Souza Santos

As Canções de Amor

Poema I

Amor, porque te consigo imaginar o gosto da boca, a força dos braços, o calor do corpo, porque te consigo imaginar a luz do olhar o pulsar do peito o faminto desejo me dou, em tremor profundo, ainda que me desmanche inteira em seiva, gemidos, sussurros, me tornando dessa maneira em alguns versos do nosso livro ...

Poema II

Em minhas mãos, entregaste o corpo alvo e nu , de incenso e mirra esquecido, permitindo tatuar o vale com a lava do vulcão amanhecido juntos, derramados os pudores em branda taça, um torpor de vinhos nos cimos duros, debruçado o grito em tua âncora, meu espanto findo Iniciando escrever o livro transfiro em ti a minha força, vinda do vermelho das ameixas roxas, quando teu corpo sobre o meu derramado, calar a sede da serpente hirta. Na página primeira escrita à memória do milenar gozo no alvo corpo a escorrida lava desmente a aridez da futura estrada.

Poema III

Porque te amo me divido, e em mim se multiplica o que antes sem saber subtraído me havia. Do cântaro no peito ressecado renasceu a flor que não morrera, pois que estava em nós, e não sabíamos pois que nos lambera, e não sentíamos. O teu rosto desconhecido perpetua a chama , que no peito ainda ardia. Porque te amo louco me derramo, corajoso e vasto entre as lavas do teu vulcão em chamas, e nos teus olhos me revejo cálice, âmbula, patena e sacrário inteira catedral de êxtase erguida Nos teus braços do cansaço me exilo, ao longe numa curva do caminho, vejo o meu retrato de ontens pendurado, do riso frouxo que da boca se me expande, o silêncio pleno de vidraças que se abrem. Em tua boca, gestamos nosso vinho no seio túmido, a flor que embriaga, em nosso gozo, um poema de Hilda Hilst.

Poema IV

À sombra do pessegueiro, aconchegada no meu peito em silêncio, a solidão urdia o caminho dos nossos passos nos mails tímidos, travados na virtual estrada descoberta Tomei para mim o teu ardor de fome de ontens tecida, tomei toda a febre das tuas dores, tomei-a em júbilo até o apagar das tuas cinzas, de nomes esquecidas Passo a passo ensaiei, cingir em grilhões a desesperança e nos dividimos para sermos únicos

Poema V - O Recado

Estarei ausente da tua ceia, mas deixo o pão em beijo transformado, e mesmo que as minhas bússolas, navegassem rotas, encontrariam a sombra do pessegueiro azul em teu corpo refletido. Dos astrolábios tantos que nos guiaram os passos de quilhas, conveses e tombadilhos que nos encheram os sonhos, estarei na milenar memória das tuas mãos na hora de cortares o pão, e no cálice ausente, de vinhos e ontens sorvido Espera-me amor! abre a janela e me deixa ver refletida a tua luz. A estrela que me guia os passos enlouquecida de sombras, haverá de reconhecer o teu sinal e o advento estará em nossas mãos, ... lúdicas mãos, de amanhãs tecida.

Poema VI

Chove lá fora, na minha janela a chuva insiste em dizer que por um momento, me exilei de você Caiu a linha, lá fora é noite fria e sem estrelas onde vê-la Nesse instante carrego a solidão do mundo lembro do teu riso ao dizer-me manco e lembro do teu pranto ao incomentar a renda preta Ainda chove lá fora pe é estranho... não somos os dois a sentir o frio.

Poema VII

Tens no seio nu o segredo das minhas algemas e do incansável galopar do meu corcel na busca embriagada do teu mel, porque não me basta a memória escrita do teu rosto, nem me alcança as janelas abertas onde derramamos nossa solidão, e ainda que por mil anos galope a crina azul do meu cavalo, o meu segredo inatingível em tuas mãos, escutará somente o arpejo de correntes, desandadas em tua busca.

Poema VIII

Porque me sabe a boca o teu gosto, por dentro e fora revelado, em nuvens meus sentidos se desfaz, enquanto sacralizo o vinho amanhecido na tua concha pérola Porque te descobri me deixei ficar nas tuas ilhas, conquistado, e me fiz pescador , dos teus silêncios, dos frêmitos esquecidos no tremor da carne nua, e porque me sabe a boca o teu gosto, te faço um poema com o sabor da lava escorrida no meu peito. Sinto o grito do vulcão em minha língua enternecido, e o rio desaflito em plena noite derramado nas correntezas do prazer e da poesia Me toma, conquistado por querer, me leva, e me perde no teu canto, deixe que sepulte o meu inferno e esqueça a ira dos mares navegados, renasça em mim o brilho do anjo e do demônio igualmente opostos na carne da mesma carne, me faça em carneiro e lã, ou musgo em cama macia, me deite, me nine, ordene, me ame, me ame, me ame.

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