Soares
Feitosa |
Jornal
de Poesia
|
Salomão
Nono Movimento:
— O Menino —
14 de março de 1997,
primeiro minuto do dia,
eu teria mandado
todos os veleiros abalarem
os sinos,
todas as capelas desta vila
rezarem missa, Lucas e Sadoc
e um discurso
empolgado,
todos os carros de guerra
rasgariam as ruas
da praia;
e os berrantes, daquela hora
em diante
até o amanhecer do
dia
e por todo o dia;
teria mandado armar
um pelourinho e um negro
catimbozeiro de todos os
sons,
escolha de Salomão®, Carlito,
e outro negro, Gualberto
[também do Capitão®],
e as escolhidas do Capitão®
[só as mulheres de chã!,
riso mui alvo e mui distinto],
elas, no passo da graça;
e todos os negros e todas as
negras,
e todos os brancos e todos
os amarelos
e todos os-de-cor, e os-de-cor-qualquer,
uma pantomina, um theatro,
um negro amarrado, com a
bunda de fora,
e outro negro no açoite,
e o Coronel negreiro Antônio,
e o bispo negro, e o archanjo
negro,
e o filósofo George,
negro;
e o Navio desceria do morro,
apenas no faz-de-conta,
que de lá
ele não desce!
E a festa teria sido
uma cantoria de violas,
violas do Ceará,
donde desinventamos os negros,
porque a partir de Acarape,
foi lá, um baiano,
Sátiro,
da raça dos deuses,
libertou —
libertou primeiro!
1884!
4 anos antes!
25 de março!
A partir de Acarape,
o Ceará,
o Ceará primeiro!
E o mote seria o Século
Cem,
de Ésquilo
e Conselheiro.
Por isto, Capitão
Salomão, mandei-te chamar
para os festejos,
mas os festejos foram um
livro,
restrito, e um theatro pago,
aliás apaniguado
no convite, e um discurso
de gatos
pingados,
porque os daqui não
sabem
do Menino.
Deve ter sido culpa tua,
Capitão,
com a venda desastrada
de Cruz e Souza, o tossidor;
de Antônio Francisco,
o aleijado;
e da moleza de não
teres atacado
os piratas do Norte e retomado
Cassius,
Cassius Marcellus Clay,
o negro trêmulo que
acendeu
a tocha olimpicamente acesa
aos Jogos do Século
Cem,
de Ésquilo.
Teria mandado vir outro negro, Derek,
Derek Walcot, e Luther,
guerreiro King;
e teria mandado vir também
os Quatro,
porque tudo o que se diz
hoje
se diz em nome dos Quatro,
os Rapazes de Liverpool,
e de Cassius Marcellus Clay,
que me deixaste escapar,
porque tudo o que se faz
é de ordem deles,
Cassius Marcellus Clay
e dos rapazes de Liverpool,
porque os negros daqui,
os brancos daqui
nada sabem
do Menino.
Muito menos do Santo sabem,
Antônio — bravia terra
lusa de Antônios,
porque lusos somos, África
somos:
e Antônio, dito Padre,
e Antônio, o de um só prenome,
e Antônio, dito Manuel,
e Antônio, dito Frederico,
e Antônio, dito Lisboa,
e Antônio, dito Fernando,
e Antônio, dito Luís,
e Antônio, dito Patativa,
e Antônio, dito
Judeu,
e
Antônio também cego, dito Castilho,
e Antônio, dito Vicente —
Maciel-Ceará-Francisco,
e o Santo Propheta
Conselheiro
padeceu sob Pôncio Bahia Pilatos
o massacre baiano, Euclydes,
porque o Santo disse:
“... sertão vai virar mar!”
E virou!
Nilson, da Nordesa,
contador e negro disse:
“— Aí os morros, Coronel,
e nós dentro;
o Conselheiro é Propheta!”
E
da
amurada
os veleiros pendem...
Porque não pende Antônio!
Porque por ti, Antônio,
tombaram, um a um, sob o
ódio do teu pulso!
Porque tombou Antônio,
porém Júnior,
porque tombou Magalhães,
era Borges,
porque tombou Luís,
dito Filho,
porque tombou João,
dito Carneiro,
porque tombou Francisco,
dito Waldir,
porque Augusto, dito Morais,
tombado foi;
porque tombaram todos,
por ti, Coronel desta raça
de Antônios —
sob o teu pulso vasto todos
tombados —
uma raça de deuses
e de demônios.
Porque deuses e demônios,
isto é a mesma coisa!
E os que vão tombar
te saúdam!
Porque esta é a Canção do Mundo!
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