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Vanessa Buffone


 


Orelha do livro As casas onde eu morei

Por Renata Belmonte


 

Abrir um livro é como abrir uma porta. No caso deste, várias. Porque muitas são as casas que se apresentam, convidam, encantam. Pouco a pouco, passamos a escutar o canto das meninas-brincadeiras, o pranto da menina crescida da ladeira, o silêncio da mulher que escreve.

Sim, não há como negar: uno é esse sujeito que habita, se muda, torna-se narrador e personagem. Diversas e simultâneas são as conjugações possíveis para o verbo de ligação - eu fui, sou. A memória como a maior das matérias-primas.

Seja bem-vindo À casa dos inícios, marco inicial da história de Vanessa Buffone como escritora: Nasci com duas ou três casas,/ sem morada certa,/ e, em dias de chuva,/ minha mãe me exibia aos olhares do mundo.

Utilizando-se da mais fina linha, a autora tece imagens, quadros, ângulos. Nesta Primeira casa estão presentes todos os sentimentos clássicos da infância. A solidão, a perda e o desejo de pertencer misturam-se em sua poesia delicada, cor-de-rosa como o laço de cabelo da menina que não houve. Sem duvidar de que a boa literatura não prescinde da forma, a poetisa não sucumbe aos apelos do mero valor vivencial. Tudo se encontra perfeitamente arquitetado, desde a utilização da melhor palavra à reconstrução das sensações aparentemente esquecidas, confortáveis: Fascinam as poças d’água da minha rua:/ espelhos./ A menina é crescida,/ vejo. Tempo de mudar.

Um quarto que seja seu, Virgínia Woolf já compreendia. Uma casa que seja sua. Minha casa: Dores antigas como passos, ecos,/ sons da minha memória a caminhar./ Quantos são os pedaços que perdi,/ por vontade maior de me encaixar? Os rituais de passagem para o mundo adulto, a necessidade de ser aceito, imposição de crescer. A desilusão de descobrir um lugar imperfeito, pouco sincero. A literatura como possibilidade de invenção de regras individuais, pessoalmente lógicas: Poucos prazeres são confiáveis,/ conheço dois: os da carne e os da escrita.

O encontro com o outro. A casa dos botões bonitos. As tramelas que se abrem, envolvem, protegem. Botões. O perfume da flor dos amantes: E todo meu leite verti em rios,/ gozos, espasmos: meu pecado,/ seio imolado e tuas mãos postas a mim. A separação, quando se é inverno: Foi à sombra de idílios e letras que adormeci,/ enquanto este barulho inscrito em mim/ gravava um adeus esperado,/ lapidado entre dor e êxtase.

Em A casa do outro, conquista-se a essencial leveza, não sem algum paradoxo e perplexidade. Pedaços do inesperado, cápsulas do súbito invadem estes versos, trazendo algumas das mais terríveis verdades: Tua força violenta-me as idéias/ e alimenta o mal que insiste em mudar./ Feridas me revelam o aprendizado da dor,/ o amor que humilha.

Por fim, adentramos neste espaço não delimitado, onipresente. Vida. A casa de todos. A epígrafe de Cecília Meirelles é sincera, contundente. Se não tem mais lar o que mora em tudo, a poetisa confirma a sua escolha pela literatura, como morada, comida, chão: Estamos todos vivos e bem, num lugar longínquo.
Pode entrar, fique à vontade. Espero que goste. Estas são as casas onde eu morei.

 

 

 


 

10/11/2005