Miguel Torga

Natal

Um anjo imaginado, Um anjo diabético, atual, Ergueu a mão e disse: — É noite de Natal, Paz à imaginação! E todo o ritual Que antecede o milagre habitual Perdeu a exaltação. Em vez de excelsos hinos de confiança No mistério divino, E de mirra, e de incenso e ouro Derramados No presépio vazio, Duas perguntas brancas, regeladas Como a neve que cai, E breve como o vento Que entra por uma fresta, quizilento, Redemoinha e sai: A volta da lareira Quantas almas se aquecem Fraternalmente? Quantas desejam que o Menino venha Ouvir humanamente O lancinante crepitar da lenha?


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