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Francisco Miguel de Moura


 

Horas sem tempo

 

Há livros que a gente começa a ler e nem sente vontade de terminar, de tão bom que é. Volta-se sempre às páginas iniciais para sentir de novo o gosto de antes. Normalmente isto acontece com os livros pequenos e bons. “Horas sem tempo”, de José Expedito Rego, é um desses livros.

Conheci José Expedito quando publiquei o livro “Linguagem e Comunicação em O. G. Rego de Carvalho”, 1972. Embora houvesse lido seus versos em antologias, tudo me passou despercebido. Algum tempo depois, li seu romance “Né de Souza”, rebatizado na segunda edição para “Vaqueiro e visconde”, deixando-me a sensação de que lera uma grande obra e um grande escritor, sobre ser também um estilista de peso e um profundo conhecedor da história do Piauí. A experiência da leitura me agradou, a sensação era verdadeira, confirmada que foi em outros livros, e só não registrei na época por causa do corre-corre danado desta vida. José Expedito, através de Oeiras, ama o Piauí, nossa gente e paisagem, ama o mar e a serra, o folclore, a linguagem, e aprecia sobretudo o falar caboclo, os costumes do campo e da cidade, do passado e do presente, com aquele jeito todo seu de criticar e humorizar, humanizando. Para se ter certeza disto basta ler “Malhadinha” (não apenas o romance, mas o poema), “Oeiras da minha infância”, “Riacho da Mocha” e “Nordeste”, com seu lirismo cheio de encanto, que é o que se encontra de ponta a ponta em “Horas sem tempo”.

Seu panteísmo, próprio do médico e do cientista que é, está nos versos de “O mar”, curtos e amenos como ondas ligeiras que viessem contar-lhe segredos mas voltassem sem contá-los. Mas está sobretudo em “Desejo”, que aqui transcrevo in totum: “Quero integrar o azul do céu / nos dias claros, nos dias de flores / para que sendo luz e perfume / eu possa penetrar os recantos sutis / da natureza inteira.../ Mergulhar naquela nuvem branca / que se desmancha ao capricho do vento / e ser beijado pelas borboletas / e ser sugado por abelhas tontas / e morrer envolvido pela noite / enchendo-a de luar e de perfume.” Poemas soltos, versos mais soltos ainda, desataviados de imagens pós-modernas, com ritmos variados e da forma mais natural possível, como querem as ‘horas sem tempo’ do título. Por isto e por outras qualidades cujo tempo e espaço são-me insuficientes para descrevê-las e talvez nem seja necessário, neste momento, pois ao leitor comum cabe a satisfação degustá-los, “Horas sem tempo” é uma daquelas obras necessárias, não obstante contenha a inutilidade da poesia.

No capítulo soneto, José Expedito Rego é um mestre. Não observei se há outros no livro, nem me dou conta entre sonetos e poemas soltos, porque tudo é poesia, mas sei que me dei por satisfeito de ter lido e relido “Segredo” e “O Morro Verde”. E, enfim, posso contá-lo entre os melhores sonetistas do Piauí como Hardi Filho e Celso Pinheiro, por exemplo, pra não falar no grandioso Da Costa e Silva.

Mas “Se eu soubesse morrer” é um poema singular. Não simplesmente porque reflete o existencial problema de todos nós - que é a morte - o único problema filosófico do homem, segundo Albert Camus. Vai além. Levanta a problemática da arte como finalidade do homem. Se o pintor não pintar, se o músico não fizer música, se o poeta não poetar, então para que serviu? Se o médico não curou (ou não tentou curar), se o agricultor não plantou e colheu, se o palhaço não fez rir, para que vieram ao mundo?

Sensualidade, ternura, generosidade, singeleza, simplicidade saltam dos poemas de José Expedito Rego, a cada instante, a cada página. Assim, só temos que agradecer-lhe o espírito de poeta resistente e relê-lo em prosa e em poesia, pois não.