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Alckmar Luiz dos Santos

Poesia:


Ensaio, crítica, resenha & comentário: 


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Sophie Anderson, Portrait Of Young Girl

 

Ruth, by Francesco Hayez

 

 

 

 

 

Poussin, Rinaldo e Armida

 

 

 

 

 

Alckmar Luiz dos Santos



Bio-Bibliografia


É natural de Silveiras, SP. Possui graduação em engenharia eletrônica, pela Universidade Estadual de Campinas (1983), mestrado em Teoria e História Literária pela Universidade Estadual de Campinas (1989) e doutorado em Estudos Literários pela Université Paris VII (1993). Desde 1994, é professor de Literatura Brasileira da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e, a partir de 1995, coordenador do Núcleo de Pesquisas em Informática, Literatura e Lingüística (NUPILL, núcleo de pesquisa de excelência do CNPq, financiado pelo edital PRONEX entre 2008 e 2016). Foi pesquisador convidado na Université Paris 3 - Sorbonne Nouvelle (2000-2001) e na Universidad Complutense de Madrid (2009-2010). Tem experiência na área de Letras, com ênfase em Literatura Brasileira e Teoria Literária, atuando principalmente com teoria do texto, literatura e filosofia, hipertexto e texto digital, poesia. É também poeta, romancista e ensaísta. Autor dos livros "Leitura de nós" e "Dos desconcertos da vida filosoficamente considerada" (ensaio e poema digital respectivamente; Prêmio Transmídia - Instituto Itaú Cultural), "Rios Imprestáveis"; (poemas; Prêmio Redescoberta da Literatura Brasileira da Revista Cult); "Ao que minha vida veio..." (romance; Prêmio de romance Salim Miguel), "Dos desconcertos da vida filosoficamente considerada" (poemas; menção honrosa no Prêmio de Poesia Cruz e Souza), além de outros. Foi homenageado como pesquisador-destaque da UFSC em 2011. É atualmente professor-titular do Departamento de Línguas e Literaturas Vernáculas da Universidade Federal de Santa Catarina.

 

(Texto redigido em 22.12.2022)

 

Poussin, Rinaldo e Armida

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

William Bouguereau (French, 1825-1905), Reflexion, detail

 

 

 

 

 

Alckmar Luiz dos Santos


 

Arquivo de Quase Sonetos

O volupté de l’inutile,
Ce luxe indécent de l’esprit,
Comme beauté d’arbre sans fruit
Ou comme la robe de Odile.
“Inutile”, de Jacques Durandeaux, em Chansons et Poèmes



PRIMEIRO SONETO BARROCO

O todo sem a parte não é todo,
A parte sem o todo não é parte,
Mas se a parte o faz todo, sendo parte,
Não se diga que é parte, sendo todo.

Gregório de Matos



Um simples conformar-me a olhos tais
Foi firme e certo intento em não querê-la:
Recusa de ceder ao que — tão bela —
Seria morte em mim, um fim, sem mais.

E mais, ainda, a afronta desse viço
Que — tão contrário a mim — se faz arauto
Da dor com que me vejo louco e falto
Da força com que arrosta o fado imigo.

Mas, deu-se o renascer (que nem é certa
Idéia que de mim se afirme à custa),
E fez de outra fatura o meu olhar-te:

E fez de mim — ruína que antes era —
Um ínfimo infinito: imagem sua,
Ao dar-se em todo inteiro o que era parte.

 



SEGUNDO SONETO BARROCO


Assim como se dá com a galera
Que sulca, opressa, mares, ondas bruscas,
E busca uma firmeza que se apura
Nos saltos com que, móbil, se aquieta,

No dentro já costura o fora e é certa
Amiga que acompanha toda usura
Do tempo — solução que só mistura
Tormenta, calmaria, paz, procela —,

Assim se faz meu ser, que é todo um ritmo
Perdido nos mil tons que vêm de ti,
Tentando ver em um o que o destino

Me dá a ver tão vário. É frenesi
Que empresta à compostura um desatino,
Pois faz que seja meu o que perdi.

 



TERCEIRO SONETO BARROCO


Já bate o vento enfim contra a quadrela,
Despido então de força assim insana;
E a brisa que à procela, enfim, se irmana
É dádiva de Adônis que vem d’Ela.

Agora vê-se o vento em calma e àquela
Angústia que, aos olhos, pesa e dana,
Vem dar constante ardor. É que é tirana
A brisa que ora morre sendo bela.

Mas vê-la não podia ser mais duro,
Que o vento sabe, ao menos, retornar
E dar-se por vencido, mas — eu juro —

Se há vento, nela, não o sinto em ar:
Pois como pode ser tal brilho escuro,
Que só me dá vazio a respirar?

 



QUARTO SONETO BARROCO


Tudo no mundo é jogo, Fábia. A sorte
É sisuda a teus prantos, à alegria
É grave. E o que o destino principia
Se acaba sempre em pó, em nada, em morte.

E o que mais dói é ser valor sem importe:
Transtorna, em pouco tempo, essa acalmia
E já nos troca em velha mercancia,
Ao mudar em fraqueza o que era forte.

Se, há, pois, ordem alguma em que fiar,
É saber que se ignora, é crer sem
Fé, que a cautela é como um barco ao mar:

Seguro o leme, atado ao arrebém,
Assesta rumo reto ao navegar,
Até que o mude o Fado, com desdém.

 



QUINTO SONETO BARROCO


Há pouco já chegava o ameno vento
Que deixa seu langor em todo rosto;
Mas já se troca em gelo, em fel, desgosto,
Que em toda paz parece haver tormento.

E assim se faz, de um pouco, o abastamento;
E dá a ver, num dia só, composto,
Um ano todo inteiro em que suposto
Amálgama de climas seja o intento.

Mas não há mais que zelo e hesitação:
Se é guerra, assim, motor que move a paz,
Não seja mais preciso ter à mão

Que a ânsia de lutar; que a dor que traz
O fero padecer se paga, então,
No fraco que, de si, constrói-se audaz.

 



SONETO LEVEMENTE NEOCLÁSSICO
ou, De volta ao sítio onde pela vez primeira sucumbiu aos encantos da amada


O tempo que arrefece toda estima
E imprime seu torpor ao tudo e ao nada
Visita cada sítio, e esta morada
Que foi a tua, a nossa, quando o clima

Não era este que a todos nós domina,
E apenas acolhia toda graça,
Agora se agiganta em dor e passa
Aos olhos o que foi, tudo que vi, mas

Não basta o com que ver, se já me falta
O corpo, a voz, a certa flama tua,
Que mesmo esta paisagem não te exalta,

É pobre jóia falsa, é só moldura
Que tenta reflorir palco e ribalta
Fingindo qu’inda é novo o que é usura.

 



OUTRO SONETO BARROCO


Em cada fúria, Tétis, larga calma
Repousa sempre, e assim todo assossego
Já traz arrojo e ímpeto, mas, tredo,
Empresta rijo corpo à etérea alma.

Na mesma toada, toda estação calma
Replena-se ela de desassossego,
É tal Narciso que está sempre tredo
De ser somente líquida a sua alma.

Mas isso, Tétis minha, é fino ouro
Ou oloroso âmbar com que aprendo
Um mundo todo inteiro em só teu rosto:

Posto que, enfim, assiste em falso ouro
Beleza parcial que nem aprendo,
Escolho essa alma inteira de teu rosto.

 



REDENTOR
terça-rima


Tua mão me basta e mais
Não consigo a ti pedir
Outra parte só; aliás

Só teu rosto, então que vi
E me viu, só ele, é tudo
Com que meço e traço em mim

Essa falta, o som já mudo
Com que expresso o peso e a pena
Deste amor tão longo e fundo.

E mais que os seios — Veja
bem! — não quero. Os dois já bastam,
Mesmo sendo teus, apenas

Ao tocar meus dedos, lançam
Dardos, pontas, finas flores,
E se aninham, nem se cansam!

Não! Não mais que as coxas: doces
E suaves, só as coxas
Quero e peço, e nem dou posse

A mais quem quer que se possa
Colocar ao lado ou perto
Ou até bem junto. Moça,

Eu só quero teus pés! Certo
Que são teus, mas dá-me um dia
Tal prazer de tê-los, tesos

E tão leves, que eu daria
Todo um mundo, todo o tempo
Por fazê-los coisa minha.

Mais não peço — e já vem sendo
Bem comprido o nosso canto —,
mais não quero, então, que o senso

de equilíbrio assim tão raro,
Que me dá tão certas linhas
Descrevendo em corpo os traços,

Perfazendo em ti as minhas
Próprias carnes, meus lamentos
De só ter as mãos vazias!

 



SONETO INDEFINIDO
ou, Dos desencantos do poeta ao perceber que versos não substituem sua amada


O que vem a ser pôr palavra e luz em aço,
E esse efeito no som, na voz, em bela imagem?
É só salto sem ver — uma fuga ou miragem
Sem o toque e o calor —. E o corpo que eu abraço

Se desmuda em cambraias só de vento, em laços
Sem barbante, em brocados de rude aniagem
Que figuram e zombam e contam vantagem
E se mostram tão certos, até perder passo

Ou até deixar pose, e se dar como é vista
A palavra ou figura, que não é nem traz
Toda a carne, toda a alma, tudo que um artista

Tão supremo — qual Deus — criou e me deu, mas
Alvitrou colocar em distância. Egoísta!,
Que o amor assim dado e tirado é falaz.

 



SONETO BARROCO MAS MODERNINHO
ou, Soneto moderninho mas barroco


Como pode tua ausência estar aqui,
E fazer-se tão pronta e quase à mão,
Se não ouço e nem posso vê-la, então,
E o que tenho e me cabe és tu sem ti?!

E nem mesmo aprender não me atrevi
A provar tão-somente essa ilusão
Que reluz e até traz consolação
Como a estrela que, lá, só mostra o aí!

E por isso me tenho visto e até
Me coberto com trajo que se empenha
Pelo andrajo que mostra, pela fé

Que se investe de ter o que não tenha:
Quase leva-me, a mim, como maré,
Feito, em vão, se arremete a toda penha.

 



SONETO SOLTO

a Tais Angélicas Mentes, os cantos,
todos os meus cantos



Ter tal anjo no nome e na leveza,
Mas jungido à distância dura e fria,
É caber em certeza essa agonia
De, sem fim, ser o mundo e toda proeza

Que se faz com ardor e com certeza,
Sempre assim, de sabê-la bela e, um dia,
Tê-la à mão, ao alcance (quem porfia
Pode, enfim, construir a frágil empresa).

Mas se é débil a vida, e seus instantes,
Não se faz menos árdua toda luta
Que me é dado viver, não são bastantes,

Para tanto, esse afã, essa labuta,
Que bom porto eu alcanço, mas, bem, e antes,
Se me impõe eu vencer-me em tal disputa.

 



A Thaís, inspirado em formas e contraintes de François Villon


A minha dama é moça em quem
Se dá rubor de tal encanto,
Que até seu dia enfim contém
Em si mais luz que o Sol, é tanto
Que vem a ser banal espanto
O ver-lhe a ela. E nem lhe basta
Opor-se assim a sóis, enquanto
Eu falo e canto em toda essa hasta

E prego sempre mesmo mote,
De mim saído em voz fluente
— Que é esse o encargo, o certo dote
A dar ao léu, a toda gente — :
Sentindo em mim, em corpo, em mente,
Que nunca, enfim, fará natura
Um ser mais belo e mais ardente
Que queime sóis com mais cordura!

 



DAS INCLEMÊNCIAS INEVITÁVEIS DO TEMPO


Se em todo dia o todo é quase certo
A menor parte, o mero e parco esbulho
Do haver que, sendo pouco, por orgulho
Prefere o fim ao meio, e o longe ao perto,

Não se dá menos seja então deserto
De instante e pompa, o silente barulho
— Feito nubente sem ouro ou pegulho —,
Esse entremez levado ao palco aberto.

Que nem ao menos palco é, mas o todo
Dia que vem e chega e passa e atende
Por esse nome de vida, ou apodo

Outro qualquer que se dê a chamá-la.
Que é tudo engodo que nem mais surpreende:
Que os dias não deixam sobra nem gala.

 



DO AMOR

Jouer harmonieusement de la cithare va de pair avec le maniement du fer.
Alcmeno

Amor, pássaro que põe ovos de ferro.
Guimarães Rosa


Não há, em todo amor, mais graça e engenho,
Senão os que lhe outorga o certo esmero,
O mesmo esboço ousado que um só dedo
Se impõe como arrojada empreita
E arrisca-se a traçar, tão lento e ledo,
Podendo associar grave ao gracejo
Em único desenho, corte ou ceifa,
Que é mais, é mesmo o quase certo apreço
Por quem sabe ensinar inteira
A vida, do fim ao começo.

E supõe, então, o desvelo
De vária fatura, esse enlevo
De tocá-lo assim, e mais, só de vê-lo,
Dando então a dura macieza ao zelo,
E insana labuta ao sossego.
É que, feito de fero e ferro,
Não quer Amor voz, e nem vez aceita
Que não seja a pluma e seu peso,
Isso que, nele, enfim, permeia
A vida, do fim ao começo.

E é dando prova de secreto
Fausto, é bordando em fina teia
A durez sem par e sem medo
Que sojiga mares a areias,
É assim que se asenhoreia
De tudo o que se move e, lento e certo,
Infatigável como sói e sempre
Foi, é só assim que Ele atende
E enfim busca e expõe o sobejo:
A vida, do fim ao começo.

E é riscado em chanfro e talhado em gelo,
E trocado em fogo, todo tão perto
De uma divindade, qual Febo
Fosse, que faz ver, por completo,
A vida, do fim ao começo.
 
 

 

William Bouguereau (French, 1825-1905), Reflexion, detail

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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