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			Cleberton Santos 
   
            Humberto Fialho Guedes: poeta da 
			paixão
 
            
 Cleberton Santos1
 
 
 
            Livro de Celina foi publicado em 1985, 
			pelas Edições Macunaíma (Salvador), com projeto editorial de Myriam 
			Fraga, capa e ilustrações de Calasans Neto. Os quarenta poemas do 
			livro estão divididos em quatro partes: a primeira não intitulada, a 
			segunda “A casa e sua arquitetura”, a terceira “Contemplação da 
			morte” e a quarta “Livro de Celina”. 
            Através das fraternais palavras de 
			Walter Queiroz e da visão crítica de Godofredo Filho, o livro 
			apresenta um pouco do homem e do poeta que foi Humberto Fialho 
			Guedes (1944-1982), para o leitor que ainda desconhece a poderosa 
			alquimia verbal que emana dos versos deste baiano. 
            A poesia amorosa, ou mesmo erótica, é 
			uma das tônicas que prevalece no conjunto dos poemas. Já na primeira 
			parte, encontramos composições que poderiam, sem sombra de dúvida, 
			inscrever o nome de Humberto Fialho Guedes entre os maiores líricos 
			amorosos da tradição brasileira, a exemplo desta:
 Quando,
 dos teus olhos
 nos meus olhos
 deu-se o espanto
 aconteceu
 depois da pausa
 dar-se o encanto.
 
 (Dos teus olhos, p. 21)
 
 
            O encanto amoroso, assim como o da 
			criação poética, é precedido pelo espanto do encontro imprevisível 
			dos amantes ou das palavras que se chocam no texto causando no 
			leitor um certo estranhamento pela novidade dos sentidos:
 O corpo é nada mais que chama
 possuído de insetos
 e das carnes florescem chagas
 (abertas)
 poluídas de gozo:
 bebido na mulher amada
 num desejo.
 
 (Poema, p. 22)
 
 
            Os olhos da amada são fontes 
			inesgotáveis para essa poesia que se alimenta do sensual e do 
			transcendente, do corpo da paixão e da ausência da amada, dos anjos 
			de pedra e da solidão do exílio. O tema da viagem é retomado na 
			visão da partida, quando o olhar da amada confunde-se com a paisagem 
			marítima:
 Verde no mar
 simplesmente
 balouça nas ondas
 branca vela.
 E perde-se o olhar da amada ao longe
 ns areias.
 Azul
 misto de branco
 espumas fazem nuvens
 lá no céu.
 E perde-se ao longe o olhar da amada.
 
 (Paisagem, p. 23)
 
 
            Humberto Fialho Guedes, eis um poeta 
			que sabe fabricar “em sons e búzios” a imagem da amada projetada na 
			memória. Pois, somente o canto que emana do peito de Orfeu é capaz 
			de eternizar o sentimento amoroso:
 Perco-te,
 e como se ainda
 e antes que de todo se desfaçam
 as tuas mãos
 amo-te na memória dos teus gestos
 que apascentei outrora no meu peito.
 
 (Perco-te, p. 29)
 
 
            Mas nosso poeta, não foi somente o 
			cantor das “rubras faces da amada”. Ele também praticou lucidamente 
			a luta vã com as palavras. Porém, neste quixotesco duelo, o vencedor 
			será sempre o leitor da grande poesia que nasce do silêncio 
			escondido na “sólida armadura” das palavras:
 Ir de encontro à palavra e, face a face,
 enfrentá-la envolta em sólida armadura
 (metálico é o verbo, como o aço,
 e não cede ao sopro do que é vento apenas).
 
 (A palavra, ... p. 55)
 
 
            O tom metapoético, característica base 
			da sua geração, está espalhado nas entrelinhas de outras composições 
			como Poema, Soneto, O gesto e sua semeadura e Poema canto . Refletir 
			sobre a criação estética, não para realizar tratados vazios de 
			teorias conceituais ou para celebrar as potências divinas da 
			expressão invulgar, mas, antes de tudo, para construir um edifico 
			lúcido da linguagem “visando o que há de essência na palavra”. Pois, 
			a verdadeira poesia, aquela feita de sons, ritmos e formas em seu 
			amálgama de projeção verbal e mental, é imorredoura:
 E não se tema a morte do verbo!
 O que há de pura essência da palavra
 não morre nunca; resiste, e imutável,
 habita os corações, e permanece – fica.
 
 (Idem, p. 56)
 
 
            E para finalizar nosso convite à 
			leitura do Livro de Celina, recorremos às sábias palavras da 
			professora e ensaísta Simone Lopes Pontes Tavares: “Poesia que nos 
			traz, através da temática do sentimento atávico do desejo, a força 
			de uma linguagem calcada em uma estrutura limpa, clara, elegante, 
			concisa”. 
 
 
            [1] Poeta, crítico literário, 
			mestre em literatura e diversidade cultural e professor de língua 
			portuguesa e suas respectivas literaturas no CEFET - Valença. Autor 
			de Lucidez Silenciosa (2005, Prêmio Banco Capital de Literatura).
			
			clebertonpoeta@yahoo.com.br
 
 [1] TAVARES, Simone Lopes Pontes. A paixão premeditada: poesia da 
			geração 60 na Bahia. Salvador: Fundação Cultural do Estado da Bahia, 
			2000, p. 35.
 
 
            
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