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Jornal do Conto

 

 

Carlos Gildemar Pontes


 

A Lua1 e Natasha2 (*)

 

[Advertência]

Caro(a) leitor(a): a primeira leitura deverá ser feita sem
consulta às notas; da segunda em diante,
favor averiguar as notas e suas correspondências.


 

As noites são quentes. Alguma vez uma nos trai e esfria. Dá para ver o Cruzeiro do Sul. Fecha-se um olho, tira-se uma medida com os dedos – polegar e indicador – conta-se quatro medidas para baixo -: eis o sul.[3]

Fiquei horas e horas esperando o trem. Veio passar oito horas depois,[4] o desgraçado. Para lá e para cá, aquele barulho irritante, balançado besta. Não via a hora de descer.

O povo era comum.[5] Nasciam todos os dias. Os meninos faziam pipi[6] nas enfermeiras.[7] No berçário B4[8], estava eu. Tivera complicações respiratórias. Tinha uma enfermeira com um par de belas coxas.[9] Eu era o mais chorão só para vê-la me acariciando, meu pintinho durinho, queria ter-me em seus braços, pernas e o que mais tivesse direito, porque criança não peca![10]

Contava estrelas,[11] queria um rebanho de verrugas.[12] Aquele absurdo de estrelas para nada. Nunca saberia o fim. Pelo menos a lua.

Natasha me esperava na estação. Linda! Um perfume que não esqueço.[13] Andava tão arrumada, sempre, eu gostava... ela ria, me chamava de mel.[14] Dentes mais bonitos não existiam.[15] Os olhos, duas pérolas.[16] Às vezes, esquisita.[17]

Era Natasha que chorava agora um choro fino e sem sentido.

Não sabia para onde ir. De trem nunca mais.

Não sonharei mais com estrelas impossíveis, a lua já me bastava.

A lua e Natasha.

Vamos para o sul.[18]

 

Notas:

1. Lugar onde (dizem) mora São Jorge com um dragão cabeludo que não resolveu o seu complexo de Gamboa (1.1) e que vive a se esconder nas crateras. A relação São Jorge / dragão talvez seja explicada por Freud que, vez por outra, caía do cavalo. Motivo de experiências espaciais. Fonte de inspiração de alguns poetas.

1.1. Psiquiatra de fetos. Poeta e transcritor da linguagem dos pardais. Ex-ilhado. Criador da teoria psicanalítica que estuda os fenômenos variantes na personalidade dos dragões, querubins e duendes. Inventor do aparelho para ninar dragoa menstruada, o drogãofone.

2. Não confundir com a vodca, felizmente, aliás, não era eslava, anglo-saxônica, tampouco oriental. Parece ter nascido em Bariloche ou Plimouth, talvez até Quixeramobim.

3. Sabedoria popular que, segundo dizem descobre-se o caminho do sul. É mais seguro do que bússola de escoteiro (aquele menino trajado de imbecil comandado por um imbecil trajado de menino).

4. Segundo escritor amigo, a vírgula antes de “o desgraçado” torna a construção ultrapassada, uma adjetivação desnecessária, aposto sem apostamento que se valha em si, coisa de escritor modernista das cavernas ou que se equipare. Não seria melhor que ele fosse à merda!

5. Tipicamente brasileiro. A maioria, dividida em duas partes, era assim: numa parte, parte comia arroz com ovo e parte não comia (a turma do FOMEZERO); o restante, em duas minorias: uns comiam todo dia, outros petiscavam escargot para tirar o gosto do arroto do caviar.

6. Escorrego do digitador. Esta nota não existe.

7. As que exercem a profissão e são devidamente empregadas, geralmente em hospitais. Diz uma minha avó que elas trocam o horário e o remédio da turma, ainda por cima aplicam injeções com força e comem os biscoitos dos pacientes. Cara leitora enfermeira, não se sinta equivalente a uma bruxa, você certamente não joga neste time. Ou joga? Eu não tenho nada a ver com isso. Essa minha avó!

8. Antigo C2 que passou a ser D5 depois de ter sido A8... Clínica clandestina A caminho do céu. Fábrica de anjos.

9. Detalhe esquecido na nota número 7.

10. Donjuanismo precoce.

11. Romântico, não acham?

12. Tinha um avô meu que dizia que... ahn!, ahn!, cof!, cof! ...atchin!... quem contava estrela nascia uma verruga na ponta do dedo, assim como quem brincava com fogo fazia xixi na cama, ou queimava-se, o que seria mais provável.

13. Mensalmente me dava um frasco. Era muito bom. Como eu gostava do seu frasco! Que perfume!

14. Lambuzava-se comigo e tinha um ciúme louco das abelhas, principalmente as jandaíras.

15. Uma amiga dela me disse que ela bochechava ácido sulfídrico antes de escovar os dentes com uma ejaculada. Mordia-me. Adorava fazer espuma com os espermatozóides. Seu primeiro e único tratamento dentário foi pelo INPS, não, INSS, não, SOS, não, SUS, sei não, sei que levam um dinheiro danado descontado no final do mês em nosso salário.

16. Certo dia, essa ninguém me contou, eu mesmo vi, pois bem, num desses dias que a gente conta os centavos para um cigarro ou para o café, e nada, pois bem de novo, deu-me uma vontade de arrancar aqueles dois olhos e vende-los no JOIADO’S (pagamos mais pelo seu cordão, anel, pulseira de ouro ou pela sua jóia rara, aceitamos cautela da caixa, tiket refeição, vale transporte e etc, também aceitamos vale gáiz). Você não faria o mesmo?

17. Outro dia, eu surpreendi-a cozinhando algo muito cheiroso. Perguntei-a de que se tratava. Ela disse-me que queria ver quanto tempo aquele gatinho levaria para perder as suas sete vidas. Sinceramente, fiquei louco para saber. Aí um amigo meu que eu contei pra ele veio abrir o bocão querendo denunciá-la, pois foi quando eu desmenti tudo e botei a culpa na empregada.

18. Mas se a gente mudar de idéia podemos ir pro litoral do Ceará, dizem que é lindo. Se Deus quiser!


Bibliografia:

ECO, Aberto. Obra podre. Fortaleza: Privada Celite, Diariamente.

JOÃO, João. Pensamentos perfeitos. Fortaleza: Sanatório de Parangaba, Verão de 198?, p. 321.

NINO, ?. Reflexões de um gato. Fortaleza: Minha casa, 1989.

ROÇA, Formiga de. O estuprador de minhocas. 2ª ed. Tradução Cachorro de areia. Sertão: Editora Quintais e Terreiros, s/d.

* Revisto e atualizado em desacordo com as Normas e as Franciscas da ABNT.