa admiração pela obra 
			de ambos, também seria a pessoa mais indicada para a realização do 
			presente diálogo, pois já de muito vínhamos conversando sobre o 
			quanto nos indigna o fato de que no Brasil pouco se percebe acerca 
			da grandeza do pensamento filosófico de Vicente. Já veremos o 
			resultado. [F.M.] 
 FM - Em que circunstâncias conheces o Vicente 
			Ferreira da Silva e quais identificações os levariam a compartilhar 
			toda uma vida, não apenas no plano amoroso mas no que diz respeito a 
			cumplicidades éticas e estéticas?
 
 DFS - A pergunta é de cunho bastante pessoal, mas ao mesmo tempo 
			significativa e importante. Você indaga a cerca das cumplicidades 
			éticas e estéticas entre mim e o Vicente. Conhecemo-nos muito 
			jovens. Eu com 15 anos e ele com 18 em um baile de formatura. Eu num 
			vestido branco longo, usava batom pela primeira vez. Vicente, muito 
			elegante, em seu smoking, cabelos queimados de sol, pele dourada. 
			Fomos apresentados por Milton Vargas que disse: Quero apresentar um 
			“gênio” para um outro “gênio”. Nessa época de juventude não 
			poderíamos ser menos do que “gênios”. Líamos Assim falava 
			Zaratustra, Dostoievski, nos identificávamos com os personagens. 
			Principalmente eu, que era quase uma criança e meio tola. Vicente 
			cursava Direito e estudava matemática com Fantappié. Tivemos um 
			diálogo surrealista nesse primeiro encontro. As perguntas eram 
			respostas e as respostas eram perguntas. Reconhecemo-nos parceiros e 
			o amor veio ao mesmo tempo. Casamo-nos cedo. Eu estava com 19 anos, 
			já formada pelo Instituto de Educação, e ele com 22, Bacharel em 
			Direito e estudante de Lógica Matemática.
 Ficamos casados 23 anos. Nossa vida foi a de dois seres voltados 
			para a cultura. Embora já escrevesse poesia, que só publicaria bem 
			mais tarde, estava identificada com Vicente. Eu era sua secretária e 
			aluna. Ouvíamos música e ele gostava de me ouvir lendo poesia. Lemos 
			juntos a obra de Rilke. Em 1939, Vicente fez sua primeira 
			conferência no Brasil sobre Lógica Matemática no Instituto de 
			Engenharia. Em 1940, publicou seu primeiro livro Elementos de Lógica 
			Matemática. Willard van Orman Quine, filósofo americano, professor 
			de Lógica Matemática, veio para o Brasil em 1942. Convidou Vicente 
			para ser seu assistente no curso que ministrou na Escola de 
			Sociologia e Política. Pouco depois, Vicente foi nomeado assistente 
			de Lógica na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, na recente 
			Universidade de São Paulo (USP), na rua Maria Antônia.
 
 DG - Como foi que o Vicente Ferreira da Silva 
			partiu da Lógica Matemática para chegar a Heidegger?
 
 DFS - O itinerário do pensamento de um filósofo não é algo que possa 
			ser explicado. Vicente sempre se interessou por Lógica Matemática, 
			mesmo ao cursar Direito. O encontro de um livro de Willard van Orman 
			Quine interessou-o vivamente. Ele já começara a escrever seu 
			primeiro livro Elementos de Lógica Matemática. O percurso de Vicente 
			da Lógica Matemática até Heidegger consta de várias etapas que só 
			podem ser devidamente compreendidas através da leitura do seu livro 
			Dialéctica das Consciências e Outros Ensaios. Como assina, com 
			justeza, António Braz Teixeira a reflexão de Vicente se encaminha da 
			Lógica Matemática para o domínio antropológico. Primeiro, de cunho 
			existencial, profundamente humanista, sem desatender o profundo 
			sentido e valor do mito e do sagrado. Na última fase do seu 
			pensamento, infelizmente inconclusa por causa da morte prematura de 
			Vicente, ele se concentrou na filosofia da mitologia sugerindo um 
			neopaganismo ou um politeísmo originário. Inaugura assim um caminho 
			reflexivo inovador e original. Dotado de grande força e alta 
			qualidade literária, o livro de Vicente interessa, certamente, às 
			novas gerações de amantes de filosofia e de poesia. Foi esse o 
			motivo propulsor que me levou ao duro embate da reedição de sua 
			obra. Se não fosse o encontro feliz com o filósofo António Braz 
			Teixeira, a obra importante de Vicente tornar-se-ia uma busca 
			arqueológica ou, então, ficaria restrita a gabinetes acadêmicos ou 
			bibliotecas particulares.
 
 FM - O Vicente publicou com freqüência suas 
			reflexões na Revista Brasileira de Filosofia e Diálogo. Qual a 
			importância dessas duas publicações na época? E com o que pode 
			contar hoje no Brasil esta área essencial do conhecimento humano?
 
 DFS - Vicente publicou muitos de seus artigos na Revista Brasileira 
			de Filosofia, na qual foi co-fundador com Miguel Reale. Em 1955, 
			fundou com Dora Ferreira da Silva e Milton Vargas a revista Diálogo, 
			considerada uma das mais instigantes do Brasil. Com a morte precoce 
			de Vicente em um acidente de carro, a revista Diálogo publicou um 
			último número e cessou. Dois anos depois, resolvi editar a revista 
			Cavalo Azul mais voltada para a poesia e a literatura.
 A revista Diálogo teve uma grande repercussão. Hoje, não se fala 
			mais dela. Há uma conspiração do silêncio. Ivan Junqueira e Per 
			Johns têm todas as revistas. Per Johns disse-me que o encontro com a 
			Diálogo foi muito importante para ele. Tenho guardada toda a coleção 
			da Diálogo, que foi até o número 16, dedicado ao Vicente. Sem o 
			Vicente, a Diálogo ficou sem sua alma. Só para se ter uma idéia, a 
			Diálogo # 7 trazia Vicente Ferreira da Silva, Milton Vargas, Heraldo 
			Barbuy, Mario Chamie, Ruy Apocalypse, a tradução de Quarta-feira de 
			cinzas de T. S. Eliot feita por mim e uma entrevista com Haroldo de 
			Campos.
 Mas pensei que não era possível parar. Por isso, fundei a Cavalo 
			Azul que teve 12 edições e acabou por motivos financeiros. A Cavalo 
			Azul # 1 tinha colaborações de Anatol Rosenfeld, Guimarães Rosa, 
			Clarivaldo Prado Valladares, Vicente Ferreira da Silva (Diálogo do 
			Rio, publicado postumamente), Vilém Flusser, Theon Spanudis, J. C. 
			Ismael, um artigo de J O Meira Penna chamado Donjuanismo e 
			existencialismo, a tradução de Os Discípulos de Saïs de Novalis, 
			feita por mim, traduções de Shakespeare por Péricles Eugênio da 
			Silva Ramos.
 
 DG - Como eram os diálogos entre Vicente 
			Ferreira da Silva e Agostinho da Silva? No que concordavam e em que 
			discordavam?
 
 DFS - Vicente Ferreira da Silva e Agostinho da Silva foram grandes 
			amigos, mas no tocante ao pensamento mais discordavam do que 
			concordavam. No plano do pensamento o Agostinho, para citar um 
			exemplo, gostava de Espinosa. Vicente, não. Vicente voltou-se mais 
			para o pensamento alemão, para os românticos alemães. Tinha 
			interesse por Novalis. Naquela época, em São Paulo, as livrarias 
			eram paupérrimas. Eu ia à Biblioteca Municipal copiar dados sobre 
			Novalis ou trechos de Novalis. Eu tinha um caderno preto com 
			pensamentos de Novalis.
 Isso para ajudar o trabalho de Vicente. Em São Paulo, não havia 
			livros de Novalis. As editoras não se arriscavam. Quem iria ler 
			Novalis? Retornando ao Agostinho, seus diálogos com Vicente ia de 
			manhã até a noite. Surgiu o assim chamado Alcorão. Nome escolhido 
			por Agostinho para o cerne dessas conversas por ele redigidas. No 
			entanto, o Alcorão é muito mais Agostinho do que Vicente Ferreira da 
			Silva.
 Vicente lecionou a vinda inteira sem ganhar nada. Aliás, quando 
			houve a recusa do nome dele para a USP, Cruz Costa não teve culpa 
			nenhuma. Recusaram ao mesmo tempo Vicente, Oswald de Andrade e 
			Renato Czerna que, mais tarde, foi ser catedrático na Universidade 
			de Roma. Foi a única vez que vi o Vicente abalado. Ele tinha uma 
			vocação socrática, adorava ensinar. Continuou a fazer isso. A nossa 
			casa foi um centro de cultura. Todos os professores que vinham da 
			Europa para dar aulas na Universidade passavam por nossa casa. A 
			conversa de Vicente era brilhante como aquilo que ele escreve.
 
 FM - O Eudoro de Sousa (1911-1987) tinha 
			observações valiosas sobre as relações entre mito e poesia, e 
			costumava dizer que “O primeiro poeta foi o primeiro mitólogo; isto 
			é, o primeiro que disse, ou cantou, certa realidade outrora 
			consentida e convivida por todos os participantes num drama ritual.” 
			Por sua vez, Vicente Ferreira da Silva, ao refletir sobre o aórgico 
			(“o não posto pelo homem, […] o que não se apresenta como um 
			resultado da produtividade artístico-criadora do sujeito”), dizia 
			que “o homem é um ser abandonado ao seu próprio modo de ser, 
			fascinado em si mesmo, sempre aquém do princípio limitante da 
			matriz”, e que “o mito nos instaura fora de nós mesmos, é um 
			ser-fora-de-si que, entretanto, nos elucida acerca de nossa própria 
			proveniência”. Pode-se entender como confluentes as idéias de ambos?
 
 DFS - O problema é bastante complexo. Vicente e Eudoro de Sousa não 
			se influenciaram reciprocamente. Trilharam caminhos paralelos e 
			coincidentes, mas não totalmente iguais. Eudoro de Sousa logo partiu 
			para Brasília, onde foi professor universitário. Quando vinha a São 
			Paulo, passava o dia conversando com Vicente. Eudoro não escrevia 
			cartas. Era bastante tímido. Quando vinha em nossa casa, vinha 
			sozinho. O romantismo alemão exerceu muita influência sobre Vicente. 
			A palavra “aórgico” é tirada de Hölderlin e significa o “não feito 
			pelo homem”, o “orginário”.
 
 DG - Você disse que Vilém Flusser mudou depois 
			de conhecer Vicente. No que foi que Vicente influenciou o pensamento 
			de Flusser?
 
 DFS - Vicente e Flusser foram assíduos interlocutores. Era nítida a 
			influência do pensamento de Vicente em Flusser, quer concordasse ou 
			discordasse. Em primeiro lugar, Flusser abandonou os negócios que 
			herdara do pai para se dedicar aos estudos filosóficos. Dizia ele 
			que os negócios o ameaçavam de esquizofrenia porque só se sentia bem 
			entre os livros. Creio que a presença instigante de Vicente, que 
			também fizera a opção pela filosofia, deve tê-lo estimulado em sua 
			escolha.
 
 FM - Certa vez o Antonio Braz Teixeira afirmou 
			que Vicente Ferreira da Silva seria “o mais brasileiro dos filósofos 
			brasileiros, pela divinização da natureza e pelo 
			politeísmo/paganismo do seu pensamento, pelo verdadeiro sentido 
			cósmico que revela”, vendo nele, ao lado de João Guimarães Rosa, 
			Ariano Suassuna e Glauber Rocha, as expressões culturais mais 
			autênticas “do Brasil profundo e das virtualidades e especificidades 
			da cultura brasileira”. Acaso estarias de acordo? E que paralelos 
			seria possível traçar entre esses quatro nomes referidos?
 
 DFS - De fato, António Braz Teixeira afirmou isso. A caracterização 
			da personalidade de Vicente parece-me certa. No tocante a relação do 
			pensamento do Vicente com a obra de Guimarães Rosa, já não considero 
			isto tão óbvio. Entre eles sempre houve grande cordialidade, mas no 
			trecho de uma carta de Guimarães Rosa para Vicente, podemos 
			adivinhar as diferenças entre ambos. (Dora passa a ler a carta).
 “Recebi sua carta. Li-a com vivo interesse e ajudou-me a pensar 
			muita coisa. Temos de conversar horas vastas, mas só quando eu for 
			aí ou você vier ao Rio. Em carta a gente se desentende. Nisto, como 
			em tudo mais, o que vale são os detalhes e o calor da vida. 
			Conversaremos, reconversaremos. Antes, porém, você tem de ler o 
			Corpo de baile inteiro. Está seguindo um exemplar para você e Dora. 
			Valeria a pena, quem sabe, reler também Grande Sertão: Veredas que, 
			por bizarra que você ache a afirmação, é menos literatura pura do 
			que um sumário de idéias e crenças do autor com buritis e capim 
			devidamente semicamuflados.
 Depois, preciso de terminar todo o Berdiaeff em quem estou me 
			encontrando maravilhadamente quase que ponto por ponto. Formidável! 
			Até aqui estou em que subscreveria os 90% dele. Muitas coisas que eu 
			sofrera tempo e ânsias para descobrir sozinho por mim, agora estou 
			as achando nele. No duro do russo! Com Jaspers, também 
			freqüentemente concordo e mesmo com Kierkegaard. Com Heidegger, não. 
			Sinto sempre que ele, tal como Nietzche, ouviu o galo cantar só pela 
			metade. No entanto, o sein zum Tod, o Homem é para a Morte, eu 
			aceito sinceramente. Principalmente, porém, estou nesta cintilante 
			linha: Platão, Bergson, Berdiaeff, Cristo.
 Estou falando muito de mim, mas é por causa do seu cordial interesse 
			e para vocês me conhecerem melhor previamente. Desconfio de que sou 
			um individualista feroz, mas disciplinadíssimo. Com aversão ao 
			histórico, ao político, ao sociológico. Acho que a vida neste 
			planeta é caos, queda, desordem essencial, irremediável aqui. Tudo 
			fora de foco. Sou só religião, mas impossível de qualquer associação 
			ou organização religiosa. Tudo é o quente diálogo, tentativas de com 
			o infinito. O mais, você deduz. O intelectual repugna-me. Zurück ( 
			para trás) nunca. Para coisa nenhuma. Só hinauf ( para cima). A 
			busca da plenitude: um fato.
 Mas com a prévia abolição total do sofrimento. Muito de Lawrence, eu 
			aceito mas ele, acho, não completou a curva, a trajetória ( morreu 
			muito jovem, aos 46 anos, observa Dora). Tudo o que é discórdia, 
			agressividade, destrutividade tem de se transformar, desaparecer 
			antes. Cristo, o Cristo verdadeiro, cabe. Tem seu ensino 
			indispensável: “os mansos herdarão a Terra”. Você conhece os livros 
			de Dunne, o inglês serialista? O ensino central de Cristo, o do 
			reino dos céus dentro de nós, é: 1º O domínio da Natureza. A 
			começar, pela natureza humana de cada um, mediante a Fé que é a 
			forma mais alta e sutil da energia a qual o mundo é plástico. 2º O 
			Amor. Possibilidade de coexistência sem o mínimo sinal de atrito, 
			conflito, desarmonia, destruição ou desperdício. Sobre esta 
			plataforma, o Céu. As possibilidades infinitas de um sempre evoluir 
			em plenitude, prazer, alegria ininterrupta, cada um invulnerável.
 Como numa peça de teatro, o Grande Sertão diz mais de uma vez: será 
			que me falta grandeza? Bem, por hoje tagarelei demais. Forte abraço 
			amigo. Tantas lembranças à Dora. Lembranças à Diva e ao Milton 
			Vargas, Outro abraço do seu, Guimarães Rosa.”
 
 DG - O Vicente tinha uma visão politeísta e 
			você em certos poemas une um certo neopaganismo com o cristianismo. 
			Seu pensamento foi por caminhos diversos do pensamento de Vicente?
 
 DFS - Vicente e eu fomos casados e parceiros. Estudamos juntos. Como 
			disse, datilografei quase toda sua obra, mas nunca me identifiquei 
			totalmente com seu pensamento. Sou de ascendência grega. Acho que os 
			deuses gregos respondiam a imago dei dos gregos. Não nego que eles 
			se imiscuem à minha sensibilidade. Meu itinerário poético prosseguiu 
			após a perda terrível que sofri com a morte de Vicente. Durante uma 
			viagem à Itália, em Ravena, vi na abside de uma igreja bizantina um 
			pastor imberbe tangendo suas ovelhas. Tive um insight. Lá estava 
			diante dos meus olhos o Bom Pastor em sua forma originária e pagã. 
			Não é de mim que devo falar nessa entrevista. Mas é certo que meu 
			sentimento e pensamento, e a poesia deles decorrentes, têm um 
			percurso próprio. Nada foi recusado ou abafado da vida anterior 
			partilhada com Vicente. Meu caminho prosseguiu e tem um matiz 
			próprio.
 
 FM - Ao final de 2002 se publica em Portugal 
			Dialética das consciências e outros ensaios, que é o que existe de 
			mais abrangente em termos de reunião do pensamento humanístico de 
			Vicente Ferreira da Silva. Este volume inclui também textos 
			dispersos e inéditos. Indagar o motivo da publicação portuguesa 
			equivale a indagar sobre os impedimentos de uma edição brasileira. 
			De que maneira e por quais motivos o Brasil não percebe a existência 
			de um filósofo cuja essencialidade especulativa, ainda que 
			inconclusa, permanece atual e repleta de sutilezas surpreendentes?
 
 DFS - Esta pergunta só pode ser potenciada. Porque a mesma pergunta 
			eu me faço. Mistério! Aqui eu estou falando menos como esposa do que 
			como a parceira intelectual de Vicente, o que é bastante 
			constrangedor. Bati à maquina praticamente sua obra inteira. Não 
			estudei na USP, mas tive o melhor professor de filosofia. Concluo 
			dizendo que as novas gerações poderão ler Vicente sem precisar ir ao 
			sebo. Vi um livro anotado por muitos na mão de um jovem que me 
			procurou há tempos perguntando como e onde poderia encontrar o 
			livro. Fica assinalado aqui o meu reconhecimento a Portugal e ao 
			professor António Braz Teixeira que nos dão de presente o pensamento 
			brasileiro que estava fadado a permanecer em gabinetes fechados, ou 
			em teses universitárias e de valor, de difícil acesso. Há pelo menos 
			9 delas, uma defendida na Itália na Universidade de Roma. A Livraria 
			Camões, no Rio de Janeiro, foi encarregada de distribuir o livro no 
			Brasil. Ele já pode ser encontrado em várias livrarias de São Paulo.
 
 DG - No pensamento de Vicente, a poesia ocupa 
			um ponto central. O que você tem a dizer sobre o Diálogo da Montanha 
			(Diálogo # 16) onde George, Mário e Diana conversam e George 
			interroga sobre qual a contribuição da erudição, da metafísica e do 
			tropismo pela poesia para a civilização?
 
 DFS - Creio que só a morte detém o nosso percurso não só o exterior 
			como o interior. Acredito que Vicente é importante para as novas 
			gerações que se defrontam com um mundo dessacralizado e carente de 
			alimento anímico. Vicente é um pensador religioso, não no sentido de 
			uma determinada confissão, mas em um sentido mais amplo do 
			sentimento do sagrado. Partilhamos filosofia e poesia. Sendo que ele 
			era professor na primeira e discípulo na segunda.
 Se exagero, me perdoem. Tudo isso é uma tentativa de dizer o que foi 
			vivido. Particularmente, o Diálogo do Mar e o Diálogo da Montanha 
			foram inspirados mais de perto na vida vivida.
 O Diálogo da Montanha se passa na Serra da Mantiqueira. Mário, que 
			corresponde a Vicente, e Diana, que corresponde à Dora, são irmãos 
			espiritualmente falando. George é Agostinho da Silva. É ele que 
			deflagra o diálogo. Evidentemente, estes são sinais aproximativos de 
			uma realidade muito mais rica. Talvez se possa dizer que todos os 
			personagens são heterônimos do próprio Mário (Vicente) e de sua 
			Sóror Mística (Dora). Creio que esse diálogo deve ser lido e 
			meditado. Também acho que é complexo demais para ser reduzido a uma 
			súmula ou simplificação. Sua qualidade literária e filosófica está 
			aí para ser meditada e admirada. Enfim, com a reedição da obra de 
			Vicente, é com a maior alegria que entrego às novas gerações o 
			Tesouro Oculto - a obra inconclusa de Vicente Ferreira da Silva.
 
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 Donizete Galvão (1955). Poeta. 
			Autor de livros como Do silêncio da pedra (1996), A carne e o tempo 
			(1998) e Ruminações (1999). Floriano Martins (1957) é um dos 
			editores da Agulha. Entrevista realizada em setembro de 2003. 
			Revista Agulha # 36. São Paulo, Fortaleza. Outubro de 2003.
 
 
 
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