Souza Santos

O Romanceiro

Vinte e quatro sóis acesos no meu caminho um grito coagulado na fuga desperto e debruçada nos meus olhos caminhaste o filho da noite inteiro Vinte e quatro sóis acesos dentro de mim um grito assassinado no peito deflorando o sono da fuga nas imaturas distâncias onde perdido deixei o cântaro último da fé Penetrando nos meus olhos violentaste o aviso da proibida entrada perambulando como se fosse quarta-feira e colhendo numa primavera de sonhos nos jardins do que fui vinte e quatro sóis azuis que sem saber p´ra você eu guardei Na avenida de cantos renasceste do meu peito no teu mundo pisando as pedras do meu caminho e lançaste o pregão ao vento : - Ele está renascido estive lá dentro dele e vi flores e prantos e notas e dores e cantos nos recantos escondidos de não mostrar a ninguém fui estranha em ruelas sem passado conseguindo o norte encontrar depois de caminhos tantos - Sim, eu sei, tu descobriste o grito há tanto escondido Nasci em tempo de festival meu mundo incompreendido tem notas que são espinhos tem flores embrutecidas rebentadas no meu peito tem cantos são sentidos que às vezes eu mesmo sinto ter tão estranho nascido - Estranho, nasceste sim estranho cantor eu sei na estranheza do teu canto existe um outro encanto embora não saibas qual seja é o encanto das flores mutiladas na fronteira dos teus olhos é a fuga dos teus lenços num cais já vazio é o grito acorrentado no alagado do teu peito O teu encanto é o gemido guardado e nunca soluçado nas tuas mãos de poeta ! - Sim, eu sei, tu descobriste o meu grito de vinte e quatro sóis amanhecidos no peito, e sei que nos limites do que sou ou nas amarras do meu verso como pomba artesã na minha lira te encontro - Poeta, o meu nome é infortúnio somos pó na mesma estrada e nem assim nos encontramos somos água de um só rio que não corre o mesmo leito no teu peito a esperança é terra já amanhada no meu corre a solidão na roca do meu sonhar - Teu suspiro não assino nem teu pranto faço meu no tear da esperança há um riso que se alcança quando o linho dá um nó há um vento que levanta do passado o areal e um sol que o sepulta quando o fuso entristecido faz da curva o seu caminho - A esperança rebentada no meu peito poeta é uma flor desesperada, traz no seio o escarlate das visões de fome e guerra, nas veias abertas o choro de crianças abandonadas das farpas que me protegem emanam dores e gritos não há roca nem esperança p´ra quem vive de amanhar choro, dor, lamento e pranto - Infortúnio, Infortúnio, não há poço sem um fundo nem túnel sem uma luz a corda não é sempre do enforcado o colar nem a semente fenece sem antes dela brotar o fruto, a flor e a sombra e mesmo nas mãos vermelhas das abelhas lívidas há um néctar de esperança a ser sugado - Poeta ! sonhas e deliras quando esperanças alardeia desespero é o cavalo ao qual me encilhei as abelhas de que falas aninhadas se encontram no ventre das minhas aranhas minhas flores enlouquecidas giram ao redor de um fuso sem linha no meu tear - Donde vens Infortúnio ! onde as sombras que te abrigam - Venho de longe e de perto do tempo sou viajante nas canaletas da dor fui Sabra, Chatilla, Treblinka, Sorbibor Quem me viu Sabra conhece o amontoado das minhas fugas e a profundidade da angústia revelada na aspereza dos meus cactos mas sabia quanto eu era terna e doce Quem me conheceu Chatilla sabia-me flor nascida em lodo, de mãos desarmadas, e vivendo como uma rosa pelo espaço de uma manhã Quando Sabra e Chatilla fui tive os braços levantados e os gestos inconclusos e me vejo ainda nas flores rebentadas no peito daquelas mulheres Não procures Poeta o insondável com teu verso desvendar somos do mesmo caminho as pedras e nem assim nos conhecemos somos da mesma luz a cor e nem assim tu me iluminas - Infortúnio, Infortúnio ! há mil anos nossas palavras são sussurradas e encalacradas ao peito sem ouvidos a ouvi-las e dizer que a tua voz me é conhecida como a serra que me teve em berço, e dizer que sei teu nome embora de Infortúnio não a chamasse nos meus sonhos, rota e triste te chamava Liberdade ... Liberdade - Morto o tempo Poeta em que Liberdade fui chamada, antes aurora brilhante houve vácuo, mais nada, daquela imagem altiva a sombra se apagou nem o eco, da solidão o amante, guardou os meus passos, na poeira desandados - Infortúnio ou Liberdade em dor também me vi envolto passou como um vendaval destruiu, arrancou, renasci sem o riso insensível ao pranto e, com uma estrela incrustada no peito me fiz poeta do esquecimento Como a fênix das cinzas renascida esbocei levantar-me do desespero tentando esquecer as mãos que se estenderam para apagar as minhas estrelas As minhas asas dilatadas se enfunavam de sonho e fantasia e no alto do meu horizonte um rosto vagava, diluído Eras tu Liberdade, a pomba órfã voluntária e sozinha voando contra o Levante, as esquecidas asas não voavam em meu caminho e o vento, meu irmão, aprendeu a criar sombras e nuvens de não ver - E eu que queria uma luz acender no ventre das estrelas enlouquecidas de sombras contentei-me em apagar a chama que por meu nome o peito ardia Cimentada nos meus passos trago viva a esperança de no galope azul do vento nos quatro cantos do mundo o meu nome ecoar . Invadindo os teus olhos percebi a antiga chama e no gemido guardado e nunca soluçado nas tuas mãos de poeta aninho a esperança de brilhar a minha luz - Sim, eu sei, tu descobriste o meu grito de vinte e quatro sóis amanhecidos no peito


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