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Jornal do Conto

 

 

Abilio Terra Junior


 

Pequena história da escrita

 

Naqueles tempos, escrever era difícil, pois ninguém entendia os motivos deste ofício, que, na verdade, não era entendido como ofício mas como um mero lazer, um entretenimento. Isto posto, os escritores, ou seja, aqueles que assim se intitulavam, eram obrigados, a procurar algum canto mal iluminado, em que se viam a salvo de curiosos, mal educados ou faladores que poderiam prejudicar o fiel exercício da sua imaginação, produto da qual surgiam os denominados escritos. Isto, sem contar o parco material de que dispunham, uma caneta, um pouco de tinta ou um arremedo de lápis que produzisse sinais, signos ou caracteres sobre uma superfície clara, que poderia ser um papel, um pano ou qualquer outra coisa que produzisse o mesmo efeito.

Depois de anos em que utilizava todo o conteúdo imagético, imaginativo, da sua mente ou da sua alma, conforme as crenças peculiares de cada um, e conseguia, a custa de um esforço sobre-humano, produzir uma obra digna desse nome, da qual se sentia muito orgulhoso, partia para a etapa seguinte: procurar algum valente, esperto ou esforçado, dependendo de cada caso, cunhador de caracteres, imprimidor, ou desenhista de letras, que estivesse disposto a enfrentar a hercúlea tarefa de imprimir um ou mais livros (sim, pois precisava-se de ótimos músculos e muito talento para exercer esta tarefa, em razão de todo o trabalho ser feito a mão e com detalhes minuciosos).

Como o escritor, na maioria dos casos, não dispunha de moedas em quantidade suficiente para pagar ao citado imprimidor o que ele necessitava para corresponder ao seu trabalho, que durava alguns meses ou anos, criava-se o impasse. Muitos escritores lançavam mão da magia e vendiam a sua sofrida alma ao diabo para conseguiram que alguns poucos volumes da sua valiosa obra fossem colocadas à disposição do restrito número de leitores que então existiam, geralmente pertencentes à casta dos nobres.

Alguns escritores trabalhavam toda a sua vida nas mais humildes tarefas, para conseguirem o numerário suficiente para a publicação do seu livro, usando-se uma linguagem mais atual.

Mas, ainda que o conseguissem, em raríssimos casos, enfrentavam outra árdua batalha. Como os leitores pertenciam a uma elite que estava entregue a certos afazeres, lazeres e idéias que não tinham muito a ver com o que se passava na fértil imaginação dos escritores, que viviam em seu próprio mundo, que nada tinha a ver com o da nobreza, outro grande impasse estava criado.

Quem iria se interessar pelas suas admiráveis obras (isto, na interpretação dos seus autores, evidentemente)? Mesmo que conseguissem levá-las até às mãos dos leitores nobres, o que, em si, já era difícil, pois os nobres viviam trancados em seus castelos inexpugnáveis, como introduzir em suas mentes lentas e preguiçosas de quem vivia entregue aos prazeres libidinosos da corte, aquelas idéias oriundas das mentes de quem via e vivia as condições precárias da existência rude dos camponeses, plebeus e burgueses e tentava transmitir o fruto imaginativo que só surgiria ante condições tão adversas? Quase impossível, na verdade.

Não se sabe mesmo como esses pobres diabos conseguiram sobreviver a condições tão adversas, para legarem aos seus legatários este ideal que perdura até os nossos dias.

Ainda bem que, hoje, tudo está mudado e os escritores gozam de condições privilegiadas...