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			Bento Munhoz da Rocha Neto (1905-1973) 
			tinha 25 anos quando a Revolução de 1930 o alijou para o ostracismo, 
			juntamente com a família, os amigos e o grupo político a que 
			pertenciam. A bem chamada República Velha extingüiu-se por falência 
			generalizada de todos os órgãos, o que, no caso do Paraná, foi 
			particularmente catastrófico. Ao assumir o governo revolucionário em 
			1932, o interventor Manoel Ribas lançou o libelo acusatório, muitas 
			vezes repetido nos anos seguintes: “A situação econômica e 
			financeira deste estado atingiram as cifras de 124,4 mil contos de 
			réis e 82,6 mil contos de réis; o funcionalismo público com seus 
			vencimentos atrasados em nove meses e as demais obrigações do 
			Tesouro, inclusive o serviço de juros e o resgate de apólices 
			sorteadas, absolutamente suspensos. Essas dívidas assoberbantes, o 
			caos financeiro, a desconfiança, e o descrédito, determinaram o 
			colapso econômico e a conseqüente queda de arrecadação” (Vanderlei 
			Rebelo. Bento Munhoz da Rocha: o intelectual na correnteza política. 
			Curitiba: Imprensa Oficial, 2005). 
			Essa a herança deixada pela 
			administração Afonso Camargo, último representante da oligarquia que 
			se instalara com as eleições de 1915, oligarquia ao mesmo tempo 
			familial e política: Caetano Munhoz da Rocha e Afonso Camargo, 
			escreve Vanderlei Rebelo, “iniciaram um período de predominância de 
			15 anos na política paranaense. Associaram para sempre os nomes 
			Munhoz da Rocha e Alves de Camargo à oligarquia política. Só seriam 
			afastados do poder em outubro de 1930, com a revolução varguista” – 
			um episódio envolvido em clima de inacreditável ódio popular, 
			violências pessoais, prisões, sindicâncias e vinganças criminosas: 
			“Com o que ganharam na festa de casamento, Bento e Flora poderiam 
			formar um pecúlio para o resto da vida. Mas a revolução de 1930 não 
			levou de roldão apenas os mandatos de governador de Afonso Camargo, 
			e de senador de Caetano./ Nos dias turbulentos de outubro, vândalos 
			travestidos de revolucionários invadiram a casa alugada em que o 
			casal morava, na rua Buenos Aires, bairro do Batel, e saquearam tudo 
			o que puderam encontrar. A casa fora alugada para eles por Caetano 
			Munhoz, com toda a mobília pronta e uma despensa de fazer inveja às 
			melhores mercearias da cidade. Salvaram-se da fúria ‘revolucionária’ 
			alguns objetos que Flora, preventivamente, deixara sob a guarda de 
			um padre amigo da família. As casas de Caetano e Afonso Camargo 
			também foram saqueadas, sem que a polícia tomasse alguma 
			providência. (...) As famílias Camargo e Munhoz da Rocha, que os 
			adversários políticos identificavam como oligarquias que precisavam 
			ser banidas do poder de forma total e definitiva, tiveram ali seus 
			dias de Romanov”, diz Vanderlei Rebelo em hipérbole retórica. 
			Mas, como Deus escreve direito por 
			linhas tortas (verdade do folclore brasileiro a que Paul Claudel na 
			condição na condição de poeta católico conferiu o selo de 
			autenticidade teológica), Getúlio Vargas, animal político por 
			excelência, visitou o Paraná quando Munhoz da Rocha Neto era 
			governador eleito em circunstância regeneradoras em tudo semelhantes 
			aos idos de 1930. Eram, agora, dois vencedores face a face: “Munhoz 
			da Rocha manteve um distanciamento político respeitoso do Presidente 
			(...) nunca (?) foi homem de guardar ódios e ressentimentos. Seu 
			relacionamento com o presidente tinha limitações, isso não impediu 
			que acabassem construindo uma amizade”. Na gargalhada espontânea que 
			os uniu em foto incluída no volume, ambos pareciam rir das 
			artimanhas do destino. 
			Nesses encontros e desencontros, há, 
			entre muitos outros, um daqueles “pequenos fatos significativos” nos 
			quais, segundo Taine, se oculta o sentido profundo da história: 
			“Nesses dias em que ficou em Curitiba, Vargas foi à casa de Munhoz 
			da Rocha para um jantar íntimo com a família do governador (...). 
			Sabia que partilharia da mesa com Flora Munhoz da Rocha, filha de um 
			governador expurgado pela Revolução de 30. Afonso Alves de Camargo 
			não apenas fora deposto do cargo, como precisou se esconder dos 
			revolucionários (...). O encontro tinha os ingredientes completos 
			daqueles momentos cheios de embaraço e constrangimento (...). Vargas 
			quebrou o gelo ao cumprimentar a primeira dama: ‘Minha esposa sempre 
			afirma que é das mais eficientes presidentes (regionais da Legião 
			Brasileira de Assistência), mas nunca me havia dito que era uma vovó 
			tão moça assim”. Grande sedutor! Dona Flora baixou a guarda, escreve 
			Vanderlei Rebelo, transcrevendo a cena das boas maneiras que foi a 
			continuação do diálogo. 
			Para vencer as almas e os corações, 
			Getúlio Vargas perguntou-lhe a respeito de Afonso Camargo, e, “ao 
			saber que o ex-governador estava na casa, bastante doente, insistiu 
			em vê-lo pessoalmente. Segundo o relato de dona Flora, Vargas 
			abraçou-o demoradamente, lamentando as circunstâncias que os levaram 
			ao distanciamento político e relembrando um banquete que lhes fora 
			oferecido em 1928, quando deixaram o Congresso para assumir os 
			governos do Paraná e do Rio Grande do Sul”. Grande animal político! 
			Para arrematar a situação, o presidente decidiu enfrentá-la: 
			“Quando, dona Flora, em 1930, havia de imaginar que esta noite ia 
			acontecer? Que eu ainda me sentaria à mesa para um jantar de 
			cordialidade?”. Estava tudo apagado, respondeu ela com presença de 
			espírito e alguma condescendente magnanimidade: “tudo passou, já 
			esquecemos, Presidente”. 
			Por paradoxal que pareça em homem que 
			ocupou os mais altos postos na vida pública, Munhoz da Rocha, ao 
			contrário de Getúlio Vargas, não era um animal político, sendo, 
			antes, um solitário no fundo dele mesmo, como é próprio dos exilados 
			interiores: “não tinha o gosto pela política naquilo que ela tem de 
			cotidiano e de mais maçante no dia-a-dia. Preferia lidar, por 
			exemplo, com a definição de um planejamento para a economia do 
			estado para os futuros cinco anos, o plano rodoviário estadual, a 
			política de migração ou a construção do Centro Cívico (...). ... as 
			linhas mestras do relacionamento com os partidos e com as bancadas 
			na Assembléia Legislativa se assentavam de forma difusa”. Eis um 
			episódio: “ele sabia perfeitamente que a eleição para o senado teria 
			fortes reflexos na sua própria sucessão (...) mas não moveu uma 
			palha em favor de Artur Santos, lançado candidato a senador pela 
			UDN” – ele que, segundo Vanderlei Rebelo, “tinha a alma udenista”, 
			para nada dizer da pouca afinidade com a fauna política e 
			assemelhada que o assediava, nada fazendo para dissimular o tédio 
			com que a encarava. Foi, de fato, “um intelectual na correnteza 
			política”, onde poucas vezes encontrou interlocutores com quem 
			pudesse dialogar.  |