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Cláudio Murilo Leal

Thomas Colle,  The Return, 1837

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Poesia:

Ensaio, crítica, resenha & comentário: 


Fortuna: 


Alguma notícia do autor:

Nasceu no Rio de Janeiro (RJ), em 1937. Doutor em Letras e Mestre em Literatura Brasileira pela UFRJ. Professor da UFRJ; da Universidade de Essex, Inglaterra; da Universidade Toulouse-Le-Mirail, França; da Universidade de Brasília (1971/79, período em que colaborou com os jornais Correio Braziliense e Jornal de Brasília); diretor do “Colegio Mayor Universitario” Casa do Brasil, em Madrid. Atual presidente do PEN Club do Brasil. Bibliografia: Poemas; Novos Poemas; Fonte; Gesto Solidário; As Doze Horas; A Rosa Prática; A Musa Alienada; Poemas de Amor; Caderno de Proust (Prêmio Nacional de Poesia do Instituto Nacional do Livro, 1981); A Velhice de Ezra Pound; O Poeta Versus Maniqueu; Escrito en la Carne; Reflets; As Quatro Estações; Catarse; As Guerras Púnicas; Treze Bilhetes Suicidas; Módulos (antologia, Sette Letras); e Cinelândia. Tradutor da Antologia Poética, Carlos Drummond de Andrade, Espanha (1986); e organizador de Toda a Poesia de Machado de Assis, Record (2008).

Fonte:

Site do poeta Antônio Miranda

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Ruth, by Francesco Hayez

 

William Bouguereau (French, 1825-1905), L'Innocence

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Um esboço de Leonardo da Vinci, página do editor

 

 

Cláudio Murilo Leal

 

A Poesia de Regina Lyra

e sua Contemporaneidade

(Uma Lira que Foge dos Caminhos Convencionais)

 

 Regina Lyra, neste livro emblematicamente intitulado Entre_Nós, consolida o seu nome como uma das mais interessantes poetisas da contemporaneidade. Cerca de 90 poemas compõem as cordas de uma lira que foge dos caminhos convencionais, quebra a rotina do déjà vu, e experimenta novas linguagens: uma lira que delira.

 Sem inscrever-se na categoria dos starters of crazies – começadores de maluquices – na classificação de Ezra Pound, em seu ABC of reading, Regina renova as estruturas do verso discursivo, respeitando a tradição sem submeter-se às normas (e aos cacoetes) da poesia modernosa. Ao trabalhar a forma para melhor adaptar seu pensamento e sua emoção a uma linguagem sintética, veloz e funcional, a nossa poetisa coloca-se sob o signo da ruptura. Rompe com os esquemas formais rotineiros; com as subjetividades suspirosas e lacrimogêneas do romantismo démodé; com o verso anacrônico, que algumas poetisas de sarau ainda utilizam para chorar as suas mágoas e dores-de-cotovelo.

 Regina Lyra não escreve poesia de gênero: feminina ou masculina. É uma poesia vigorosa que demonstra a coragem dos que querem ultrapassar os limites da mesmice, as fronteiras do nhenhenhém da poesia convencional. Entre_Nós foi escrito a ferro e fogo.

 Uma poesia vertical, que vai fundo, que não fica boiando, sem entender o mundo e os homens. Assim, não são raras as palavras grafadas mimeticamente, como palmeiras solitárias e verticais; palavras que se destacam no poema ao produzir a impressão de uma retórica enfática, que duplica a força da palavra dentro da economia sintática do poema.                               

               

           – Construção perfeita

           Amizade

                                   v

                                   e

                                   r

                                   d

                                   a

                                   d

                                   e

                                   i

                                   r

                                   a

         

 

Ao reler o poema, pergunto, ingenuamente, pois todos já conhecem a resposta: Qual o único adjetivo que caracterizaria integralmente o sentimento da amizade? Claro, o adjetivo verdadeira, não há outro. E ele, adjetivo, destaca-se graficamente no poema, como uma metáfora visual em sua importância unívoca.

O domínio da carpintaria poética não retira de Regina Lyra o seu inspirado olhar, voltado para o cotidiano: "Sobre a musa, / Cotidiano da vida, Circula calor ardente / - encontro amado".

Mestra em condensar a sua mensagem em poemas curtos, este recorte sintético do seu lirismo nada deve ao ultrapassado poema-minuto modernista, que distribuía pílulas de poesia como poetas-farmacêuticos manipuladores de homeopatias.

Nada mais incisivo do que o poema "Amor no Tempo Solar"

 

                        Ando em pensamento,

                        Navego na poeira do tempo.

                        Vislumbro a cadência

                                   (a)

                                   temporal.

 

                        Toco nos raios da constelação

                        Refletidas imagens

                        Amadas em tempo.

 

 Regina Lyra escreve uma poesia subjetiva, pois tudo passa pelo crivo de sua alma de poeta. Mas ao falar de si, transmite a sua generosidade para com o Outro. Ela fala de todos nós; interpreta os nossos sonhos, angústias, saudades e desencontros. Ela é a porta-voz das inquietações coletivas. Entre_Nós é justamente isso: um traço de união, uma ligação direta, através do poema, entre o poeta, que sente e escreve, e as pessoas que não conseguem expressar em palavras os seus sentimentos. Entre_Nós é um braço estendido à solidariedade, o eu da poeta transforma-se em nós, quando o leitor, que saiba ler, introjete os versos, adotando-os como seus. Claro, há os insensíveis, e para esses Regina Lyra também dedica a sua nostálgica reprimenda:

 

                        A palavra existe para ser dita,

                        Mas infelizmente surge também

                        Para quem não sabe usá-la.

                        Estes não sabem ler

                        O espelho d'alma.

 

 

        Neste livro, as velhas dores amorosas recebem um tratamento original. Há poemas estranhos, que não se perdem em hermetismos, mas, como os de Emily Dickinson, são instigantes, ao inventar novas entonações, novas organizações no formato dos versos. Os encontros consonantais abruptos revelam uma dicção rascante e áspera que não é comum de ser encontrada na suposta melodia inerente ao poema lírico:

 

                        Neste limiar absoluto

                        Dos desejos interruptos

                        Sentir no coração os apelos

                        Obsoletos.

 

        Assim é a poesia de Regina Lyra, doce e selvagem em seus arroubos amorosos. Formalmente, ao respeitar a tradição lírica, ela sabe, ao mesmo tempo, renovar-se em um verso livre, autêntico e forte.

 

 

* Escritor

Presidente do Pen Clube do Brasil

Rio de Janeiro - RJ.

 

 

   
 
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Cláudio Murilo Leal

 
20/2/1999

Um poeta sempre comprometido com os direitos humanos 
Cláudio Murilo Leal

Introdução a escombros de Moacyr Félix.. Editora Bertrand Brasil, 201 páginas. R$ 

Moacyr Félix impõe seu nome como um dos mais significativos poetas brasileiros contemporâneos ao publicar, em 1998, "Singular e plural" (Record) e "Introdução a escombros" (Bertrand Brasil, com apoio da Biblioteca Nacional). Este último livro confirma a biografia e a trajetória de Moacyr, construída sob a inspiração de um pensamento comprometido com a defesa dos direitos do Homem e a justiça social. 

Formalmente, Moacyr Félix sempre se revelou um adepto do verso livre, discursivo, cadenciado em largos haustos, grandiloqüente e inflamado. Como se pode inferir dessa postura social e dessa eleição estilística, ele caminha na direção oposta às tendências da moda poética desta década, caracterizada pela alienação política, pelos bizantinismos de linguagem, pelo poema minimalista, contrafação do poema minuto modernista, mas elaborado, hoje, num tom de pedante chinesice artesanal. Década de poetas de chute curto, como disse Drummond da Geração de 45, de poemas anêmicos, de hermetismo oco. 

Moacyr Félix se insere na vertente dos poetas que não amputaram o conteúdo de seus poemas mas, ao contrário, se orgulham de possuir uma mensagem a ser transmitida aos homens e ao mundo, assim como Walt Whitman, Maiakovski, Pablo Neruda e Allen Ginsberg, que propugnaram por dar um sentido mais solidário às palavras da tribo. "Introdução a escombros" não é, no entanto, um livro panfletário, subordinado à estridência dos comícios e à lavagem cerebral das palavras de ordem e dos lugares comuns, marca registrada dos poetas movidos apenas pelo engajamento social. Nos poemas de Moacyr, as indagações metafísicas sobre o Ser e o Mundo são a sua contrapartida à dialética do pensamento socialista. A morte, as angústias existenciais, as incertezas do amor são temas que convivem com as estatísticas que relembram ao leitor o que já saíra nas efêmeras páginas dos jornais: ‘‘Cerca de 23,65% da população brasileira vive com US$ 1 ou menos por dia". O poeta vê o Homem como um todo: indivíduo e ente social. Aí reside a grandeza da obra de quem, aos 72 anos, vibra com um coração de jovem embriagado pela utopia. 

Mas sobre o que fala Moacyr Félix? Os temas são aqueles intensamente vivenciados pelo ser humano em geral: a velhice (‘‘os súbitos vazios e a tristeza / arquitetados pelo tempo em mim’’), a liberdade e a repressão, o amor, a exploração do homem pelo sistema do mercado global. 

No entanto, é na especial relação das palavras entre si, uma espécie de sintaxe privilegiada na economia verbal do poema, nas iluminações metafóricas disparadas por inusitados sintagmas (‘‘neste titânico inverno’’ ou ‘‘escalar o corpo dos horizontes enforcados’’) que uma alta voltagem poética eletriza a linguagem do poema. 

Não sei se a poesia de amanhã voltará a dizer, no sentido de manter algum compromisso com a mensagem, ou se continuará a traçar arabescos na folha em branco, tentando compor uma sinfonia sem sentido ou um poema escrito ‘‘por um idiota, cheio de som e fúria".’ Moacyr Félix, pelo menos, quer se fazer entender, mas sem vulgarização dos valores estéticos que norteiam a sua arte poética. A ponte para este projeto é o poema que significa, o oposto daquele que, na visão retificadora dos concretistas e epígonos, torna-se apenas um objeto vazio de sentido. 

CLÁUDIO MURILO LEAL é poeta

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Cláudio Murilo Leal

19.01.2002

Versos de um mundo em transe

Alexei Bueno traz a voz eloqüente dos poetas-gladiadores em resistência às seduções da modernidade caótica e à desumanização

CLÁUDIO MURILO LEAL

OS RESISTENTES

Alexei Bueno

Francisco Alves, 72 páginas

R$ 15

A poesia brasileira atravessou, recentemente, uma fase de anemia criativa, quando tentou reabilitar a experiência do poema-minuto modernista, com tendências hai-kaiceanas à obviedade, como modelo de uma pretensa economia verbal. Os poemas produzidos tornaram-se pequenos no tamanho e pobres de conteúdo.

A chamada geração mimeógrafo, por exemplo, encurtou estruturas na busca de microcosmos líricos, mas o resultado final não convenceu. A pílula poética não fez efeito no leitor: a técnica, parca e pouca, banalizou os textos. Nessa linha minimalista, salvou-se a produção de alguns poetas mais velhos, como Mário Quintana e Manuel de Barros, além do jovem Alexei Bueno, um dos poucos que experimentaram com sucesso o desafio do hai-kai.

A reação a essa indigência abriu caminho para um neo-discursivismo, como proposta de revitalização do verso. Assim como as duas faces de Janus, o poeta pós-moderno direcionou o seu olhar para o passado que se mantém vivo, mas adotando, por outro lado, o poundiano lema do make it new, na tentativa de conquistar uma dicção própria e original. Entre tradição e ruptura, situa-se a eloqüente voz de Alexei Bueno, especialmente audível no seu último importante livro de poemas Os resistentes.

Fluxo - Trata-se uma saga que narra, num fragmentado fluxo de consciência, os embates do homérico Ninguém, representação da individualidade, contra Todos, símbolo das Massas e de sua cultura avassaladoramente consumista. A ameaça do aniquilamento do Ser paira sobre o Poeta, que profere um ''rotundo e sublime'' NÃO, como senha de resistência às investidas do Mercado, das Ditaduras, das emblemáticas logomarcas de uma globalizada mcdonaldização. A negação se transforma numa estratégia de sobrevivência : ''Ao desejo: não quero./À velocidade: mais devagar.''

O pathos, que infla o estertórico discurso poético de Alexei, coloca em cena o conflito secular entre o indivíduo e o coletivo. O poeta resiste à multidão. Ninguém versus Todos. Homero/McLuhan, referências antinômicas que dramatizam a ação de Os resistentes. Poema sinfônico, composto de 12 movimentos, Os resistentes revela uma estridência dodecafônica, entre Schönberg e Finnegans Wake, oscilando também entre o vetusto alexandrino e o verso libérrimo, vazado em largo hausto, de ressonâncias bíblicas, onde também ecoam os ritmos de Whitman e Péguy. Alexei recria, assim, com extrema perícia, os ritmos consagrados que, mesclados aos de sua lavra, instauram uma nobre e nova cadência: o alexeidrino.

Um dos temas recorrentes em Os resistentes focaliza o duelo entre o herói homérico, que encarna a unidade do Ser (paradoxalmente apodado Ninguém) e a humanidade pasteurizada pela mesmice das modas, da mídia e das guerras. Numa cruzada contra a desumanização, o poeta é aquele que resiste ao facilitário sedutor da modernidade.

Pound - Como Os cantos, de Ezra Pound, Os resistentes são um travelling fractal da história da (in)civilização. À ação funesta de Todos, se interpõem os mártires, poetas, heróis e santos - Gautama, Homero, Leônidas, Che, Proust, Sêneca. Estas são algumas das personae que Alexei Bueno sabiamente invoca para compor as simbólicas hostes que vão neutralizar os ditadores terceiro mundistas: Batista, Somoza et caterva. Outros pop-heróis, como o Capitão América, o Super Homem, a Mulher Maravilha, colaboram na programação de um apocalipse virtual que irá destruir as minorias sensíveis, demasiado humanas. A imagem do Inferno nas gravuras de Doré é substituída pela fluorescente tela do Fliperama. Alexei, poeta visionário e cósmico, registra a caótica rotação do Universo em que vivemos. Contra os homens robotizados, o Poeta reúne forças espirituais para criar a falange dos resistentes, poetas-gladiadores que guardam em seus corações uma esperança de desalienação das massas consumistas e videóticas.

A lúcida poesia de Alexei está engajada no combate contra a reificação da humanidade. Opostamente, o fantasmagórico homem-coisa, que transita subliminarmente pelo Poema, não se comove com as perplexidades e as indagações do Poeta diante do nosso indecifrável mundo interior: ''Um momento em que será preciso que nos olhemos no espelho sem fundo/e perguntemos: o quê? / O que será nosso sentido? Qual o nosso destino? / E nem diremos a anêmica palavra felicidade, / Nem a utópica palavra plenitude, nem a modesta expressão paz de espírito, / Nem entreveremos o semblante de Deus.''

O amplo mosaico da história universal, que Alexei Bueno compõe com tintas vibrantes, propicia uma visão pontilhista e intermitente do Vazio que se instalou na alma do homem moderno: o hollow man, o homem oco de T. S. Eliot. A obsolescência, outra alegoria de Alexei, também permite a proliferação dos espaços vazios. Os materiais degradáveis e a velocidade tecnológica transformam em obsoletos gadgets os ícones da modernidade.

Desumanização - Os resistentes configura a epopéia da desumanização, narrada numa linguagem em construção, que trabalha contra a corrente dos estilos diluídos. Sem planejados hermetismos, a escritura vocalizada de Os resistentes atinge o seu objetivo de denúncia e revolta, conquistando um lugar de destaque na poesia brasileira contemporânea.

Num tom de comício existencial, apropriado para despertar as consciências, o Poeta se insurge contra esta pseudo-Civilização, considerando-a culpada pela perversa tentativa de (con)fusão do eterno (o Ser) com o descartável (o Objeto). Vítima do mal-estar da modernidade, Alexei Bueno também resgata, no mundo exterior, com a força de seus versos cristalizados em verdadeiras pedras de toque, a utopia da harmonia universal. ''Se em algo senti a harmonia oclusa do Universo, / Se em algo entrevi a mão que move os círculos atônitos dos astros, / Se assisti aos planetas e aos átomos nas moléculas, as elipses ./. Sem saudade dos cometas nas parábolas íntimas do sangue ...''

Cláudio Murilo Leal é poeta e professor doutor pela UFRJ