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Oswaldo Martins 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), Morte de César, detalhe

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Oswaldo Martins

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

William Blake (British, 1757-1827), Christ in the Sepulchre, Guarded by Angels

 

Jornal do Conto

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Franz Xaver Winterhalter. Portrait of Mme. Rimsky-Korsakova, detail

Alan Santiago

O Povo, Fortaleza, Ceará, Brasil

11.10.2008


 

A palavra alquímica

Alan Santiago
especial para O POVO

A demissão do professor e poeta Oswaldo Martins de uma escola no Rio de Janeiro porque escrevia poesias eróticas traz à baila uma discussão importante sobre capacidade de apreensão da literatura

O realismo literário nasceu à luz de um escândalo. Após os seis anos em que passou escrevendo Madame Bovary, Gustave Flaubert foi levado aos tribunais por ter conspurcado a moral pública e os bons costumes franceses do final do século XIX com uma personagem cheia de volúpia e ódio. Muito antes, no século XVI, Pietro Aretino causava furor com seus Sonetos Luxuriosos e tinha de se mudar, fugido, de Roma para Veneza. Nosso Gregório de Mattos também barbarizava numa Bahia provinciana no século seguinte e recebia a alcunha de "Boca do Inferno". Mas esses fatos que parecem ter sido guardados num baú de antiguidades literárias não estão tão no passado quanto se imagina. O caso do poeta e professor Oswaldo Martins, que ganhou repercussão na imprensa nacional esta semana, faz pensar que a história não esquece tão fácil assim de seus moralismos e hipocrisias.

Oswaldo foi demitido da Escola Parque, no Rio de Janeiro, há um mês, por ter sido descoberto como escritor de poesias eróticas. Oswaldo tem quatro livros publicados. "Minha literatura nunca foi segredo para a escola. Eu sempre enviei para eles a atualização do meu blog e mesmo meus livros", afirma o professor que mantém no endereço um pouco de sua produção literária. Depois do ocorrido, uma enxurrada de comentários lotou uma das postagens com mensagens de apoio. Professores de outras instituições, alunos e amigos mostravam-se solidários a ele e contrários ao que havia acontecido. Toda essa história poderia passar como um caso primário de confusão entre o eu-lírico do poeta e o autor, que é também um educador. Mas é mais do que isso.

"Acredito que é há uma compreensão frágil até do que é a própria literatura, há uma distorção implicada aí, porque o espectro de leitura do brasileiro ainda é muito estreito", diz. Pesquisas recentes do Instituto Pró-livro, com coleta de informações coordenadas pelo Ibope, revelam que a média anual de livros lidos no país passou de 1,8 ao ano para 3,7. O mercado registrou também no ano passado um crescimento nominal de 4,62% nas vendas de livros, o que significa 329 milhões de exemplares vendidos e a impressionante cifra de R$ 3,013 bilhões. Analistas acreditam que grande parte se deve a uma série de ações voltadas para a difusão do livro e promoção da leitura.

"Embora o Brasil esteja lendo mais, ainda há uma leitura superficial que se faz do mundo e da escrita; mostra uma visão persistente muito romântica e parnasiana da literatura, algo que tem de se adequar a moldes. É, na verdade, uma completa falta de capacidade de entender que existe mais do que erotismo ali. Esse erotismo está a serviço de outra questão, está combatendo os processos de morte, reafirmando a vida", pontua o professor. Junto a ele, outras vozes engrossam o coro dos que apostam numa proposta erótica para expressar-se literariamente.

Erotismo

O escritor Glauco Mattoso, autor de mais de 3 mil sonetos, é mestre em abordar em seus escritos tudo o que há de escatológico, grotesco e violento na sociedade, escancarando muito de suas disposições próprias sadomasoquistas e outras taras sexuais. Para Glauco, o higiênico - com tudo o que envolve, os odores corporais, a micção e a defecação - ainda é tabu na sociedade. O aparelho genital, relacionado a esses processos de higiene, está também ligado ao sexo, o que invariavelmente acaba fazendo a atividade sexual ser encarada como algo sujo, pecaminoso. "Isso faz parte da cultura humana. Na sociedade tecnológica, a gente apenas tenta disfarçar esses tabus", afirma. E completa: "O que eu faço na minha literatura é uma denúncia da violência, mas estabeleço um caráter muito ambíguo, existe uma dubiedade forte, porque a literatura permite isso e termino por mexer com as pessoas".

Ao invadir a seara dos tabus, medos e preconceitos humanos, a própria literatura se questiona sobre seus limites - fortemente marcados pela subjetividade. Em entrevista por e-mail, a autora de Diana Caçadora, Márcia Denser, aponta delimitações que tentam clarear um pouco mais essa linha tênue entre o erótico e o pornográfico. "O pornográfico tem como objetivo manipular e excitar o leitor propositalmente, o erótico não. O pornográfico não tem qualidade estética, o erótico é seu oposto, assim é que: o erótico areja, o pornográfico aumenta a sujeira. E o leitor sensível intui isso, ainda que não saiba explicar racionalmente", afirma.

Palavra

O bíblico Cântico dos Cânticos, do Antigo Testamento, com sua forte carga erótica, já evidenciava que o tema tem estado presente nas criações humanas há muito tempo. "O social puro não funciona na literatura. É preciso ir para o psicológico e aí entra também o erótico", analisa o cearense Nilto Maciel, autor de contos e novelas eróticas no final dos anos 1970. A lista de autores e livros eróticos, satíricos é imensa e encontra representantes em todas as escolas literárias. Mesmo a Inquisição, com sua repressão vigorosa, não conseguiu podar a subversão da palavra escrita.

Oswaldo lança seus livros pela 7Letras, uma editora de médio porte que nos últimos anos vem se especializando na publicação de poesia. Já são 231 títulos no catálogo. Uma diversidade representativa que não poderia deixar de contemplar o tipo de literatura de Oswaldo. "Nunca poderíamos ter a menor idéia de que uma coisa tão absurda fosse acontecer com ele. Até porque a poesia que ele faz não é pornográfica, fescenina como outras que temos", diz o editor Jorge Viveiros de Castro. "É uma reação completamente descabida porque as pessoas não conseguem enxergar que existe arte dentro dessa vertente. Pena é um trabalho como o dele só ter tido grande repercussão depois disso", conclui.

O professor e poeta Oswaldo Martins não parou de ensinar em outras escolas depois do caso. "A discussão aqui é sobre pessoas que não souberam ler. Precisamos nos perguntar se vamos sobreviver à mediocridade, porque afinal o que queremos é um País melhor, com mais leitura, com mais compreensão da vida", diz. E a batalha por sua proposta artística continua - mergulhando no erotismo, sim, mas também na música e nas artes plásticas. É uma dedicação que dura em média quatro anos para considerar um livro pronto. "A palavra tem a capacidade não só de incomodar como de mudar sua cabeça, sua visão de mundo, a palavra é transformadora, alquímica, catalisadora", afirma Márcia Denser.


QUEM É OSWALDO MARTINS

Oswaldo Martins nasceu em Barbacena, MG, em 1960. Formou-se em Letras na PUC-Rio. Mestre em Literatura Brasileira pela UERJ, faz doutorado sobre a poesia erótica de Aretino. É professor de 2º e 3º graus. Publicou os livros desestudos (2000), minimalhas do alheio (2002), lucidez do oco (2004) e cosmologia do impreciso (2008), todos pela Editora 7Letras.
 

 

 

Rafael, Escola de Atenas, detalhes

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Valdir Rocha