Rodrigo Carvalho

Intervenção da Morte

Consulta médica. O ar anestesia meus pensamentos, deixando-os livres. Que teria eu sofrido para estar em tal lugar? E o doutor, de barbas brancas, — que até passava um pouco de calma, sabe?! — anunciou o esperado: — Tu realmente és saudável, é verdade. Salvo tuas vísceras, teimosas, impondo-se em deslocar-se. Causastes uma hérnia, vísceras danadas! Hospital. Exames, espera, tricotomia, espera, roupas brancas — ridículas! — botinhas de pano, touca, cadeira-de-rodas. . . Sala de cirurgia! Deito-me na maca e amarram-me por inteiro. Eletroldos, injeções, soro, bisturi, coração, anestesia. . . . . . Terminou? . . . E vem a recuperação que, apesar de rápida, é bastante dolorosa. Após a cirurgia, paro e reflito. Tenho a nítida impressão de que a morte, é aquilo ali: não sente-se nada; não ouve-se nada; não se é nada, após os ‘bip’s’. . .

Salvador, 10 de julho de 1994

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