Adelto Gonçalves
Herberto Helder em prosa
em
O
Primeiro de Janeiro,
do Porto (www.oprimeirodejaneiro.pt)
Primeiro livro em prosa de Helder,
Os passos em volta foi publicado originalmente em 1963, depois que o
autor havia feito uma longa viagem pela Europa, passando por
Holanda, França, Bélgica e Dinamarca, fato que se reflete em algumas
destas narrativas
Até há pouco tempo, as literaturas portuguesa e brasileira estavam
orgulhosamente separadas, podia-se dizer, fazendo-se uma referência
a um antigo dístico atribuído ao salazarismo. De uns tempos para cá,
porém, várias iniciativas têm sido tomadas no âmbito da indústria
editorial para que essa distância não seja tão imensa assim.
Com o lançamento de Sonetos (in)temporais, de Cristino Cortes, a
Universitária Editora, de Lisboa, em conjunto com o Espaço Coimbra,
de São Paulo-SP, abriu uma coleção que não só tem o objetivo
imediato de promover a integração cultural entre os dois países como
também a divulgação de um conjunto de autores portugueses que se
dedicam à criação poética.
Já a editora Escrituras, de São Paulo, com o selo Ponte Velha,
voltado exclusivamente para a poesia portuguesa contemporânea,
depois de uma primeira fornada que incluiu Nuno Júdice e Pedro Tamen,
acaba de colocar ao alcance do leitor brasileiro dois livros de
poetas portugueses bastante significativos: António Ramos Rosa, com
Animal Olhar, e Ana Hatherly, com A Idade da Escrita e Outros
Poemas.
Agora, é a vez da Azougue Editorial, do Rio de Janeiro, que faz
chegar ao leitor brasileiro um dos mais singulares trabalhos de
Herberto Helder, um dos maiores poetas portugueses do século XX.
Considerado um clássico da literatura portuguesa contemporânea, Os
passos em volta é uma reunião de pequenas narrativas, muitas delas
excertos de prosa poética do mais alto nível. E que vem se juntar a
O corpo o luxo a obra, primeira antologia do poeta publicada no
Brasil, também pela Iluminuras, em 2000.
Primeiro livro em prosa de Helder, Os passos em volta foi publicado
originalmente em 1963, depois que o autor havia feito uma longa
viagem pela Europa, passando por Holanda, França, Bélgica e
Dinamarca, fato que se reflete em algumas destas narrativas. Foi a
viagem de um solitário, alguém pouco identificado que se hospeda em
hotéis baratos, perto de rodoviárias ou estações ferroviárias, sem
muito compromisso com o bem-estar ou pequenos luxos burgueses.
Em “Escadas e metafísica”, lê-se: “Quando voltei a Lisboa já não
queria ir para a pensão. Estava farto de empregados do comércio e
funcionários públicos. Apetecia-me ficar só. Comer aqui e ali em
pequenas restaurantes e, no quarto, à noite, fumar um cigarro à
janela, folhear um tratado de arqueologia. Não sentir ninguém nem
falar nem me ver obrigado à condescendência ou à fraternidade. Sou
um neurótico, vê-se logo. Um egoísta. Deixem-me. Não vou amar o
mundo. (...)”.
Esse é o estilo de Herberto Helder, de frases curtas, cortantes,
rápidas, que não deixa o leitor descansar. Os diálogos, quando
aparecem, também são breves. Quem escreve é sempre um homem
solitário, que olha a vida ao seu redor, sem amores nem vontade de
se relacionar com mais intensidade com o próximo, talvez porque já
não espere nada da humanidade, mas que, por exemplo, é capaz de
oferecer um poema dramático a uma prostituta nas docas de Amsterdam
(que não sabia português), como se lê em “Vida e obra de um poeta”.
Ler estas narrativas é, portanto, fazer uma viagem sobre o fio
cortante que separa a lucidez da loucura. De fato, como escreve nas
“orelhas” do livro Eucanaã Ferraz, professor de Literatura
Brasileira da Universidade Federal do Rio de Janeiro, esta obra de
Helder “põe em cena exatamente a devastadora luta entre estilo e
loucura, numa escrita que se dá em ritmo tumultuoso, brutal, nascido
por força de uma excitação ininterrupta”.
A mesma indiferença com a vida não se altera nem mesmo numa
narrativa como “Trezentos e sessenta graus” em que o protagonista
conta o seu retorno, depois de muitos anos, à casa paterna para
reencontar pai e mãe já bastante idosos, “dois velhos estúpidos e
inocentes”, reconstruindo uma memória em que ternura e rusticidade
se mesclam.
Nascido no Funchal, na Ilha da Madeira, em 1930, Herberto Helder,
que mora em Lisboa desde 1945, estreou em 1958 com o livro A colher
na boca. Publicou ainda O bebedor noturno (1968), As magias (1987) e
Doze nós numa corda (1997), entre outros. Em 1994, publicou Do
mundo, obra pela qual recebeu o Prêmio Pessoa, que preferiu não
receber publicamente, sob a alegação de não pretendia romper um
comportamento de reclusão voluntária a que se decidira entregar há
muito tempo.
Por essa mesma razão, recusou uma premiação do Pen Clube de Portugal
em 1982 pelo livro A cabeça entre as mãos e, em 2000, deixou de
comparecer ao Salon du Livre, em Paris, para receber outra
homenagem. Mas não é só. A grande maioria de seus livros, como
observa o editor Sergio Cohen na apresentação, nada traz que nos
informe sobre eles, ou a respeito do autor, a não ser o próprio
texto.
É uma postura radical, de abominação a tudo o que de fútil a vida
pública traz, mas, ao mesmo tempo, como geralmente ocorre, esse
comportamento só faz crescer o mistério que cerca o autor,
repetindo-se assim o que se dá no Brasil com o contista Dalton
Tresivan e na literatura norte-americana com o romancista J. D.
Salinger.
OS PASSOS EM VOLTA, de
Herberto Helder. Rio de Janeiro, Azougue Editorial, 149
págs., 2005, R$ 36,00. www.azougue.com.br |
* Doutor em Literatura Portuguesa pela
Universidade de São Paulo e autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo
(Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira
(Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002) e
Bocage – o Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003). E-mail: adelto@unisanta.br

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