| 
             
			
			Álvaro Alves de Faria 
                                         
                                            
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
              
			
			
			 
			
			Entrevista ao Correio Popular 
			 
  
			
			  
			
			 
			-Fica claro sua 
			ligação com Portugal, a partir de seu nome (ascendência), mas também 
			pelo conteúdo da sua poesia. Muito além de sua "diferença" com a 
			imprensa e com a pouca atenção que se dá à poesia no Brasil, 
			Portugal dialoga mais com você do que o Brasil? Falo no sentido do 
			conteúdo do teu texto. 
			 
			-Na verdade não tenho “diferença” com a imprensa, como você diz. A 
			minha indignação é com um certo jornalismo cultural sem compromisso 
			que atualmente escreve uma história mentirosa da literatura 
			brasileira em geral, da poesia em particular. Mas tenho dito sempre 
			que existem as exceções. E existem de fato. Como você, por exemplo, 
			que abre espaço para um poeta brasileiro, que é também jornalista e 
			que, a vida inteira, se ligou ao jornalismo cultural, escrevendo 
			especialmente sobre livros e escritores e poetas deste país. Isso me 
			valeu – é preciso dizer – dois Prêmios Jabotis de Imprensa. Tenho a 
			poesia como verdadeira militância. A produção atual de poesia no 
			Brasil é de terceira categoria. E isso ocorre, também, na prosa. 
			Terceira categoria. Volto a ressaltar as exceções. Não preciso dizer 
			nomes. O que causa indignação é o espaço que essa gente consegue nos 
			suplementos culturais. Não é honesto. Não é justo. Quanto à minha 
			ligação com Portugal ela é absoluta, hoje. Tanto em relação à minha 
			vida quanto no que diz respeito à poesia. Você me fala em texto. 
			Neste livro “Sete Anos de Pastor” (Editora Palimage, Coimbra), 
			particularmente, busquei as imagens da poesia de Portugal, começando 
			com a figura do Pastor do famoso soneto de Camões, e ainda a figura 
			do Pastor dos Autos de Gil Vicente e finalmente o Pastor de O 
			Guardador de Rebanhos, de Fernando Pessoa. A narrativa poética é 
			toda envolvida em Portugal e na poesia portuguesa. Assim, não é 
			Portugal que dialoga comigo, mas sou eu quem tenta dialogar com 
			Portugal, equivale dizer dialogar com a poesia que não encontro mais 
			no Brasil. Infelizmente. 
			 
			-Como você definiria sua poesia em termos 
			formais, já que ela é, às vezes, quase prosa e, de repente, vira um 
			soneto - mesmo que não haja qualquer preocupação com a rima? 
			 
			-É quase prosa em alguns poucos momentos de livros meus já antigos, 
			reunidos todos em “Trejetória Poética” (Editora Escrituras), com 700 
			páginas, com toda a produção poética, obra que ganhou o Prêmio APCA 
			em 2003. Nesses 40 anos de poesia há muitos momentos em que de 
			propósito fiz o poema como prosa poética, utilizando versos longos. 
			Mas versos. Em termos formais, como você diz, sou rigoroso com a 
			elaboração do poema, para que seja poema. No que diz respeito “virar 
			soneto” ocorreu somente neste “Sete Anos de Pastor”, porque assim a 
			Poesia pedia. Assim a Poesia pediu. Sonetos metrificados em 
			decassílabos, com acentuação tônica nas silabas pares, sem esquecer 
			das rimas. O livro exigiu que fosse assim, como ocorre 
			particularmente nos “Poemas à rainha” e aos dois sonetos à Inês de 
			Castro. Na parte “Para tão longo amor tão curta a vida”, os quatro 
			poemas têm apenas a forma de sonetos, mas sem obedecer à métrica 
			formal do soneto e à necessidade da rima. Atualmente defino minha 
			poesia em termos formais com um rigor que me exige a vida inteira a 
			ela dedicada, uma construção que obedece, sim, a uma métrica 
			invisível, que é a musicalidade do poema, o ritmo das palavras.  
			 
			-E em termos de conteúdo? Fica claro desde a 
			primeira leitura, forte carga emocional. 
			 
			-Você tem razão. Eu não me nego a colocar emoção num poema. Não sou 
			um poeta que junta palavrinhas numa espécie de joguinho. Não. Não 
			faz muito tempo, numa conversa com o poeta Ferreira Gullar, 
			lembrou-se da palavra “inspiração”, tão gasta e desmoralizada. Mas o 
			Gullar admite – como eu – que existe de fato um momento especial 
			para se escrever um poema. Um momento em que afloram sentimentos e 
			emoção. Deixo a poesia sem emoção para os “poetas” experimentais. 
			Meu amigo Roberto Piva afirma que só aceita poesia experimental de 
			quem tenha vida experimental. Mais do que certo. Aliás, esse contato 
			com Portugal me ensina cada vez mais como deve ser o poema. Como 
			deve ser a poesia. Espero que sua pergunta não esteja sugerindo – 
			digamos – uma “desaprovação” quando você fala em “forte carga 
			emocional”, como se isso fosse um crime literário dentro da poesia. 
			Seja como for, sou sim um poeta de forte carga emocional. Foi assim 
			desde o primeiro livro adolescente, passando especialmente pelo “O 
			Sermão do Viaduto”, que eram os poemas que eu falava no Viaduto do 
			Chá, nos anos 60. Foram nove recitais com microfone e alto-falantes. 
			Nove recitais e cinco prisões pelo Dops. 
			 
			-Como começou esse o contato em Portugal para 
			lançar seus livros naquele país e como tem sido a recepção deles? 
			 
			-Esse contato começou em 1998, quando participei, como poeta 
			brasileiro, do Terceiro Encontro Internacional de Poetas, promovido 
			pela Universidade de Coimbra. Fui o poeta mais discutido do evento, 
			aplaudido até por poetas que não entendiam uma única palavra em 
			português. Mas ficaram contagiados pelo som e ritmo das palavras, 
			especialmente por um poema meu publicado em algumas antologias em 
			Portugal chamado “Eldorado de Carajás”. Digo isto não como discurso 
			em causa própria, já que isso foi destacado pela ensaísta portuguesa 
			Graça Capinha, da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, no 
			prefácio de meu primeiro livro lá “20 poemas quase líricos e algumas 
			canções para Coimbra”, de 1999. Em 2002, publiquei em Portugal 
			“Poemas Portugueses” e agora este “Sete anos de Pastor”, que foi 
			lançado com uma leitura de poemas no Teatro Gil Vicente, em Coimbra. 
			Em 2000, troquei um livro meu, pessoal, em favor de uma antologia de 
			poesia brasileira que organizei dentro das comemorações dos 500 anos 
			do Descobrimento. Nunca vou me perdoar por isso. Só arrumei 
			desafetos, já que a vaidade é doença séria em algumas pessoas. Tenho 
			participado de muitos eventos culturais em Portugal. Não faz muito 
			tempo, participei de uma leitura de poemas na cidade de 
			Idanha-A-Nova, na fronteira com a Espanha, que está comemorando 800 
			anos. Li poemas ao lado de Vasco Graça Moura, Nuno Júdice e Ana 
			Luisa Amaral. Quanto à recepção de minha poesia em Portugal é de 
			absoluto respeito. Os poetas são respeitados em Portugal. E isso não 
			vejo aqui, no país dos traidores. 
			 
			-No Brasil há distribuição de “Sete Anos de 
			Pastor”? Como tem sido a divulgação desse trabalho por aqui? E onde 
			as pessoas podem encontrá-lo? 
			 
			-Não, o livro “Sete Anos de Pastor” não está distribuído no Brasil. 
			Mas a edição brasileira do livro sairá no final do ano, pela Editora 
			Escrituras. Quanto à divulgação, sinceramente não tenho muito do que 
			reclamar. Mas não é a divulgação que gostaria de ter. Afinal, sou um 
			poeta brasileiro que lança um livro de poemas em Portugal a cada ano 
			e meio. Aliás, para dizer a verdade, não tenho mais certeza de que 
			seja um poeta brasileiro. Sinto-me distante. Muito distante. É como 
			se eu não tivesse nada mais a ver com o que ocorre por aqui, no país 
			da mentira. Pode parecer presunção, prepotência, mas não é. É 
			tristeza mesmo. Indignação. Quanto a encontrar o livro aqui não há 
			possibilidade. Mas deixo o e-mail da editora em Portugal, que é o 
			seguinte: palimage@palimage.pt 
			 
			-Você tem dito que deixou de ser poeta 
			brasileiro, "diante da assustadora mediocridade brasileira na área 
			da poesia", em especial nos cadernos de cultura da imprensa escrita. 
			Como é ser brasileiro, mas não se sentir um poeta brasileiro? Mas, 
			por outro lado, o poeta tem identidades assim tão marcantes 
			(brasileiro, português, etc) ou ele não precisa de nacionalidade? 
			 
			-Como respondi acima, não me sinto mais um poeta brasileiro. Não me 
			sinto mesmo. Me dói falar isso, mas é verdadeiro. Minha vida está em 
			Portugal. Minha vida existencial e minha vida poética. Está difícil 
			respirar no Brasil, o país dos desencantos. Está muito difícil. E 
			essa angústia acaba envolvendo a criação literária. Acabe envolvendo 
			a poesia. Acaba envolvendo o jornalismo. Acaba envolvendo todos os 
			segmentos da vida brasileira. Como você sublinhou, entre aspas, 
			citando palavras minhas, a mediocridade é mesmo assustadora. Você me 
			pergunta como é ser brasileiro, mas não se sentir um poeta 
			brasileiro. É assim como está sendo. Minha literatura está lá, o que 
			não me impede publicar aqui. Mas os últimos livros foram publicados 
			primeiro em Portugal. E escrevo como se vivesse lá. Não sei se é 
			complicado compreender isto, mas de qualquer maneira é o que está 
			ocorrendo comigo. Chega uma hora que a gente diz que não dá mais. 
			Para mim não dá mais. Você também fala da identidade de um poeta, de 
			sua nacionalidade. Claro, está se referindo a mim. Quando fui a 
			Portugal lançar este “Sete Anos de Pastor”, a RTP (Rádio e Televisão 
			Portuguesa) fez comigo uma entrevista de meia hora, para o programa 
			“Entre nós”, que é gravado na Universidade Aberta de Lisboa, que 
			fica no Bairro Alto. Eles se assustaram como as declarações que fiz 
			e estou fazendo aqui. Perguntou-se, então, se eu seria – digamos – 
			um poeta de dupla nacionalidade. Não soube responder. Mas disse que 
			era um poeta português que vive no Brasil. E lhes pedi licença para 
			ser um poeta português. Essa licença que eu me dei, para não morrer 
			sufocado pela mediocridade reinante.  
			 
			-Diante de tal declaração, o que disseram ? 
			 
			-Nada. Mostraram-se, como disse, assustados. E se assustaram porque 
			sentiram a minha veemência. A trilha para chegar a isto foi 
			dolorosa. Está sendo dolorosa. Mas chega uma hora em que é preciso 
			reagir. Atualmente, nada tenho a ver com a poesia brasileira o que, 
			convenhamos, não vai modificar em absolutamente nada a ordem das 
			coisas. 
			 
			-E como é não se sentir um poeta brasileiro, 
			mas seguir vivendo aqui? 
			 
			-É ser como tem sido. Vivo no Brasil porque o Brasil é o meu país. 
			Um país que não tem sorte. Um país mutilado todos os dias. Traído 
			todos os dias por aqueles que juraram por tanto tempo ser a 
			salvação. Um país feito de mentiras e tantas falsidades que se 
			transforma numa ferida aberta no peito, como diz meu amigo Affonso 
			Romano de Sant´Anna. Mas minha alma não está aqui. A minha poesia 
			não está aqui. A poesia brasileira foi morta por facínoras que têm 
			espaço garantido na mídia que se diz cultural. Eu tenho o direito, 
			como poeta e cidadão, de me negar a participar desse circo. 
  
                                                                   
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
                                                    |