Carlos Heitor Cony

De uma vez por todas
                  
 
          Todas de uma vez. O novo livro de Thiago de Mello é uma suma não apenas de sua obra mas de sua vida. Os poemas da maturidade conservam a carga emotiva e humana de suas obras anteriores. Contudo, ele não se limita a um núcleo, quando, por exemplo, marcou o nosso tempo com poemas que fizeram a cabeça e o coração de duas gerações. Para citar um deles: seu antológico Estatutos do Homem, hoje traduzido em várias línguas, momento da resistência do povo brasileiro - e de qualquer outro povo - contra a opressão.

          Em De uma vez por todas, Thiago de Mello cumpre com dignidade e beleza a sua missão. Isolou-se no chão onde nasceu, um chão encharcado de rios e florestas, onde pode captar a luxúria de um peixe-fêmea diante de um peixe-macho, ou - como acontece num dos melhores poemas de nossa língua - descreve o ato de amor entre duas aranhas.

          Penetrando no átrio sombrio dos 70 anos, ele revisita o passado, tem as retinas fatigadas de tudo o que viu nas sete portas do mundo. Apesar disso, como ser humano que herdou o caudal dos grandes rios que regaram seu berço - ele continua o poeta da manhã e do canto.

          De uma vez por todas, Thiago proclama seu amor à natureza e à liberdade. A nuvem se esgarça ao sabor do vento, perde sua claridade, transforma-se em tempestade. Já a palavra nuvem permanece intacta no texto: é eterna. Poucas vezes, e em grau tão verdadeiro, a literatura encontrou definição.

          Destaque especial para a sucessão de seus amigos, daqueles que admirou e foi por eles admirado. O soneto de Pablo Neruda dedicado a Thiago é definitivo. Vago mago é praticamente intraduzível. E mesmo traduzido, necessita de um conhecimento prévio de Neruda e do próprio Thiago.

          Misturando prosa e poesia, crônica e até anúncio imobiliário, o amazonense de Barreirinha, o cidadão do mundo, o personagem de nossa época, o poeta de A Canção do Amor Armado penetra na memória, obtendo a síntese do urbano e do telúrico, do lírico e do social. Comprometido com a sua terra e com a sua gente, de uma vez por todas Thiago de Mello asume a expressão de um poeta verdadeiramente universal.

 
 
                                        
Remetente: Aníbal Beça

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 Página editada  por  Alisson de Castro,  Jornal de Poesia,  21  de  Maio  de  1998