Vitorino Nemésio
A Concha
					A minha casa é concha. Como os bichos 
					Segreguei-a de mim com paciência: 
					Fachada de marés, a sonho e lixos, 
					O horto e os muros só areia e ausência. 
					Minha casa sou eu e os meus caprichos. 
					O orgulho carregado de inocência 
					Se às vezes dá uma varanda, vence-a 
					O sal que os santos esboroou nos nichos. 
					E telhados de vidro, e escadarias 
					Frágeis, cobertas de hera, oh bronze falso! 
					Lareira aberta ao vento, as salas frias. 
					A minha casa. . . Mas é outra a história: 
					Sou eu ao vento e à chuva, aqui descalço, 
					Sentado numa pedra de memória. 
					(Poesia, 1935-1940)
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * *